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2.1 O Capitalismo como começo

2.1.1 O sistema de produção capitalista

Quando são tratados os temas Vantagens Absolutas, Vantagens Comparativas ou Vantagens Competitivas é preciso entender antes um pouco em que contexto histórico esses temas são propostos e seus conceitos construídos. Para tanto, mister se faz uma síntese da origem do sistema de produção capitalista, bem como de algumas de suas características e sua evolução. O Capitalismo como sistema econômico, político e social dominante surgiu muito lentamente, num período de vários séculos, muito antes das tentativas de compreensão de Adam Smith. Embora não haja concordância entre os economistas e historiadores de economia sobre quais as características essenciais desse sistema, podem-se identificar quatro conjuntos de esquemas institucionais e comportamentais (Hunt, 1985): produção de mercadorias, orientada pelo mercado; propriedade privada dos meios de produção; um grande segmento da população que não pode existir a não ser que venda sua força de trabalho no mercado; e comportamento individualista, aquisitivo, maximizador, da maioria dos indivíduos dentro do sistema econômico.

Antes de identificar, de forma sintética, as características do Capitalismo, é importante observar que um dos elementos centrais desse sistema, embora não exclusivo, foi sua capacidade de produzir excedentes sociais. Na evolução histórica da economia capitalista, a maioria das pessoas, em cada sociedade, trabalha para produzir o necessário para sustentar e perpetuar o modo de produção, bem como o excedente social, enquanto uma minoria se apropria deste excedente e o controla.

Segundo Hunt, a primeira característica definidora do capitalismo relaciona o valor de uso e o valor de troca dos bens produzidos. A produção de mercadorias existe, enquanto sistema, desde que os produtos são fabricados pelos produtores sem

qualquer interesse pessoal imediato em seu valor de uso (quando uma mercadoria é avaliada por seu uso na satisfação pessoal das necessidades), mas, sim em seu valor de troca (os produtos têm valor porque podem ser trocados por moedas). Dessa forma, a produção de mercadorias não é um meio direto de satisfação de necessidades, mas sim um meio de adquirir moeda pela troca de produtos por moeda.

A segunda característica é a propriedade privada dos meios de produção. Essa é expressa pelo direito que a sociedade facultou a determinadas pessoas de determinar como matérias-primas, ferramentas, maquinaria, etc.., seriam utilizados. Essa característica permitiu ao sistema capitalista a apropriação do excedente social1. A propriedade se concentra na mão de um pequeno segmento da sociedade – os capitalistas, que por sua vez, não precisava desempenhar qualquer papel direto no processo produtivo, de modo a controlá-lo, pois a propriedade lhe dava esse controle.

A terceira característica, decorrente da propriedade privada dos meios de produção, é que a maioria dos agentes no processo produtivo, já que não são proprietários dos meios de produção, devem vender sua força de trabalho para que possam sobreviver dentro do sistema. Na relação entre proprietários dos meios de produção, capitalistas, e a classe trabalhadora que oferece sua força de trabalho, é estabelecido um elo de dominação entre classes. Desse modo, diferente de qualquer outro sistema produção anterior, o Capitalismo faz da força produtiva humana uma mercadoria em si mesmo – força de trabalho – e gera um conjunto de condições pelas quais a maioria das pessoas não pode viver, a não ser que elas sejam capazes de vender a mercadoria de que são proprietárias – a força de trabalho – a um capitalista, em troca de um salário. Com este salário, podem comprar dos capitalistas somente uma fração das mercadorias que eles mesmos produziram. O restante das mercadorias que produziram constitui o excedente social e é retido e controlado pelos capitalistas. A

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- É importante lembrar que a transição do sistema feudal para o capitalista tem como mudança essencial à desvinculação de um sistema paternalista, baseado em crenças e tradições medievais para uma situação onde direitos e deveres eram expressos através de contratos.

quarta e última característica é a de que a maioria das pessoas é motivada por um comportamento individualista, aquisitivo e maximizador.

A saída do sistema medieval para o sistema capitalista é marcada por uma significativa mudança nas relações de produção. Os costumes e a tradição eram a chave das relações no feudo, no qual à vontade do senhor feudal prevalecia sobre as demais (lavradores, servos, comerciantes, etc...), não havendo um poder central que pudesse impor um sistema de leis. Em troca, o senhor feudal fornecia proteção, supervisão e administração da justiça; já no sistema capitalista a lógica é baseada no cumprimento de leis de caráter universal e contratos.

Vários fatores foram responsáveis pelo processo de transição do sistema de produção medieval para o capitalista, entretanto vale destacar uma alteração que teve forte impacto e que propiciou uma sucessão de modificações nas atividades produtivas exercidas pela sociedade medieval2. Segundo Hunt, na Idade Média a hierarquia social era baseada nos laços do indivíduo com a terra e o sistema social por inteiro repousava em base agrícola. Era de se supor, então, que qualquer alteração na base agrícola obtivesse desdobramentos significativos em toda a sociedade da época3. Dessa forma, o mais importante avanço tecnológico4 da Idade Média, com significativos impactos econômicos e sociais, foi a substituição do sistema de plantio de dois campos para o sistema de três campos. Essa mudança no processo de plantio com a introdução de uma rotação de cultivos e períodos de descansos fizeram

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- Segundo Hunt, outras forças de mudança também foram instrumentais na transição para o Capitalismo. Entre estas estava o despertar intelectual do século XVI, o período de grandes descobertas e novas rotas de navegação (Índia, África e Américas), o fluxo de metais preciosos para a Europa, etc...

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- Para maiores esclarecimentos sobre a passagem da agricultura medieval para a agricultura capitalista ver BAIARDI, A. . MUDANCAS TECNICAS NA AGRICULTURA MEDIEVAL E O PROCESSO DE TRANSICAO PARA O CAPITALISMO. OPS, v. 2, n. 8, p. 13-19, 1997.

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- Nesse período não é dado à tecnologia qualquer tratamento teórico especial, ao passo que a acumulação de capital, o crescimento da população e os recursos naturais é que terão um significado muito mais ativo que a qualquer mudança tecnológica.

com que a agricultura medieval ganhasse maior eficiência e produtividade. Ainda segundo Hunt, o sistema de três campos proporcionou outras mudanças importantes:

[...]Plantações de aveia e forragem, na primavera, permitiam a criação de mais cavalos, que começaram a substituir o boi como principal fonte de energia, na agricultura. Os cavalos eram muito mais rápidos e, assim, a área cultivável pôde ser estendida. Maiores áreas cultivadas permitiram que o campo alimentasse centros urbanos mais populosos. Com o cavalo, o transporte de homens, mercadorias e equipamentos tornou-se muito mais eficiente. Um arado puxado por bois exigia três homens para controlá-lo e um arado puxado por cavalos poderia ser operado por um só homem. Além disso, no século XIII, o custo do transporte de produtos agrícolas foi substancialmente reduzido, quando a carroça de duas rodas foi substituída pela de quatro rodas, com eixo dianteiro móvel. (HUNT, História do Pensamento econômico: Uma Perspectiva Crítica, 1985. p. 32 - 33).

As alterações propiciadas pelas invenções e a utilização de novas tecnologias propiciaram o crescimento de cidades e vilas à época, provocando desdobramentos (externalidades positivas) na produção de bens manufaturados com a ampliação dos trabalhadores urbanos que não tinham relacionamento com a terra (artesãos, nas categorias de mestres e aprendizes), descolando dessa forma da lógica da economia medieval de base essencialmente agrícola.

A melhoria na produtividade e os incrementos na produção agrícola tiveram desdobramentos também em relação ao comércio, dando origem aos primeiros capitalistas comerciantes. O excedente agrícola e também de manufaturas tornava-se disponível tanto para mercados locais (dentro da própria Europa) como internacionais. O fortalecimento do comércio reforçou o crescimento das cidades industriais e comerciais, que por sua vez, auxiliou no processo de desintegração do feudalismo medieval e na transposição do sistema de produção medieval para o sistema capitalista.

Lá pelo século XV, as feiras já estavam sendo substituídas por cidades comerciais, onde florescia um mercado permanente. O

comércio, nessas cidades, se tornara incompatível com os restritos costumes e tradições feudais. Geralmente, as cidades conseguiam ganhar independências de seus senhores feudais e da Igreja. Sistemas complexos de câmbio, compensação e facilidades creditícias se desenvolveram nesses centros comerciais, e instrumentos modernos, como cartas de crédito, tornaram-se de uso corrente. Novos sistemas de leis comerciais foram criados. Ao contrário do sistema paternalista de execução de dívidas, baseado nos costumes e na tradição vigentes no feudo, a lei comercial era fixada por um código preciso. Assim, esta lei tornou-se a base das modernas leis capitalistas dos contratos, títulos negociáveis, representação comercial e execuções em hasta pública. (HUNT, História do Pensamento econômico: Uma Perspectiva Crítica, 1985. p. 34 - 35).

O sistema capitalista passou por diversas fases na Europa devido aos diferentes graus de amadurecimento das regiões. A fase mercantilista que deu origem aos primeiros capitalistas comerciantes foi o ponto de partida para que à medida que o comércio prosperava e se expandia para diversas regiões dentro e fora da Europa, a necessidade de produtos manufaturados induzia a uma maior importância do processo produtivo. As tradições e costumes perderam espaço para o mercado e suas regras e quando isso se consolidou surgiu então o Capitalismo.

Um outro aspecto importante a ser analisado diz respeito às novas classes sociais e econômicas que surgiram desse processo de transposição de um sistema para outro. O sistema de trabalho da era medieval era baseado em uma classe servil que trabalhava nas terras do senhor feudal cultivando os campos para a sua própria subsistência e para alimentar os donos da terra. Com a expansão dos ofícios dos artesãos e o nascimento das indústrias de manufaturas modificam-se as formas de produção. No período medieval, o artesão (trabalhador) vendia um produto acabado ao comerciante feito através de sua habilidade (arte). Com a expansão da necessidade de crescimento da produção de manufaturas para atender o crescimento populacional das cidades, o trabalho é segmentado e o trabalhador oferece apenas sua força de

trabalho e não mais o produto acabado. Ele, trabalhador, não é mais responsável pelo processo produtivo é apenas parte dele.

Muitos agricultores e artesãos foram compelidos a se tornarem trabalhadores urbanos que não estavam mais sujeito às tradições e costumes medievais, porém sujeito às leis e contratos das novas corporações de ofício com seus estatutos criminais e a repressão do governo. A nova classe capitalista (classe média e burguesia) substituiu, lenta e inexoravelmente, a nobreza como classe que dominava o sistema econômico e social.