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CAPITULO 1: AUTOGESTÃO: (TRANS)FORMAÇÃO DE IDEAIS E EXPERIÊNCIAS

3. A CRÍTICA MARXISTA

3.1 A crítica de Engels aos Socialistas Utópicos

O Socialismo apresenta-se como continuação mais ou menos desenvolvida e mais conseqüente dos pensadores franceses do século XVIII. Os pensadores franceses tiveram, para Engels, atitude revolucionária para a época, pois criticavam a concepção da natureza, a sociedade e a ordem estatal. Porém, tudo se justificava pela razão.

Mais tarde destacaram-se os chamados socialistas utópicos: Saint-Simon, Fourier e Owen. Para Engels, nenhum deles atuava como representante do proletariado. Pretendiam instaurar o império da razão e da justiça eterna, emancipar toda a humanidade.

Engels parte do princípio que o socialismo moderno, da época, era consequência da percepção dos pensadores com relação aos antagonismos de classe e pela “anarquia que reina a produção”, referindo-se ao processo de distribuição do modo de produção capitalista (Engels, 1980, p. 28). Os socialistas da época questionavam o antagonismo entre ricos e pobres, porém, não atuavam em defesa de uma classe, mas lutavam pela salvação de toda a humanidade.

Para Engels (1980), o problema estava no mundo das idéias. Referindo-se aos socialistas utópicos, o autor constata que o problema se configurava não apenas pelo contexto pouco desenvolvido do modo de produção capitalista em que viviam os autores em referência, mas consistia no teor idealista de suas teorias.

42 As suas teorias incipientes não fazem mais do que refletir o estado incipiente da produção capitalista, a incipiente condição de classe. Pretendia-se tirar da cabeça a solução dos problemas sociais, latentes ainda nas condições econômicas pouco desenvolvidas da época. A sociedade não encerrava senão males, que a razão pensante era chamada a remediar (Engels, 1980, p. 35).

Para os socialistas utópicos, na visão de Engels, o socialismo era a expressão da verdade absoluta, da razão e da justiça. Engels contesta a inconsistência desta idéia, pois para ele, se a verdade absoluta não está sujeita ao desenvolvimento histórico e seu tempo, “só o acaso pode decidir quando a verdade se revelará” (Engels, 1980, p. 44).

Conforme Engels (1980), é necessário que se entenda o modo de produção capitalista para poder criticá-lo. Como os socialistas utópicos criticavam o modo de produção existente, mas não sabiam explicá-lo, só podiam repudiá-lo como mau. Para Engels, foi a partir da teoria da mais-valia que se pôde explicar o trabalho não pago e a apropriação do trabalho, e assim elucidar o processo da produção capitalista e o processo de produção do capital.

Essas duas grandes descobertas – a concepção materialista da história e a revelação do segredo da produção capitalista através da mais-valia – nós devemo-las a Karl Marx. Graças a elas, o materialismo converte-se numa ciência, que só nos resta desenvolver em todos os seus detalhes e concatenações (ENGELS, 1980, p. 54).

Segundo Engels (1980), a concepção materialista da história parte da tese de que a produção e a troca de produtos são a base de toda a ordem social. Desta forma, as causas de todas as transformações sociais e de todas as revoluções políticas devem ser procuradas na economia da época de que se trata, e não na filosofia.

Consideramos relevante aqui, explanar brevemente a concepção de Marx quanto à sua teoria do valor e de produção de capital.

Para Marx, a circulação de mercadorias é o ponto de partida da produção do capital. A mercadoria aparece com a divisão manufatureira do trabalho e só pode ser considerada mercadoria na medida em que pode ser trocada no mercado por mesma espécie, de mesmo valor.

O valor da mercadoria é gerado pelo dispêndio de trabalho do homem no sentido fisiológico, caracterizando o trabalho igual ou trabalho abstrato. A grandeza de valor do trabalho abstrato, por sua vez, é mensurada pelo tempo de trabalho socialmente necessário para produção da mercadoria, significando o dispêndio de trabalho social necessário para gerar a mercadoria.

No modo de produção capitalista, o trabalhador é expropriado dos meios de produção pelo capitalista, que lhe toma seus meios de trabalho (propriedade, instrumentos de trabalho), restando-lhe apenas sua força de trabalho. O trabalhador é obrigado a vender sua força de trabalho ao capitalista, a fim de garantir a sua sobrevivência. Sua força de trabalho torna-se mercadoria, trocada pela mercadoria salário.

O salário aparece como preço do trabalho: determinada quantidade de dinheiro que paga determinada quantidade de trabalho. Mas, se valor é a forma objetiva do trabalho social despendido para produzir uma mercadoria, e o que o trabalhador vende é a força de trabalho, o valor da força de trabalho deve ser mensurado pelo valor necessário para reproduzi-la. “O valor da força de trabalho é determinado pelo valor dos meios de subsistência habitualmente necessários do trabalhador médio” (Marx, 2005, p.591).

Para Marx (2005), dois fatores influenciam no valor da força de trabalho: - os custos de sua formação, que variam com o modo de produção,

- a diversidade natural: a diferença entre as forças de trabalho de homens, mulheres e crianças.

O emprego dessas diversas forças de trabalho modifica bastante os custos de manutenção da família do trabalhador, permitindo ao capital diminuir o valor da força de trabalho no momento em que emprega toda sua família.

Nesta relação, apesar do salário parecer estar vinculado com a jornada de trabalho, o trabalhador não recebe pelo valor total equivalente à jornada trabalhada. O capitalista paga ao trabalhador o equivalente à utilização dela durante o dia, ou seja, o valor pago refere-se à subsistência do trabalhador durante as 24 horas do dia.

Esse valor, entretanto, equivale a uma quantidade menor de horas trabalhadas – o trabalho necessário para se chegar ao valor pago. O trabalhador passa mais horas que o necessário produzindo valor excedente, denominado mais-valia por Marx.

A extração da mais-valia, responsável pela produção de capital, é possível de duas maneiras: pelo prolongamento da jornada de trabalho além do ponto em que o trabalhador produz o equivalente ao valor de sua força de trabalho e com a apropriação do capital deste trabalho excedente, que Marx (1983, 2005) chama de mais-valia absoluta, e por meio da mais-valia relativa, que pressupõe que a jornada de trabalho já esteja dividida em trabalho necessário e trabalho excedente – para prolongar o trabalho excedente encurta-se o trabalho necessário com métodos que permitam produzir-se mais em menos tempo o equivalente ao salário, possível com o desenvolvimento da

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força produtiva do trabalho, ou seja, por meio do desenvolvimento da maquinaria e da grande indústria, técnico e tecnológico. O trabalho morto da maquinaria se destina a encurtar a parte da jornada de trabalho necessário.

Assim, Engels (1980) conclui que o socialismo anterior ao científico partia da descoberta casual de um ou outro “intelecto genial”. O autor adverte que “os meios necessários para pôr fim aos males descobertos não devem ser tirados da cabeça, mas a cabeça é que tem que descobri-los nos fatos materiais da produção, tal e qual a realidade os oferece” (Engels, 1980, p. 57).

A relação estabelecida no modo capitalista de produção, portanto, consiste no antagonismo entre duas classes – dos proletários e dos capitalistas, e, sendo assim, Engels constata que, como a maioria dos indivíduos são convertidos cada vez mais em proletários, é o próprio modo de produção capitalista que cria a força para a realização da revolução, ou seja, a apropriação dos meios de produção pelos proletários. Porém, para que isso seja possível, é necessário que sejam dadas as condições materiais para sua realização.

A fim de que esse progresso, como todos os progressos sociais, seja viável, não basta ser compreendido pela razão que a existência de classes é incompatível com os ditames da justiça, da igualdade, etc.; não basta a simples vontade de abolir essas classes – mas são necessárias determinadas condições econômicas novas (ENGELS, 1980, p. 73).

O modo capitalista de produção move-se com o antagonismo entre organização da produção na organização e a anarquia da produção no seio da sociedade. Para Fourier, tal fato caracterizava um círculo vicioso. Mas para Engels, o movimento não é circular, mas em espiral, de forma que o círculo vá reduzindo gradualmente até que chegue ao seu fim, ou seja, de forma dialética. Isso significa que é a força da própria anarquia social da produção, que leva cada vez mais indivíduos à condição de proletários, que lhes dará condições de por fim a essa anarquia da produção.