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A Crítica de Chesnais sobre a Mundialização do Capital

4.1 As Vantagens Competitivas e o cenário atual

4.1.2 A Crítica de Chesnais sobre a Mundialização do Capital

Chesnais e outros autores acreditam que o processo de mundialização está diretamente vinculado às novas formas de centralização do capital-dinheiro (fundos mútuos de investimento e os fundos de pensão), fomentados pelas instituições

Esse processo de mundialização do capital reflete uma nova relação de forças políticas e econômicas entre o capital e o trabalho, bem como o capital e o Estado. Após a crise de 30 e a segunda guerra mundial, as classes abastadas são obrigadas a aceitar a ampla intervenção do Estado, concedendo novos direitos aos assalariados. Entretanto após a segunda metade do século XX, a disseminação do uso de novas tecnologias pelas firmas começa a possibilitar extraordinários ganhos de produtividade e modificações nas relações com os assalariados e as organizações sindicais.

O capital financeiro ganha força com as políticas de liberalização, desregulamentação e privatização adotas pelos estados. (Reagan / Thatcher), e o capital volta a ter a liberdade para se desenvolver e movimentar de um país ou continente para outro. Os países hegemônicos (desenvolvidos) passam a impor essas novas regras, fazendo com que o processo de globalização seja inevitável, infringindo para as demais economias o novo jogo livre das leis de mercado.

A sociedade mundial contemporânea (seus diversos segmentos) não teria outra opção a não ser adaptar-se, pois segundo a interpretação dominante, a desregulamentação dos mercados constitui-se fator de modernidade no processo de desenvolvimento econômico das nações. A justificativa para o processo residiria, também, no benefício do consumidor (sob a ótica do mercado), que estaria livre para adquirir os produtos e serviços com preços baixos graças à abertura das fronteiras, ao desmantelamento das regulações públicas e a atuação de empresas em uma concorrência total.

Entretanto, a análise de Chesnais, possibilita identificar que o verdadeiro conteúdo do processo de globalização não se dá através da mundialização das trocas e sim do capital (industrial e financeiro). O autor sustenta sua análise observando que 2/3 do volume de transações no intercâmbio internacional de bens e serviços ocorre entre

empresas multinacionais (matrizes, filiais ou sub-contratadas) e que aproximadamente 40% do comércio mundial pertencem à categoria intragrupo.

O autor considera em sua argumentação que a questão da internacionalização das relações econômicas diz respeito a um conjunto de processos que promovem a interdependência entre as economias. Dentre eles, destacam-se as importações e exportações de bens e serviços, as entradas e saídas de investimentos diretos e de capital financeiro, as entradas e saídas de tecnologias (sejam através de equipamentos ou know-how), os movimentos internacionais de mão-de-obra qualificada e os fluxos inter-fronteiras de informações.

Neste conjunto é possível identificar indicadores estatísticos que possam avaliar a importância relativa desses processos nos últimos anos. Esses indicadores têm possibilitado a verificação de alguns fatos relevantes. 1) O investimento internacional (movimentação do capital – industrial / financeiro) tem dominado o processo de internacionalização, sobrepujando os processos de troca (bens e serviços). 2) Os fluxos de trocas intrafirmas vêm adquirindo um peso cada vez maior. 3) O investimento internacional é fortalecido pela globalização das instituições bancárias e financeiras. 4) O surgimento de novas modalidades de transferência de tecnologias (acordos interempresas) além das já existentes. 5) O aparecimento de novas empresas multinacionais com diferentes formas de organização (tipo rede).

Esse novo cenário das relações internacionais tem como vetor principal indubitavelmente a questão da mobilidade do capital. Chesnais, em seu livro, identifica que o termo, mundialização do capital, tem origem nos estudos franceses dos anos 70, de inspiração marxiana, sobre a internacionalização do capital. Os estudos franceses, com a contribuição anglo-saxã, abordam temas como: A produção internacional; a internacionalização dos custos de transação; a economia das mudanças técnicas e a teoria das formas de mercado (oligopólio internacional).

Nos anos recentes acrescentam-se uma atualização na abordagem com a introdução de novos ingredientes: A prioridade metodológica que reflete a anterioridade e predominância do investimento e da produção em relação à troca; o processo de centralização financeira e de concentração industrial do capital, nos planos nacional e internacional. Isto sendo refletido pela movimentação dos bancos e grupos internacionais de fundos mútuos e de pensão e a maior interpenetração entre os capitais de vários países (criação do investimento internacional cruzado), com o surgimento de estruturas oligopolísticas transnacionais.

A justificativa da utilização do termo mundialização do capital está atrelada ao fato de que parte do mercado financeiro internacional está mundializado com modalidades e instrumentos de ação e controle variados.

Ademais, o campo de desenvolvimento do capital industrial concentrado (âmbito em que as empresas transnacionais desenvolveram suas estratégias globais) é o mesmo das relações constitutivas dos oligopólios mundiais.

Nos seus trabalhos o autor esclarece que, para o entendimento da mundialização do capital, é importante analisá-lo como uma unidade diferenciada e hierarquizada. Chesnais aponta para os estudos de Michalet58, que analisam as dimensões do capital, de acordo com os ciclos de movimentação definidos por Marx. Esses ciclos devem ser entendidos como elementos de uma totalidade, diferenciações dentro de uma unidade: O capital que produz valor e mais valia (capital industrial), o capital mercadoria ou capital comercial (concentrado) e o capital dinheiro (empréstimos e aplicações).

Diferentemente de Michalet, que em 1985 analisa que, das três formas estruturadas de capital, existia a centralidade do capital industrial sob as demais, Chesnais avalia, em

58

- Michalet, C. A. Lê Capitalisme mondial. 2nd. Ed. Paris: Presses Universitaires de France, 1985. (Collection Economie em Liberte).

1995, que existiria a tendência da diminuição da dominação do capital industrial, com o aumento da importância do capital comercial (que passa a rivalizar-se com o capital industrial, usurpando-lhe algumas operações que tradicionalmente seriam suas) e principalmente do capital financeiro, que começa e imprimir sua marca no conjunto das operações do capitalismo contemporâneo. A principal marca desta forma de capital é o acirramento de um regime de acumulação rentista.

A análise do capital, em suas três dimensões, possibilita identificar fatos relevantes no transcorrer do desenvolvimento econômico mundial, no que diz respeito à evolução do capital industrial. Dentre esses, é importante destacar que foi através da acumulação ocorrida pelo regime produtivo fordista, que o capital industrial pôde gerar excedentes que viabilizassem o surgimento do capital dinheiro. Além disso, a acumulação do capital industrial, também proporcionou a saturação dos mercados, gerando um estado endêmico de sobreprodução; fazendo com que os grupos industriais buscassem mecanismos que possibilitassem sua expansão (queda das restrições ao capital): crescimento externo via aquisições e fusões (fatias de mercado), ruptura das relações fordistas com os assalariados e internacionalização crescente.

O processo de internacionalização foi, então, fortemente alavancado pelo uso de novas tecnologias da informação. A aplicação no setor produtivo de novos fatores tecnológicos combinados com os modelos de gestão organizacional resultou, entre outros desdobramentos, em uma maior rentabilidade do capital industrial.

Concomitante a aplicação dessas novas tecnologias e ao uso de modelos gerenciais mais eficazes, existiu uma motivação ideológica baseada na desregulamentação e na flexibilização (fragilização) das relações entre o capital e o trabalho. Essa motivação tinha como objetivo a destruição dos ganhos obtidos na primeira metade do século nas relações contratuais construídas entre patrões e trabalhadores. Os novos modelos e sistemas produtivos tais como o just in time, lean production, toyotismo, entre outros,

produtividade cada vez maiores e possibilitando que o processo de internacionalização ocorresse de modo a favorecer muito mais o capital que o trabalho.

A precariedade das relações entre capital e trabalho começa a expandir no sentido centro periferia e constitui-se em um dos principais elementos do processo de globalização. A tríade (EUA, Europa e Japão), através de um discurso ideológico neoliberal que tem como mote o crescimento econômico através da expansão dos investimentos estrangeiros, começa a expandir sua área de influência identificando regiões desprovidas de qualquer proteção social, nas quais as grandes corporações possam instalar suas bases produtivas e impingir baixos salários e condições desfavoráveis ao trabalhador, acirrando sobremaneira o processo de mais valia.

O Capital dinheiro começa seu processo de hegemonia através de um movimento de centralização e concentração do capital industrial. Verifica-se que, já na década de 80, aproximadamente 80 % dos investimentos diretos estrangeiros ocorrem apenas no eixo dos países capitalistas avançados e basicamente em processos de aquisições e fusões entre grandes corporações, não havendo com isso criação de novos meios de produção59. Esse processo acirra-se durante toda a década de 90 (tabela 01), alcançando um patamar de 90 % do volume de transações ocorridas no ano de 2000.

Tabela 03: Fusões e Aquisições “Transfronteiras” totais no mundo.

59

- O modelo de Porter reflete bem esse processo, pois procura identificar os fatores, que articulados de forma estratégica, possibilitam a criação de vantagens competitivas frente a esse novo cenário. Sua análise inicial tenta explicar como os fatores trabalhados corretamente pelas firmas e ou segmentos / setores. Posteriormente tenta explicar como os fatores podem trazer também posições competitivas diferenciadas para as nações.

A teoria econômica já tinha analisado processos de centralização e concentração de capital antes (indústria petrolífera ou extrativa), porém em toda a década de 80 e início da década de 90 verifica-se o acirramento desse processo de centralização e concentração de investimentos, facilitado pelo desenvolvimento de novas tecnologias e aplicação de novos modelos de gerenciamento e gestão (ganhos de produtividade), não apenas no setor indústria como também no setor de serviços.

Nota-se, então, que o processo de centralização e concentração do capital industrial provoca um impacto significativo na forma que as indústrias e os segmentos passam a se organizar. Dunning analisa esse processo e verifica que as empresas multinacionais clássicas pesquisadas por Chandler nos anos 60 e 70 diferem das organizações multinacionais dos anos 80. Para Dunning (1991), as organizações mundiais da década de 80 procuram uma estratégia concorrencial global que possibilite um posicionamento e a manutenção de participações de mercado estáveis. Ou seja, além de procurar aumentar sua eficiência e organizar sua produção interna e as transações comerciais, as firmas passam a ser entendidas pela forma de relacionamento estabelecido com as demais organizações mundiais.

A evolução da análise de Chandler, onde o cenário mundial da década de 60 e 70 ainda é bastante regulamentado e as novas tecnologias não estão amadurecidas, para a análise de Dunning, é fundamental para o entendimento do modelo de Porter60. O modelo de desenvolvimento econômico está baseado, não apenas no conceito de firmas ou empresas stricto sensu, mas nos grandes grupos financeiros com dominância industrial. As estruturas das relações oligopolizadas e o processo de desregulamentação, cernes do modelo de Porter, favorecem o crescimento dos mercados financeiros mundiais. O crescimento da vertente em que as organizações passam a se estruturar através de holdings facilita o acesso aos mercados financeiros internacionais sem a necessidade de intermediações. Isto, apesar de constituir um grande avanço em termos de redução de uma série de custos, representa, por outro lado, uma forte inclinação da aplicação menor de capital na atividade produtiva e maior na atividade rentista (fortalecimento do capital rentista).

Essa nova dimensão de estruturas oligopolizadas possibilita ao sistema capitalista um acirramento de seu processo de apropriação. A estrutura dos mercados, onde as empresas estão organizadas em cadeias de valor, operando, muitas vezes, em sistema de rede, favorece a apropriação, por parte das grandes organizações com maior poder de mercado, dos excedentes criados na atividade produtiva. A lógica do processo de globalização e sua concorrência global passa da criação de riquezas para a apropriação de riquezas, caracterizado, principalmente, pelo avanço do volume de transações intrafirmas que dão novos contornos ao capital comercial. As novas formas de organização em especial o toyotismo e os keiretsu possibilitam que os grandes grupos passem por uma integração vertical e ao mesmo tempo possuam flexibilidade em uma estrutura frouxa descentralizada. O processo de liberalização do comércio beneficiou sobremaneira os grupos transnacionais que puderam organizar os mercados e através de fusões, aquisições e sub-contratações estabelecendo os padrões das relações comerciais até mesmo para firmas independentes.

60

- Porter (1986), em seus estudos, consegue identificar três grupos de empresas que tem algum tipo de orientação/ atividade fora do seu país sede.

Para um perfeito entendimento dessa lógica excludente do processo de mundialização do capital e seus efeitos, é importante conhecer como a teoria econômica tem abordado o processo de globalização dentro do enfoque da produção internacional.