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4 O ESTADO ALEMÃO: O MODELO CORPORATIVISTA E O PRINCÍPIO DA SUBSIDIARIDADE

4.2 O PRINCÍPIO DA SUBSIDIARIDADE

Como forma de garantir a participação de diversos setores da sociedade na política alemã, o princípio da subsidiariedade tem especial relevância na relação Estado-Sociedade no país.

Em termos gerais, o princípio da subsidiariedade visa garantir um determinado grau de autonomia a uma autoridade subordinada, em relação a uma instância superior, ou a um poder local diante do poder central. Assim sendo, trata-se de uma repartição de competências entre diversos níveis de poder (PARLAMENTO EUROPEU, 2012). Segundo Quadros (1995 apud Santiago, 2007), a moderna aplicabilidade desse princípio num Estado repousa num

(...)princípio fundamental na Ordem Jurídica do moderno Estado Social de Direito, na medida em que conduz à aceitação da prossecução do interesse público pelo indivíduo e por corpos sociais intermédios, situados entre ele e o Estado: a família, as autarquias locais, as comunidades religiosas, os sindicatos e as associações empresariais, os partidos políticos, as Universidades, etc. A subsidiariedade recusa, portanto, o monopólio da Administração na prossecução do interesse público e leva à concretização do princípio da participação, que consiste numa manifestação da ideia de Democracia (QUADROS, 1995 apud SANTIAGO, 2007, pág. 150)

O princípio da subsidiariedade não se reflete apenas no federalismo que caracteriza o sistema político da Alemanha, mas também na transferência de responsabilidades do Estado para a sociedade civil organizada. Isso porque o princípio parte da ideia de que os problemas seriam tratados em primeiro lugar no nível mais baixo e só continuariam a se deslocar para cima quando os níveis mais baixos fossem assoberbados e soluções mais eficazes fossem encontradas nos níveis mais altos. O princípio da subsidiariedade é favorecido em países caracterizados por forte democracia direta (KONRAD-ADENAUER-STIFTUNG, 2011).

Como exemplo que interessa à presente dissertação, e que se relaciona ao princípio da subsidiariedade, destaca-se o caráter de Instituições de Direito Público que a Lei Fundamental84da Alemanha permite às Sociedades Religiosas que prestarem serviços estatais. Segundo esta lei, as sociedades religiosas que forem instituições de direito público possuem também o direito na participação dos impostos.

Artigo 137

(5) As sociedades religiosas, que anteriormente eram instituições de direito público, continuam a sê-lo. Às outras sociedades religiosas devem conceder-se os

mesmos direitos, se o solicitarem, sempre que pelo seu estatuto e pelo número de membros atestem seu caráter permanente. Caso várias sociedades religiosas de direito público se reunirem numa entidade, esta se tornará também uma instituição de direito público.

(6) As sociedades, que forem instituições de direito público, têm o direito de cobrar impostos, de acordo com as disposições legais dos Estados, com base nas listas de contribuintes civis.

(8) Se para o cumprimento destas disposições for necessária outra regulamentação, esta cairá no âmbito da legislação dos Estados.

Artigo 138

(1) As prestações de serviços estatais a sociedades religiosas, em virtude de lei, tratado ou título jurídico especial, passam a ser regidas pela legislação dos Estados. Os princípios correspondentes são estabelecidos pelo Reich.

(DEUTSCHER BUNDESTAG, 2011, pág. 138-139)85

A filiação de um fiel a uma Igreja, na Alemanha, implica o desconto de 8 a 9% sobre o imposto salarial, direto na folha de pagamento do cidadão. Este mecanismo já havia sido previsto na Constituição da República de Weimar (1919-1933) e foi adotada pela Lei Fundamental alemã. Igreja e Estado cooperam também no que diz respeito à educação infantil, seja em forma de jardins- de-infância, escolas fundamentais, aulas de religião ou o acompanhamento espiritual de soldados. Esse tipo de cooperação começa a ser desenvolvido também com comunidades muçulmanas (VOCK, 2009).

Da mesma forma, as Fundações Políticas Alemãs, com base nos princípios da subsidiariedade, desenvolvem trabalhos de educação político-social e democrática, informação e consultoria política, dentro e fora do território alemão (PEDROTI, 2005). Suas atividades são financiadas 100% por recursos estatais, independente do partido político que esteja na direção do país no momento. O princípio da subsidiariedade também está presente na Lei Fundamental, a primeira constituição a garantir que os partidos políticos do país recebam do Estado uma compensação pelos gastos com a campanha eleitoral. Segundo a Lei Fundamental, uma vez dotados da tarefa de participar ativamente na formação da vontade política do povo, apresentar candidatos para funções políticas e a organização de campanhas eleitorais, os partidos políticos adquirem

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Extrato da Constituição Alemã de 11 de agosto de 1919 - Constituição de Weimar, conservada na Lei Fundamental da República Federal da Alemanha, 1949

assim um caráter de executores de tarefa constitucional. O ressarcimento dos custos de campanhas eleitorais, criado na Alemanha, é atualmente usual em muitas democracias (ALEMANHA, 2000)

Zimmer e Toepler (2000) chamam a atenção para o fato de que, como o princípio da subsidiariedade compreende a proteção da autonomia dos indivíduos (ou das unidades sociais menores) da interferência do Estado, assim como a obrigação do Estado em ajudar caso as unidades menores não consigam resolver os problemas por conta própria, este princípio é comumente usado tanto para delimitar o coletivismo (ou socialismo) assim como o liberalismo, ao tempo que fornece uma base programática ampla para a ação política. Segundo estes autores, os políticos alemães têm se referido à subsidiariedade tanto para justificar políticas conservadoras quanto políticas sociais- democráticas ao longo da história do país (ZIMMER; TOEPLER, 2000).

Como visto, chegou-se a falar em Nova Subsidiariedade durante o governo conservador- liberal de Kohl, o que, segundo Zimmer e Toepler (2000), teria permitido uma reorientação do Estado de Bem Estar sem, contudo, violar a exigência constitucional que define a República Federal da Alemanha como um Estado Social. Segundo estes autores,

A fim de distinguir entre o uso tradicional do princípio da subsidiariedade e seu renascimento nos anos 80, o termo "Nova subsidiariedade” foi criado e, posteriormente, serviu como o mínimo denominador comum para uma variedade de iniciativas de política social. A Nova Subsidiariedade foi citada para justificar cortes de gastos rigorosos e reduções de direitos, para iniciar a flexibilização da política social, a remodelação do Estado de bem estar, ou o desmantelamento da burocracia (ZIMMER; TOEPLER 2000, pág.30)86.

O princípio da subsidiridade, apesar de imprescindivel na política alemã, não possui uma normativa que delimite a sua aplicabilidade. Ou seja, apesar do princípio prever a prossecução do interesse público pelos cidadãos e grupos sociais do país, não possui nenhuma normativa que determine quanto deva ser repassado para cada um desses grupos, ou a quais grupos deve-se dar maoir preferência, por exemplo. Pode-se assim afirmar que é um princípio fundamental, mas aberto a discricionalidade dos governos em questão.

O princípio da subsidiariedade é, assim, o “braço” da legislação alemã que garantiu uma participação historicamente importante da sociedade civil na execução das políticas do país, particularmente, segundo Zimmer e Toepler (2000), nos campos da saúde e serviços sociais. Por outro lado, isso não impediu que as entidades da sociedade civil sofressem o impacto do modelo neo liberal da década de 80. Segundo esses autores:

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A principal inovação da década de 1980 diz respeito ao papel dos prestadores de serviços sem fins lucrativos tradicionais. As agências de assistência social independentes ganharam um status quase-governamental durante os anos 60 e 70. Sendo as principais operadoras de programas sociais federais, as agências contribuíram para a centralização assim como a estabilização do status quo no campo de serviços humanos (Katzenstein, 1987), e impediram todas as tentativas no sentido da modernização87 do sistema. Na década de 1980, mudanças nas formas de apoio público e o surgimento de uma gama de organizações sem fins lucrativos alternativas reduziu o papel central das agências estabelecidas. O sistema tradicional, no entanto, foi em grande parte deixado no lugar, forçando prestadores sem fins lucrativos alternativos seja se juntarem às federações estabelecidas de agências, seja a formarem associações de ponta entre elas próprias para corresponder à influência das agências tradicionais (ZIMMER; TOEPLER, 2000, pág. 30)88.

Essa realidade colocada pelos autores das entidades sem fins lucrativos, na década de 80, contempla também as organizações objeto desta pesquisa. Surgidas nas décadas de 50 e 60, as agências das igrejas alemãs de cooperação para o desenvolvimento sofreram o impacto do alargamento também do terceiro setor, neste caso, dedicado à cooperação internacional para o desenvolvimento nesse período.

O princípio da Subsidiariedade está presente também como um dos três princípios fundamentais para o funcionamento da União Europeia (UE) e, mais precisamente, para a tomada de decisão em nível europeu. Segundo tal princípio, a UE só pode intervir se estiver em condições de agir de forma mais eficaz do que os Estados-Membros. O princípio da subsidiariedade está consagrado no artigo 5.º do Tratado sobre o Funcionamento da UE. É apresentado juntamente com dois outros princípios considerados essenciais para a tomada de decisão em nível europeu: os princípios da atribuição e da proporcionalidade. O princípio da atribuição trata daquele segundo o qual a União apenas dispõe das competências que lhe são atribuídas nos Tratados. Por sua vez, os princípios da subsidiariedade e da proporcionalidade determinam em que medida a UE pode exercer as competências que lhe são conferidas pelos Tratados. Em virtude do princípio da proporcionalidade, os meios aplicados pela UE não podem exceder o necessário para concretizar os objetivos fixados nos Tratados. Já em virtude do princípio da subsidiariedade, a União só poderá intervir num domínio político se no âmbito das competências partilhadas com os Estados-Membros, o nível europeu for o mais pertinente para alcançar os objetivos fixados nos Tratados (EUROPA, 2012d).

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“and blocked attempts towards modernization of the system”. Expressão muito utilizada no discurso neoliberal, refere-se a modernização do estado no que diz respeito a reformas na área social.

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Até a entrada em vigor do Tratado da União Europeia (Tratado de Maastricht de 1993), o princípio de subsidiariedade não constituía um princípio geral de direito, na base do qual pudesse ser avaliada a legitimidade dos atos comunitários (PARLAMENTO EUROPEU, 2012). Porém, embora não consagrada formalmente como princípio jurídico nos tratados anteriores, a subsidiridade esteve implicitamente presente desde as origens da construção comunitária. Nesse sentido, o artigo 5.º do Tratado CECA (1951) já consignava que a Comunidade só interviria diretamente na produção quando as circunstâncias o exigissem. Da mesma forma, o Ato Único Europeu de 1987 veio consagrar a regra da subsidiariedade, sem que, porém, a mesma tivesse sido explicitamente enunciada como tal (PARLAMENTO EUROPEU, 2012). Os mecanismos de controle da aplicação do princípio da subsidiariedade são organizados pelo “Protocolo relativo à aplicação dos princípios da subsidiariedade e da proporcionalidade”, introduzido pelo Tratado de Amsterdã de 1999. O Tratado de Lisboa melhorou e reforçou esse controle.