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3. A NOVA AGENDA DA COOPERAÇÃO INTERNACIONAL PARA O DESENVOLVIMENTO: A AGENDA DA EFICÁCIA

3.2 A COOPERAÇÃO EUROPEIA PARA O DESENVOLVIMENTO

3.2.1 O nascer de uma potência econômica e política

O processo de integração da Europa foi lento. Em 1957 foi instituída a Comunidade Econômica Europeia, pelo Tratado de Roma, que determinava suas competências no domínio da Política Comercial Comum. Porém, a almejada integração política só foi alcançada oficialmente em 1992, no tratado de Maastricht, também conhecido como Tratado da União Europeia, cujo principal objetivo era “preparar a união monetária europeia e introduzir elementos de uma união política” (UNIÃO EUROPEIA, 1992). O Tratado de Maastricht constitui assim uma resposta a cinco objetivos essenciais: reforçar a legitimidade democrática das instituições, melhorar a eficácia das mesmas, instaurar uma União Econômica e Monetária, desenvolver a vertente social da Comunidade e, por fim, instituir uma política externa e de segurança comum (EUROPA, 2012a).

Com o intuito de dar um fundamento jurídico mais firme às políticas da Comunidade Europeia em prol do desenvolvimento, foi introduzido o Título XVII nomeado “A Cooperação para o Desenvolvimento”. Dentre os artigos que compõem esta seção destaca-se:

Artigo 130º-U

1. A política da Comunidade em matéria de cooperação para o desenvolvimento, que é complementar das políticas dos Estados-membros, deve fomentar:

— o desenvolvimento econômico e social sustentável dos países em vias de desenvolvimento, em especial dos mais desfavorecidos;

— a inserção harmoniosa e progressiva dos países em vias de desenvolvimento na economia mundial;

— a luta contra a pobreza nos países em vias de desenvolvimento.

2. A política da Comunidade neste domínio deve contribuir para o objetivo geral de desenvolvimento e de consolidação da democracia e do Estado de direito, bem como para o respeito dos direitos do Homem e das liberdades fundamentais.

3. A Comunidade e os Estados-membros respeitarão os compromissos e terão em conta os objetivos aprovados no âmbito das Nações Unidas e das demais

organizações internacionais competentes. (...)

Artigo 130º-X

1. A Comunidade e os Estados-membros coordenarão as respectivas políticas em matéria de cooperação para o desenvolvimento e concertar-se-ão sobre os seus

programas de ajuda, inclusivamente nas organizações internacionais e no

decorrer de conferências internacionais. Podem empreender ações conjuntas. Os Estados-membros contribuirão, se necessário, para a execução dos programas de ajuda comunitários. (...)

Artigo 130°-Y

No âmbito das respectivas competências, a Comunidade e os Estados-membros cooperarão com os países terceiros e as organizações internacionais competentes (...)

O disposto no parágrafo anterior não prejudica a capacidade dos Estados-membros para negociar nas instâncias internacionais e celebrar acordos internacionais.»

(UNIÃO EUROPEIA, 1992, artigo 130-U, 130-X, 130-Y)

Assim, o recém criado ator político União Europeia além de confirmar seu interesse em cooperar com as Nações Unidas e demais organizações internacionais no âmbito das políticas de cooperação para o desenvolvimento, compromete-se com o discurso da luta contra a pobreza. Para este presente trabalho, a principal informação que esses artigos nos trazem é sobre a complementaridade, e não obrigatoriedade, existente na política da Comunidade e dos Estados- membros em matéria de cooperação para o desenvolvimento. Por outro lado, de grande relevância também para este estudo é o Artigo 130º-X que conclama a Comunidade e os Estados-membros a coordenarem as respectivas políticas em matéria de cooperação para o desenvolvimento e concertarem sobre os seus programas de ajuda. Assim, pode-se afirmar que, ao mesmo tempo que não existe nenhum tipo de obrigatoriedade para que as políticas de cooperação dos Estados-

membros sigam as decisões tomadas pela União, existe uma espécie de recomendação para que as ações sejam coordenadas e concertadas.

Essa realidade é fruto de um dos princípios fundamentais que rege a União Europeia e retomado como regra geral no Tratado de Maastricht, o princípio da Subsidiariedade. Esse princípio especifica que, nos domínios que não sejam da sua competência exclusiva, a Comunidade só intervirá se os objetivos puderem ser mais facilmente alcançados por ela do que em nível nacional. Nesse sentido, o artigo A prevê que “o presente Tratado assinala uma nova etapa no processo de criação de uma união cada vez mais estreita entre os povos da Europa, em que as decisões serão tomadas no nível mais próximo possível dos cidadãos” (UNIÃO EUROPEIA, 1992). O princípio da Subsidiariedade voltará a ser tratado neste trabalho posteriormente, no capítulo quatro, que trata da realidade da Alemanha.

Composta hoje por 27 Estados-Membros, a União Europeia é, ao mesmo tempo, um projeto político e uma organização jurídica. As políticas da União Europeia são aplicadas de acordo com regras e procedimentos definidos pelos tratados, por meio dos quais os estados membros delegaram competências às instituições comunitárias. A União Europeia dispõe assim de competências exclusivas, bem como de competências que partilha com os seus Estados-Membros. Consequentemente, os Estados-Membros também conservaram certas competências reservadas (EUROPA, 2012b).

Como se verá a seguir, a União Europeia, como principal ator nas negociações internacionais no tema da Cooperação para o Desenvolvimento, não só exerce influência direta na elaboração de diretrizes em matéria de desenvolvimento a nível internacional, como as implementa com disciplina em seus discursos e planos de ações. Isso porque, dentre outros, a União Europeia tem por objetivo representar um global player, não apenas no âmbito econômico mas também político38. As políticas do bloco de cooperação internacional para o desenvolvimento devem assim, segundo Muñoz (2011), ser vistas como um instrumento de política exterior de uma organização que pretende se apresentar como uma potência civil (MUÑOZ, 2011).

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Econômicamente, a União Européia é um grande protagonista mundial, sendo que em termos de PIB global a União já é a maior economia mundial. Ela detém as maiores quotas de trocas comerciais externas em nível global, e representa a maior fonte de Investimento Direto Externo (IDE) nas economias e na indústria de países estrangeiros, um valor quase duas vezes superior ao das outras economias (Sem data. Disponível em http://ec.europa.eu/economy_finance/publications/publication6665_pt.pdf . Acesso em 23/04/2010).

Nesse caminho de fotalecimento político, em 2007 foi assinado o Tratado de Lisboa, o qual só entrou em vigor dois anos depois, alterando o Tratado da União Europeia (ou Tratado de Maastricht, 1992) e o Tratado que institui a Comunidade Econômica Europeia (1957), que passa a chamar-se TRATADO SOBRE O FUNCIONAMENTO DA UNIÃO EUROPEIA de 200839. Destinado a “reforçar a eficiência e a legitimidade democrática da UE e a coerência da sua ação” (EUROPA, 2012c), esse Tratado alterou os anteriores instituindo o que ficou conhecido como “equilíbrio institucional”, no qual foram revisados os papeis do Parlamento, do Conselho e da Comissão Europeia. Destaca-se a institucionalização de uma personalidade jurídica única à União, reforçando o seu poder de negociação e tornando-o mais visível internacionalmente:

O Tratado contribui para uma maior eficiência e coerência da ação da União Europeia no mundo. Ao ligar diferentes aspectos da política externa da União Europeia, como a diplomacia, a segurança, o comércio, o desenvolvimento, a ajuda humanitária e as negociações internacionais, o Tratado de Lisboa dará à União Europeia uma voz clara nas relações com os países parceiros e as organizações internacionais (EUROPA, 2012c)

O Tratado de Lisboa consolida um novo Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia, que trará como Título III “A Cooperação com os países terceiros e a ajuda humanitária”, o qual é dividido em três capítulos, sendo o primeiro dedicado a “Cooperação para o Desenvolvimento”40. Nos artigos que compõem este capítulo destacam-se:

Artigo 208.°

1. (...)A política da União em matéria de cooperação para o desenvolvimento e as políticas dos Estados-Membros no mesmo domínio completam-se e reforçam-se mutuamente. O objtivo principal da política da União neste domínio é a redução e, a prazo, a erradicação da pobreza.(...)

2. A União e os Estados-Membros respeitarão os compromissos e terão em conta os objetivos aprovados no âmbito das Nações Unidas e das demais organizações internacionais competentes.

Artigo 209.°

1.O Parlamento Europeu e o Conselho, deliberando de acordo com o processo legislativo ordinário, adotam as medidas necessárias à execução da política de cooperação para o desenvolvimento, que podem dizer respeito a programas plurianuais de cooperação com países em desenvolvimento ou a programas com uma abordagem temática.

39

O Tratado Sobre o Funcionamento da União Europeia, assim como o Tratado da União Europeia,

constituem os Tratados em que se funda a União. Esses dois Tratados possuem o mesmo valor jurídico e são designados pelo termo ‘os Tratados’ (UNIÃO EUROPEIA, 2008, artigo 1º)

40

O capítulo dois trata da “Cooperação Econômica, Financeira e Técnica com os países terceiros”. O capítulo 3 trata da “Ajuda Humanitária”.

O primeiro parágrafo não prejudica a competência dos Estados-Membros para negociar nas instâncias internacionais e celebrar acordos.

Artigo 210.°

1. Para fomentar a complementaridade e a eficácia das suas ações, a União e os Estados-Membros coordenarão as respectivas políticas em matéria de cooperação para o desenvolvimento e concertar-se-ão sobre os seus programas de ajuda, inclusivamente nas organizações internacionais e no decorrer de conferências internacionais (...)

2. A Comissão pode tomar todas as iniciativas necessárias para promover a coordenação a que se refere o número anterior (UNIÃO EUROPEIA, 2008, pág. 141-142).

As políticas de cooperação para o desenvolvimento continuam assim sendo uma política complementar dentro do bloco, mas reforça-se o papel da união e suas instâncias no fomento e, principalmente, na coordenação das políticas de cooperação dos Estados – membros, garantindo a concertação dos programas de ajuda dentro da União.

Nesse sentido, mudanças nas agências europeias, que operam desde o imediato pós Segunda Guerra nos países em desenvolvimento, vêm sendo apontadas por entidades parceiras locais. As mudanças mais sentidas dizem respeito às agências não governamentais, visto que, à exceção de algumas agências oficiais mais progressistas41, eram as que possuiam agendas mais autônomas e até mesmo críticas aos modelos de desenvolvimento e estruturas injustas que em geral predominavam nos países mais pobres.

Lorenzo (2002) afirma que a política de desenvolvimento da União Europeia vai adaptando-se às mudanças necessárias para adequá-la aos objetivos centrais do desenvolvimento, no marco dos avanços de seu próprio processo de integração (LORENZO, 2006). Nesse sentido, a próxima seção tratará de como o discurso da eficácia, abordado no tópico anterior, é absorvido pela Cooperação da União Europeia para o Desenvolvimento. Esse discurso será analisado nas Políticas e Consensos mais significantes da UE em matéria de cooperação, dando-se especial atenção aos momentos em que as instituiçoes da sociedade civil são contempladas.

É a partir de tais indícios que se buscou neste trabalho analisar as mudanças que vêm ocorrendo na cooperação do bloco.

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Como o Deutscheentwicklungdienst (DED) – Serviço Alemão de Cooperação para o Desenvolvimento, por exemplo, uma das agências oficias que a Alemanha mantinha até o ano de 2011 e que, entre outros, mantinha cooperantes que se engajavam em ações de sindicatos, movimentos dos sem terra, etc. no Brasil.