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A redução das barreiras atitudinais envolve questões mais complexas, porque trata da questão social e cultural que se traduz no preconceito. O enfrentamento das barreiras, neste caso, demanda tempo e variadas estratégias, sendo necessária a implantação de campanhas de sensibilização/esclarecimento da população, em especial da comunidade escolar, sobre o assunto. Segundo Rosita Carvalho (2015), “a palavra da ordem é equidade, o que significa educar de acordo com as diferenças individuais, sem que qualquer manifestação de dificuldades se traduza em impedimento à aprendizagem”.

Para além das adequações físicas concernentes à acessibilidade (barreiras arquitetônicas e instrumentais) e dos serviços assistivos oportunizados aos alunos com deficiência (barreiras comunicacionais e metodológicas), Dischinger e Machado (2006) defendem uma “acessibilidade programática, sem barreiras invisíveis embutidas em políticas públicas, regulamentos e normas” e também uma “acessibilidade atitudinal, por meio de programas e práticas de sensibilização e de conscientização das pessoas em geral e da convivência na diversidade humana, resultando em quebra de preconceitos, estigmas, estereótipos e discriminações”.

Nesse contexto, ainda há um grande caminho a ser percorrido na construção de uma sociedade inclusiva, passando pelo aprimoramento das relações sociais, pela compreensão de que o verdadeiro pensamento inclusivo é aquele que não categoriza as pessoas por ordem de valor atribuído pelo preconceito (BARTALOTTI, 2006).

Também nesse viés, Adriana de Almeida Prado (2005) alerta:

A maioria dos ambientes construídos ou não, apresenta barreiras visíveis e invisíveis. Constituem barreiras visíveis todos os impedimentos concretos, entendidos como a falta de acessibilidade aos espaços. As invisíveis constituem a forma como as

pessoas são vistas pela sociedade, na maior parte das vezes representadas pelas suas deficiências e não pelas suas potencialidades. A eliminação de barreiras visíveis poderá vir a contribuir para a diminuição das barreiras invisíveis.

(grifamos)

As barreiras invisíveis correspondentes aos preconceitos são consideradas um fenômeno sociopsicológico que acontece no processo de socialização, sendo vistas como os maiores obstáculos enfrentados pelas pessoas com deficiência, pois resultam numa gama de atitudes e sentimentos cruéis e violentos, além da vergonha e sofrimento. Schewinsky (2004), quando abordou o tema, asseverou que:

O portador de deficiência física passa a ser uma ameaça, mesmo que imaginária, para os outros, pois nele está contida a frágil natureza da humanidade, a possibilidade das limitações, o sofrimento que se quer negar e ocultar a qualquer preço. A ele é negada a possibilidade de trabalho, seu corpo não condiz à estética pré- estabelecida, ainda hoje, é considerado por muitos como sucata humana. O terror de não ter valor de produção e não poder suprir a autoconservação leva os preconceituosos ao asco.

Nesse sentido, focalizando a pessoa com deficiência em relação as suas capacidades, os preconceitos configuram- se como um mecanismo de negação social, pois suas diferenças são ressaltadas como falta, carência ou impossibilidade. A sociedade considera o corpo deficiente como insuficiente para as demandas de uso intensivo, que levam ao desgaste físico, numa estrutura funcional que exige pessoas fortes, com corpo “saudável”, que sejam eficientes para competir no mercado de trabalho. (SILVA, 2006).

O não reconhecimento das diferenças, a não aceitação do que foge aos parâmetros do convencionado como normalidade, as consequências da discriminação, materializadas em consequências psicológicas complexas na vida das pessoas com deficiência, constituem o panorama dos processos de exclusão frequentes na vida dessas pessoas, que pertencem a um grupo vulnerável. Então, a convivência com a diversidade tem que sair da esfera de tolerância ou passividade para o reconhecimento de que todas as pessoas, independente da deficiência, têm o direito viver de forma coletiva, atuando na sociedade com suas capacidades e individualidades. E esse processo inclusivo passa necessariamente pela acessibilidade, que deve integrar todas as dimensões possíveis, tanto físicas quanto sistêmicas e sociais/culturais.

Bartalotti (2006) refere que a exclusão nasce de uma ordem social legitimada por valores e ideologias que, de certa forma, a “justificam”. Segundo ela, “a exclusão é fruto das formas de organização da sociedade e das maneiras que se estabelecem as relações entre as pessoas”. No que tange à realidade do sistema escolar, essas formas de organização que não privilegiam o reconhecimento das diferenças são reproduzidas e se refletem no baixo índice de alunos com deficiência que frequentam as escolas.

Com base nos ensinamentos da referida autora, percebe-se que quando as formas de inclusão começam a ser pensadas nas escolas, especialmente a derrubada das barreiras invisíveis dos preconceitos, uma crise de identidade institucional abala a identidade dos professores e faz com que seja ressignificada a identidade dos alunos, pois a escola inclusiva

considera o direito à diferença, desconstruindo, portanto, o sistema atual de significação escolar excludente.

Ademais, se a diferença é tomada como parâmetro, a padronização deixa de ser vista como norma e cai por terra toda uma hierarquia das igualdades e diferenças que sustentam a “normalização”, e começa a ser pensada uma escola inclusiva, que pauta suas ações pela igualdade de oportunidades, que considera a identidade única das pessoas com deficiência, que reconhece e valoriza as diferenças, proporcionando um lugar de pertencimento. Nessa linha, Mantoan (2003) refere a importância de se “reconhecer as diferentes culturas, a pluralidade das manifestações intelectuais, sociais e afetivas”, com o objetivo de “construir uma nova ética escolar, que advém de uma consciência ao mesmo tempo individual, social e, por que não, planetária”.

Farina e Trarbach (2009) também se posicionam em relação à homogeneidade requerida pelos meios produtivos, numa sociedade globalizada, que vai de encontro à escola inclusiva, lastreada nos princípios da igualdade e da dignidade da pessoa humana. Para as autoras,

Este conflito de interesses se reflete no ambiente escolar que, historicamente, tem assumido o papel social de articulador de elos políticos e econômicos, de renovador e intensificador dos paradigmas sociais. O resultado é que a escola passa a refletir os paradoxos existentes na sociedade, em que os objetivos práticos e teóricos não são coincidentes e em que a exclusão é sempre fortalecida.

Ressalta-se, assim, a importância da promoção de uma cultura inclusiva, que transforme a escola em lugar de pertencimento, acolhendo os alunos com deficiência de forma a integrá- los na sociedade, com um novo olhar sobre o preconceito e com a disposição de implantar a acessibilidade plena. Fávero (2004), sobre a barreira atitudinal, assevera que:

A barreira de atitude é aquela que faz com que as pessoas com deficiência não sejam vistas como titulares dos mesmos direitos de qualquer pessoa. E que faz com que os programas de acessibilidade sejam destinados apenas a locais que os outros considerem bons para quem tem deficiência, mas esquecendo-se que esses cidadãos também querem ir a boates, praças, hotéis, querem praticar esportes, etc.

Dessa forma, o processo de inclusão das pessoas com deficiência aponta para “um ambiente que viabilize o acesso a bens e serviços para todas as pessoas, com base no respeito à diversidade, na equiparação de oportunidades, na busca de autonomia pessoal e coletiva” (FÁVERO, 2004). A autora também questiona o termo “escola inclusiva”, defendendo que se não for “inclusiva”, não é escola e, consequentemente, fere o disposto na Constituição

Brasileira. Nessa linha, Boaventura Santos (2003) diz que a educação inclusiva é “respeitadora das diferenças de concepções alternativas da dignidade humana”.

A promoção dos direitos das pessoas com deficiência é um movimento mundial que, atualmente, tem avançado muito em termos de mudanças sociais e educacionais. Nesse cenário, destacam-se as políticas públicas que buscam valorizar a pessoa como cidadã, respeitando suas características e especificidades. O tema da deficiência e o processo inclusivo entrou definitivamente na pauta das ações afirmativas a partir dos anos 1960, quando esse grupo populacional se organizou, resultando em maior visibilidade para os agentes políticos e a sociedade em geral (BRASIL, 2012).

O caráter assistencialista e excludente, que não valorizava a autonomia e a dignidade das pessoas com deficiência, enquanto sujeito de direitos, foi cedendo lugar a um novo entendimento de que a exclusão era provocada pela organização social contemporânea, por meio das barreiras físicas, organizacionais e atitudinais presentes na sociedade. Sob esse paradigma, as pessoas com deficiência têm direito à igualdade de condições e à equiparação de oportunidades, em bases iguais com os demais cidadãos. Esse novo olhar apontou a necessidade de mudanças estruturais em relação às políticas públicas voltadas para esse segmento (BRASIL, 2012).

Assim, os espaços públicos, as cidades, as escolas, passaram a ser pensados de forma inclusiva. A acessibilidade ao meio físico, ao transporte, à comunicação e à informação, conforme foi exposto no capítulo dois deste estudo, deve ser provida a fim de garantir que todos, sem exceção, possam fruir de seus direitos. Da mesma forma, o preconceito em relação às pessoas com deficiência começou a ser trabalhado, buscando a eliminação dessa barreira invisível e a construção de uma cultura de inclusão.

A prática da acessibilidade, especialmente nas escolas, está diretamente vinculada às políticas públicas de inclusão das pessoas com deficiência. Se ao longo de quase todo o século XX a sociedade brasileira e o poder público foram regidos pelos padrões da normalidade, e esse segmento estava fora do âmbito social, as raras políticas públicas que existiam eram concebidas de forma a favorecer a segregação de atendimento, inclusive educacional, modelo disseminado pelo próprio Estado.

Até os dados censitários seguiram o mesmo padrão, atendo-se aos aspectos de saúde das pessoas com deficiência, sem considerar a eliminação de barreiras estruturais necessária para promover o acesso à educação, à cultura, ao trabalho, enfim, à cidadania (MEC, 2011).

Martha Nussbaum, em sua abordagem das capacidades, afirma que cada pessoa deve ter os meios para alcançar e desenvolver suas capacidades essenciais, como condição de

dignidade. Nessa perspectiva, as políticas públicas devem priorizar a promoção das capacidades das pessoas, incluindo as pessoas com deficiência. Essa abordagem põe em relevo o conceito de deficiência do modelo social, substituindo, assim, o modelo médico tradicional, alinhando-se aos preceitos da Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência. A deficiência, nesse prisma, resulta de barreiras sociais e de atitudes sociais cristalizadas, que as sociedades justas devem remover (NUSSBAUM, 2010).