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2. OS IDEÁRIOS DE DESENVOLVIMENTO E A COOPERAÇÃO INTERNACIONAL

2.3 OS IDEÁRIOS DE DESENVOLVIMENTO E A EVOLUÇÃO HISTÓRICA DA CID

2.3.2 A década de 1970: crise e transição de ideário

A década de 70 registrará o retorno do liberalismo como ideário hegemônico, nomeado de neoliberalismo. Segundo Anderson (1995), o neoliberalismo já havia nascido logo depois da Segunda Guerra Mundial, como uma reação teórica e política contra o Estado intervencionista e de bem-estar. Seu texto de origem data de 1944, O Caminho da Servidão, de Friedrich Hayek. Muitos teóricos e políticos influentes que compartilhavam dessa orientação ideológica reuniam-se, ao longo desses anos, no que ficou conhecida como Sociedade de Mont Pèlerin, a qual ocorria a cada dois anos, com o objetivo de combater o keynesianismo e preparar as bases para um outro tipo de capitalismo. Porém, segundo Anderson (1995), a prosperidade econômica sem precedentes registrada naqueles “anos dourados” das décadas de 50 e 60 não permitiram que as ideias neoliberais ganhassem credibilidade. Dessa forma, as ideias neoliberais só começaram a “ganhar terreno” a partir da crise de 1973 (ANDERSON, 1995).

O modelo econômico do pós-guerra, que marcou uma era de prosperidade conhecida como Anos Dourados, entrou em recessão a partir da crise do petróleo de 1973. A partir daí, segundo Anderson (1995), “todo o mundo capitalista avançado caiu numa longa e profunda recessão, combinando baixas taxas de crescimento com altas taxas de inflação”, combinação que desencadeou quebra de muitas empresas e processos inflacionários. Assim, as ideias liberais voltaram a encontrar o espaço que até então não haviam tido no pós-guerra, sob o argumento de Hayek e seus companheiros de que “as raízes da crise estavam localizadas no poder excessivo e nefasto dos sindicatos, que havia corroído as bases de acumulação capitalista com suas pressões

reivindicatórias sobre os salários e com sua pressão parasitária para que o Estado aumentasse cada vez mais os gastos sociais” (ANDERSON, 1995, pág.1). O Estado continuaria forte, mas desta vez com uma nova função, a de diminuir o poder dos sindicatos, privatizar empresas, cortar gastos sociais, elaborar reformas fiscais, entre outros. O Estado deveria assim recuar como agente econômico, cedendo espaço para um “mercado livre capaz de gerar justiça e, consequentemente, gerar a maior igualdade social possível” (NOZICK, 1974 apud BARBANTI JR., 2005).

Avaliando o capitalismo nesse período, Balanco (1999) afirma que, “concretamente, os anos 70 mostraram que a tendência à queda da taxa geral de lucro se confirmava drasticamente, desdobrando-se na abertura de um período marcado por crises recorrentes, instabilidade, incerteza e estagnação”. Neste contexto, acentua-se o processo de globalização do capital, como decorrência do esgotamento da ascensão do modo de produção capitalista. Segundo Balanco (1999), “em busca da reversão dos resultados negativos da taxa de lucro, foram lançadas as bases para uma completa modificação das formas de produção e de organização”. Assim, no início da década de 80 o mundo passou a conhecer uma série de mudanças econômico-institucionais radicais perpetradas por novos governantes, como Thatcher, Reagan e Khol, chefes de Estado dos principais países do capitalismo avançado (BALANCO, 1999). Segundo este autor,

Partia-se em busca de melhores condições competitivas e a solução colocada em perspectiva foi a de reverter a queda das taxas de lucro por meio de um intenso processo de desvalorização da força de trabalho. A receita: desregulamentação dos mercados de trabalho, minimização dos mecanismos de proteção social, intensa reestruturação produtiva, especialização produtiva flexível, adoção de novas formas de organização das empresas, privatização de empresas estatais e, como importante função estratégica, a liberalização dos fluxos de comércio exterior. O resultado: desindustrialização e crescimento espetacular do desemprego na Europa com consequências semelhantes para algumas regiões periféricas, como aconteceu na América Latina (BALANCO, 1999, pág 11)

Dessa forma, Balanco afirma que surgia uma nova combinação de livre circulação de mercadorias com as vantagens das desigualdades entre países no interior das unificações econômicas.

É nesse contexto que também chega ao fim, na década de 70, o discurso do welfare-state do ideário keynesiano de desenvolvimento enquanto conforma-se um novo modelo nos discursos e agendas nas organzações internacionais, numa década que ficaria conhecida como “período de transição”. Na década de 80, as agências multilaterais internacionais de ajuda e financiamento ao desenvolvimento gradativamente foram adaptando seus discursos às diretrizes neoliberais, confirmando no final deste período um novo consenso para o desenvolvimento.

Nesse sentido, o Banco Mundial, que segundo Barbanti Jr. (2005) passou por diversas mudanças de visão sobre seu próprio papel e sobre a natureza da promoção do desenvolvimento ao longo de sua história (BARBANTI JR., 2005), assumiu no decorrer dos anos 70 e 80, tanto no que se refere ao desenvolvimento como na definição de políticas de combate à pobreza, um discurso que pode ser caracterizado como de transição, fincando bases para repensar o sentido do desenvolvimento a partir de concepções liberais (KRAYCHETE, 2005). Robert McNamara, que dirige o Banco Mundial entre 1968 e 1981, passa a focar na “redução da pobreza por meio de estratégias de atendimento às chamadas necessidades humanas básicas”, começando a definir uma mudança de estratégia que, segundo Kraycehte (2005), caminha na direção de combinar o crescimento econômico com investimentos sociais, num movimento de retroalimentação (KRAYCHETE, 2005). Também para Ayllón (2007), é na década de 70 que surge o “enfoque nas necessidades básicas”, que recomendava uma nova estratégia de desenvolvimento para priorizar as necessidades primordiais dos mais pobres, o desenvolvimento rural e agrário, a criação de emprego e as políticas distributivas. Para Ayllón, o Informe Pearson de 1969 foi fundamental para a composição deste discurso (AYLLÓN, 2007).

Segundo Kraychete (2005), no decorrer das décadas de 70 e 80 já eram visíveis as mudanças no discurso do Banco Mundial na temática desenvolvimento:

Num primeiro movimento, estas mudanças se manifestaram na crítica ao desenvolvimentismo guiado por concepções estruturalistas, com forte presença do Estado na economia e pela afirmação do pensamento neoclássico, com inflexões, em defesa de um crescimento econômico sustentado na competição baseada no livre-comércio, na estabilização dos preços e na desregulamentação dos mercados. Esse renovado interesse no crescimento econômico se faz acompanhar da temática pobreza, que passa a fazer parte do discurso do Banco Mundial quando se refere ao desenvolvimento das economias periféricas. Sob o argumento de que o crescimento econômico não conduziria ao bem-estar das grandes maiorias das populações dos países subdesenvolvidos, aparecem os primeiros delineamentos de políticas de minoração da pobreza, inspiradas na idéia de justiça como equidade (KRAYCHETE, 2005, pág. 20-21)

As políticas focalizadas de combate à pobreza, surgiam assim como alternativa às políticas sociais universalistas que faziam parte do ideário de desenvolvimento anterior. A situação de pobreza nos países subdesenvolvidos vinha se agravando naqueles anos. Isso porque, diante da crise de 70, os países em desenvolvimento buscaram aumentar seus empréstimos internacionais para equilibrar sua deficitária balança comercial, o que logo em seguida tornaria suas economias aprisionadas por um crescente débito. Por outro lado, o decréscimo contínuo no crescimento do comércio mundial nos anos 70, associado à enorme elevação das taxas de juros desse período e o

enxugamento dos empréstimos comerciais do início dos anos oitenta, obrigaram os países em desenvolvimento a se focarem nos ajustes impostos pela conjuntura internacional (EVANS, 1993).

Nesse contexto, além do discurso da redução da pobreza via estratégias de atendimento às chamadas necessidades humanas básicas, o foco da CID nos anos 80, segundo Ayllón (2007) , se colocará nas medidas de reforma econômica, na cobrança fiscal, na liberalização dos intercâmbios comerciais, no incentivo à liberdade para as forças de mercado, eliminando obstáculos à iniciativa privada e, em geral, no favorecimento à privatização e a desregulação. Predomina assim, segundo ele, a cooperação reembolsável através de créditos e modalidades de ajuda financeira e se consagra a macro economia como a disciplina principal da cooperação (AYLLÓN, 2007). A partir da década de 1980 o Banco Mundial passará então a publicar relatórios anuais cuja argumentação guardava influência direta das proposições neoliberais (KRAYCHETE, 2005).