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4 O ESTADO ALEMÃO: O MODELO CORPORATIVISTA E O PRINCÍPIO DA SUBSIDIARIDADE

4.3 A COOPERAÇÃO INTERNACIONAL ALEMÃ PARA O DESENVOLVIMENTO

4.3.3 A cooperação alemã não-governamental para o desenvolvimento

Apenas na Alemanha existem mais de mil organizações não governamentais, das mais diversas naturezas, voltadas para políticas de desenvolvimento. A maioria delas são representantes de programas e projetos de cooperação que possuem orientação privada, eclesiástica ou política (BMZ, 2012c).

Como visto, no nível bilateral o BMZ também coopera com organizações não governamentais alemãs que atuam no âmbito da Cooperação Internacional para o Desenvolvimento, fazendo jus ao princípio da subsidiariedade. Segundo o BMZ, “as organizações religiosas, fundações políticas e outras organizações privadas têm anos de experiência, trabalhando mais perto dos grupos de população pobre e desfavorecida e mobilizando auto-ajuda e iniciativa

própria”. O ministério afirma que apoia o trabalho dessas organizações não apenas financeiramente, sendo que trocas de opiniões e de experiências é parte desse trabalho conjunto. Dessa forma, “as ONGs participam da elaboração das Estratégias por Países, Regiões e Setores do Ministério” (BMZ, 2012c).

Segundo o BMZ, a importância das ONGDs na cooperação alemã para o desenvolvimento se dá devido a seu contato estreito com a sociedade civil, principalmente nos países com os quais uma cooperação governamental pelas bases políticas seria difícil ou impossível. Para o ministério:

Uma característica comum a todas as ONGDs é que elas não dispõem de nenhum poder de Estado e que o Estado não tem nenhuma influência direta sobre elas. Não obstante – ou talvez devido a isso – a aceitação do trabalho das ONGDs pela população e pela mídia mundial é grande. Como resultado, muitas ONGDs têm um acessso melhor às pessoas do que as instituições governamentais. Elas criam em muitos lugares uma relação de confiança especial (BMZ, 2012c) (grifo nosso)97

Além de promover políticas de cooperação para o Estado alemão, as ONGD participam e colaboram na construção das estratégias por país e por região (Länder- und Regionalkonzepten) do BMZ. Segundo o ministério, esse é um diálogo que vem crescendo:

Por meio de sua experiência de muitos anos em campo, as ONGDs tem geralmente construída uma estrutura e redes de promoção do desenvolvimento de longo prazo. Há alguns anos ganhou lugar uma intensiva troca de opiniões e experiências entre o Ministério e as ONGD. Junto com igrejas, fundações políticas e outros representantes privados, elas participam regularmente do desenvolvimento das Estratégias por País e Regiões das Políticas para o Desenvolvimento do BMZ (BMZ, 2012c) 98

O BMZ afirma que valoriza o trabalho das ONGD também como uma voz crítica na Alemanha nos assuntos que dizem respeito a Cooperação para o Desenvolvimento, uma vez que elas, segundo o ministério, “brindam a cooperação alemã com importantes discussões” (BMZ,2011a, pág 12).

Segundo o princípio da subsidiaridade, a relação com as ONGD não deveria fundamentar- se no simples repasse de execução de funções do Estado para a Sociedade Civil Organizada, ditando ele as condições que o serviço deve ser executado. Em um típico exercício do princípio da subsidiaridade, as ONGD não só são “aproveitadas” pelo Estado por possuírem algumas capacidades que ele não possui, mas também, e num sentido oposto, possui força de “lobby” e “advocacy” para advogar pelos seus pontos de vista - e nesse caso, frequentemente, de seus

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Tradução do autor 98

parceiros do sul – dentro das políticas estatais. Por outro lado, a facilidade desse diálogo e relação varia de acordo com diversos fatores, tais como coalizão partidária à frente do governo, ideários de desenvolvimento hegemônico no período, condições econômicas, entre outros. Como visto na seção que trata do princípio da subsidiariedade, o fato desse princípio ser forte na política alemã, a quantidade de recursos a ser repassada para as distintas representações sociais que executam políticas públicas no país, assim como quais entidades serem priorizadas, fica a critério do governo em curso.

Quanto à sustentabilidade das ONGDs na Alemanha, a maior parte delas dependem dos trabalhos e doações voluntárias da população. Para os trabalhos voltados a políticas de desenvolvimento, elas recebem também o finaciamento de organismos estatais: municípios, estados, o ministério, como também a União Europeia e as Nações Unidas podem, mediante solicitação, colocar recursos à disposição do trabalho das ONGDs. Esses subsídios representam importante complemento aos recursos próprios (Eigenmittel) das ONGDs, representando, para a maioria, parte principal dos recursos de suas atividades (BMZ, 2012c). Por outro lado, tem se tornado cada vez mais complexo o acesso a tais recursos a medida que aumenta a concorrência pelos recursos públicos para a Cooperação para o Desenvolvimento. Financiamentos dessa natureza exigem um alto nível de capacitação técnica e um bom quadro de especialistas em captação de recursos e elaboração de propostas.

Segundo o BMZ, para que programas e projetos de representantes privados alemães da Cooperação para o Desenvolvimento possam ser subsidiados, devem cumprir as seguintes condições: ser uma organização de utilidade pública sediada na Alemanha; possuir competência técnica e administrativa; ter experiência na cooperação com organizações parceiras eficientes e sem fins lucrativos nos países em desenvolvimento; o projeto a ser promovido deve melhorar diretamente a situação econômica e/ou social da camada populacional mais pobre ou colaborar com a garantia dos direitos humanos; os representantes privados devem contruibuir com 25% dos custos dos projetos com recursos próprios(BMZ, 2012c).

Como visto no gráfico n°1, cerca de 11% do orçamento do Ministério Alemão de Cooperação são repassados para toda sociedade civil99. Dentro desse universo encontram-se todos atores da Cooperação alemã não-governamental para o Desenvolvimento que recebem recursos públicos, desde instituições de grupos empresariais, ONGs da sociedade civil, às agências das

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Vale lembrar que os recursos oficiais canalizados pelos poderes públicos por meio das ONGD computam como Ajuda Oficial ao Desenvolvimento – AOD (CARUNCHO, 2005).

igrejas, fundações políticas e sindicatos. O financiamento por parte do BMZ para as instituições não governamentais varia de acordo com os tratados que o ministério mantém com cada categoria. Dessa forma, sindicatos possuem um tipo de financiamento; fundações políticas, outro; instituições das igrejas evangélicas e católica outro, e assim por diante. Fora desse universo de intituições que possuem “relações especiais” com o ministério, a maior parte das organizações da sociedade civil, como a Welthungerhilfe (Ação Agrária Alemã) ou a Kindernothilfe, por exemplo, necessita submeter seus projetos a editais do ministério se deseja ter acesso a financiamento público. Segundo o BMZ, em 2008 o ministério apoiou projetos via “operadores privados” no montante de EU 33 milhões, que cresceu no exercício de 2009 para 38 milhões de euros (BMZ, 2012c). Esse montante diz respeito a recursos repassados através de editais e concorrências, fora os recursos destinados oficialmente às igrejas, fundações políticas, sindicatos e empresas.

Destaca-se no universo da cooperação internacional não governamental alemã para o desenvolvimento a presença das fundações políticas, as quais possuem suas ações no exterior financiadas 100% por fundos do Governo Federal. Essa relação é regida por um contrato diferenciado, pois, como visto, o BMZ exige, em geral, um mínimo de 25% de contrapartida das organizações não governamentais com recursos próprios. Cada um dos maiores partidos alemães dipõe de uma fundação política. Assim, ao CDU corresponde a Fundação Konrad Adenauer; ao FDP a Fundação Friedrich Naumann; ao SPD a Fundação Friederich Ebert e a Esquerda a Fundação Rosa Luxembugo. As Fundações dispõem de centros de formação, na Alemanha, onde realizam seminários e palestras para o povo alemão, assim como fornecem bolsas de estudo para estudantes estrangeiros. No Brasil, por exemplo, a Fundação Friedrich Naumann realiza congressos e intercâmbios com seu “homólogo” Democratas (DEM), enquanto a Fundação Rosa Luxemburgo durante muitos anos tem apoiado movimentos sindicais e partidos de esquerda.

Outros grupos da sociedade alemã que praticam a CID, a partir de um contrato diferenciado com o Ministério de Cooperação da Alemanha, são as agências das Igrejas alemãs voltadas para o desenvolvimento. Em termos absolutos, o repasse do BMZ para as fundações políticas é superior à fatia destinada às organizações da igreja (BMZ, 2012c). As agências eclesiásticas são as principais organizações não governamentais da cooperação alemã para o desenvolvimento, em termos de recursos e relevância, na parceria com as sociedade civil dos países do sul. As entidades objeto desta pesquisa fazem parte desse universo.

Por outro lado, os cidadãos alemães se destacam por serem culturalmente engajados com atividades de solidariedade e voluntariado. No segundo semestre de 2004 a população alemã havia doado EU 1,3 bilhão para fins filantrópicos e humanitários. Segundo dados divulgados pelo

Conselho Alemão de Doações, só nos primeiros dias após a catástrofe do maremoto na Ásia, em dezembro de 2004, foram doados EU 123,4 milhões”(DW, 2004). Um estudo nacional “revelou também que mais de 42% dos alemães prestaram serviços voluntários, por exemplo, para associações ou igrejas, no segundo semestre de 2004. Levando em conta o alto nível dos salários no país, esse trabalho gratuito correspondeu a uma doação no valor de 27 bilhões de euros”(DW, 2004). O gráfico a seguir apresenta a porcentagem de pessoas empregadas em entidades sem fins lucrativos na Alemanha, incluindo e não incluindo voluntários, comparando com quatro outras regiões.

Gráfico 5: Percentagem de empregados em entidades sem fins lucrativos, com e sem voluntários, Alemanha e quatro regiões, 1995.

Fonte: Johns Hopkins Comparative Nonprofit Sector Project, in Zimmer et al (2000), pág.8

Percebe-se assim a existência de um grande número de pessoas que trabalham voluntariamente em instituições sem fins lucrativos, o que leva a crer que tais organizações possuem significativa credibilidade e apoio popular no país, o que conta a favor dessas ao competirem por espaços no Estado corporativista alemão.

Em termos de recursos, as Organizações Não Governamentais alemãs para o Desenvolvimento prestaram com recursos próprios (contribuições e doações sem incluir financiamentos públicos) o seguinte montante de Ajuda para os países em desenvolvimento:

Tabela 5: Serviços das Organizações Não Governamentais alemãs com recursos próprios para os países em desenvolvimento entre 2006 e 2010

(em 1.000 Euro)

2006 2007 2008 2009 2010

1.073.562,1 928.586,2 1.126.965,4 983.106,7 1.105.234,4

Fonte: Adaptação de Leistungen von Nichtregierungsorganisationen aus Eigenmitteln an Entwicklungsländer

2006-2010 (BMZ, 2011c)

Nota-se que, em termos de recursos próprios, este montante tem-se mantido relativamente estável ao longo dos últimos anos, apesar da crise econômica que cerca a Europa. Isso pode ser explicado, em grande parte, pelo crescimento do número de organizações não governamentais na Alemanha que praticam a cooperação internacional para o desenvolvimento, assim como das redes de articulação entre elas.

A maior parte das ONGDs e pequenas redes alemãs voltadas para a cooperação internacional para o desenvolvimento se articulam em torno da Verband Entwicklungspolitik deutscher Nichtregierungsorganisationen (VENRO), a Associação das Organizações Não Governamentais Alemãs para o Desenvolvimento. Criada em 1995, a VENRO define-se como uma associação voluntária composta por aproximadamente 118 organizações alemãs não governamentais que atuam, em sua maioria, em todo o território federal (VENRO,2011). Centenas de pequenas outras organizações participam através de suas redes regionais, totalizando em cerca de 2000. Anualmente, cerca de 10 novos membros aderem à VENRO (BMZ, 2012c). Seus membros são representantes de associações privadas e eclesiásticas dedicadas ao trabalho de cooperação internacional, ajuda de emergência, assim como política educacional, comunicação e grupos de lobby. Dentre as principais atividades da organização destacam-se: promover o diálogo e intercâmbio de experiências entre os seus membros; representar os interesses e posições definidos em comum dos membros da associação frente a opinião pública e aos organismos estatais a nível local, regional e federal, assim como da União Europeia como de outras organizações internacionais; promover e velar pelo intercâmbio com outros grupos sociais, por exemplo sindicatos, grupos econômicos, etc.; oferecer fóruns de políticas de desenvolvimento, identificar novos desafios das ONGs; promove e coordenar ações cojuntas de relações públicas e de grupos de lobby; apresentar moções e documentos sobre importantes perguntas relativas à política de desenvolvimento e da ajuda humanitária; organizar jornadas de estudos e realizar seminários; promover contatos internacionais (VENRO, 2012)100. A VENRO faz parte da Confederação das

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ONG europeias de Ajuda de Emergência e Desenvolvimento, a CONCORD. Serve, assim, de espaço para intercâmbio e interlocução entre as ONGD na Alemanha, instâncias governamentais e internacionais.

4.3.4 As organizações eclesiásticas alemãs de cooperação internacional para o