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CAPITULO 1: AUTOGESTÃO: (TRANS)FORMAÇÃO DE IDEAIS E EXPERIÊNCIAS

1. O SOCIALISMO UTÓPICO

1.3 Robert Owen (1771-1858)

Robert Owen nasceu em 1771, em Newton, País de Gales, descendente de uma família pobre. Seu pai foi ferreiro e encarregado de correio. De empregado no comércio em Londres e Manchester, chegou a ser diretor de uma fábrica nesta última, e daí proprietário de uma empresa têxtil em New Lanark, na Escócia (Teixeira, 2002).

Por sua posição social, pôde financiar seus próprios projetos e, dessa forma, teve maior destaque e prestígio entre os socialistas utópicos. Tanto os críticos do capitalismo como Engels, quanto os defensores da ordem vigente reconheciam, de certa forma, o projeto de reforma social de Robert Owen (Engels, 1980).

Owen vivia na mesma época de Saint-Simon e Fourier, porém, diferentemente da França, a Inglaterra apresentava um processo mais desenvolvido do modo de produção capitalista e já apareciam os graves problemas sociais inerentes ao processo de produção e reprodução do sistema. A classe trabalhadora sofria de forma mais contundente a precarização das condições de trabalho e de vida, com o aumento da população nas grandes cidades, o prolongamento e a intensificação abusivos do trabalho, o aumento do trabalho feminino e infantil em condições precárias de trabalho

(ENGELS, 1980). Dessa forma, tinha uma visão diferente e mais madura da sociedade industrial, e por isso, uma crítica mais fundamentada.

Em sua obra O Livro do Novo Mundo Moral de 1844, Owen debate na primeira parte os princípios da Ciência da Natureza Humana, em que considera o homem “um ser complexo cujo caráter é formado por sua constituição, ou pela organização que traz desde o nascimento, e pelos efeitos de circunstâncias externas, que o cercam e atuam sobre ele do nascimento até sua morte” (Owen in Teixeira, 2002, p.101). Para Owen, o homem recebe seus sentimentos e convicções independente de sua vontade, mas, são esses fatores que criam a motivação para agir e determinar suas ações. Assim, a natureza das circunstâncias exteriores influem sobre a constituição do ser, e, portanto, o caráter humano desse ser entendido como formado para e não pelo indivíduo, ou seja, é formado pela influência das circunstâncias exteriores.

Owen acreditava que o homem pode ser educado de modo a adquirir hábitos ruins ou saudáveis, ou uma mistura dos dois, e que assim, é forçado a crer ou gostar de algo, sentir prazer ou aversão pelas coisas, sem saber que essas sensações podem ser diferentes se houvesse experimentado de outra maneira.

Dessa forma, Owen compreendia que se o homem e sua formação fossem entendidos neste sentido, e adotados na prática de modo geral, seria possível moldar um novo caráter para a espécie humana: os homens se tornariam “racionais”, isto é, caridosos com seus semelhantes, bons e benevolentes para com tudo o que vivem.

A partir desses princípios, o autor propõe um sistema social racional, que deveria substituir, ou mesmo suprimir instituições e disposições como a religião, os governos, o militarismo, os sistemas monetários, o modo de produção e distribuição da riqueza, o modo de formação de caráter do homem, a maneira de educar as mulheres, a opressão, a prática de criar impostos, entre outros.

Em lugar disso, o que sugeria era que os conhecimentos e experiências fossem concentrados e reunidos para que se produzisse maior quantidade de riqueza com menor perda de capital, e que essa riqueza fosse distribuída de forma mais vantajosa para todos; que o governo assegurasse o bem-estar de todos; que todos fossem empregados em ocupações ativas e atraentes; que a maneira de educar e empregar fosse de acordo com princípios de justiça e benevolência, sem recompensas nem punições; que existisse igualdade entre os sexos; que as crianças fossem educadas todas como filhos de uma só família; que não fosse cobrado nenhum imposto e todos fossem providos por um fundo comum.

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Destarte, observamos que Owen acreditava que o caráter do homem era conseqüência do meio em que vivia, e que a educação seria capaz de transformar essa situação. Para Owen, o homem constituía-se como uma organização guiada por instintos da natureza e, na sociedade capitalista, “ele é levado a agir por suas sensações ou seus sentimentos, que estão muitas vezes em oposição com sua inteligência” (Owen in Teixeira, 2002, p.103).

Como seu caráter será formado de modo a torná-lo um ser racional, cercado por circunstâncias adequadas às leis naturais, todas estas necessidades e sentimentos se encontrarão em estado de harmonia e acordo; e, se for educado de modo a não haver mais oposição entre eles, o instinto físico ficará totalmente sob a direção e o poder das faculdades intelectuais morais. (Owen in Teixeira, 2002, p.104).

As idéias de Owen eram conduzidas pela razão, pois acreditava que o sistema devia ser movido pela verdade, e sua verdade consistia em produzir o aperfeiçoamento constante e a felicidade permanente da humanidade e que, para isso, era necessário “uma reorganização da sociedade segundo um sistema que dê a todos uma educação e ocupações racionais, e ao homem uma nova existência, cercando-a de circunstâncias superiores. Eis o único meio de eliminar as causas do mal e de assegurar a criação de tudo o que é bom para o homem” (Owen in Teixeira, 2002, p. 146).

Como sócio e gerente da fábrica New Lanark, Owen pôde por em prática suas idéias reformistas, sempre no sentido de melhorar a vida dos trabalhadores e seus familiares.

Como Owen não admitia nem recompensas nem punições, ele só pode contar com atrativos. “Esse sistema é o que colocou em prática em New Lanark, na escola. Se o trabalho pode tornar-se atraente, é um contra-senso querer retribuí-lo, igual ou desigualmente” (Teixeira, 2002, p. 118).

Assim, em New Lanark abriu escolas para os filhos de trabalhadores, não admitia o trabalho de menores de 10 anos (prática muito comum na Inglaterra naquela época), adotou uma jornada de trabalho de 10 horas e meia (quando o normal era de 15, 16 horas), criou uma cooperativa, vendendo a preços baixos alimentação e vestuário, fundou caixas de previdência para assistência médica e amparo à velhice.

As melhorias na fábrica proporcionaram grandes lucros para seus proprietários, e Owen passou a ser considerado filantropo, conquistando a admiração também dos proprietários do capital. Entretanto, não se encontrava satisfeito com essa experiência, pois ainda não chegara ao desenvolvimento racional do caráter e da inteligência de seus

trabalhadores, que ainda considerava “seus escravos” e apenas os proprietários da fábrica estavam enriquecendo com a parte produtora daqueles trabalhadores. Para Engels,

as novas e gigantescas forças produtivas, que até ali só haviam servido para que alguns enriquecessem e as massas fossem escravizadas, lançavam, segundo Owen, as bases para uma reconstrução social e estavam fadadas para trabalhar somente para o bem-estar coletivo, como propriedade coletiva de todos os membros da sociedade (1980, p.42).

Dessas e outras questões, nasceu a idéia da criação de comunidades igualitárias, que tenta pôr em prática com a fundação, na América do Norte, da comunidade New Harmony. Com base no ideal comunista, na qual o lema seria "de cada um segundo seu trabalho, a cada um segundo suas necessidades", considerou que todos os membros da comunidade seriam considerados como parte de uma imensa e mesma família, na qual todos teriam direito à alimentação, ao vestuário, à educação, à moradia. Para Owen, tratava-se da instituição de uma nova ordem social que abrangesse toda a sociedade humana, e não apenas comunidades igualitárias restritas a alguns grupos como as orientadas pelo fourierismo e por diversas seitas religiosas.

Contudo, sua experiência em New Harmony que iniciou em 1824, fracassou. Rexroth (apud Corrêa, 2004) relaciona seu fracasso a ações que julga equivocadas de Owen:

O assentamento que comprou já estava pronto, os que para lá foram não vivenciaram a experiência de construir algo para eles e para a comunidade. Além disso, não havia vínculo entre os membros, qualquer um que chegasse poderia fazer parte e a maioria tinha pouco ou nenhum compromisso como a proposta da colônia e as idéias de Owen. (Rexroth, 1974 apud Corrêa, 2004, p. 63).

De volta à Inglaterra em 1829, se aproximou das associações de artesãos e adere ao movimento sindical, onde atuou durante trinta anos, representando todos os movimentos sociais de interesse da classe trabalhadora. (Engels, 1980).

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