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CAPITULO 1: AUTOGESTÃO: (TRANS)FORMAÇÃO DE IDEAIS E EXPERIÊNCIAS

1. O SOCIALISMO UTÓPICO

1.4 A experiência fourierista: O Falanstério do Saí

Consideramos importante destacar aqui uma experiência realizada no Brasil com base na teoria de Fourier. Mais adiante, falaremos sobre outras experiências que tiveram como inspiração algumas idéias destes socialistas utópicos, mas de caráter anarquista. Tal experimento, o Falanstério do Saí, localizado na região de São Francisco do Sul em Santa Catarina, teve como princípio as idéias de Fourier e alguma influência saint-simoniana.

Essa experiência tratou-se de um projeto de colonização da região pelo francês Benoit Jules Mure e que foi implementada na época do Império, existindo de 1842 a 1844.

A intenção de Mure era de formar uma colônia a partir dos princípios de atração e associativismo de Fourier com apoio e incentivo financeiro do Governo brasileiro. Porém, de acordo com Güttler (1994), a proposta de Mure ao Império era de um projeto de modernização industrial a partir da vinda de especialistas franceses que trariam progresso ao país até então predominantemente agrícola.

O projeto de colonização era “uma exposição bastante abreviada de alguns tópicos da dinâmica falansteriana adaptados às necessidades político-econômicas brasileiras” (Güttler, 1994, p. 58). Assim, Mure coloca a proposta como portadora de um método colonizador que adaptaria as inovações tecnológicas européias às necessidades imigratórias brasileiras, pondo à disposição do país “hábeis e honrados obreiros selecionados através de rígidos critérios” (Güttler, 1944, p. 59).

Apesar de sua proposta enfatizar as vantagens que a introdução de tecnologias inexistentes no país até então poderiam proporcionar, Mure insere de forma gradativa sua incursão ao fourierismo. Para tanto, demonstra as vantagens de uma produção associativa e introduz as “séries” de Fourier ao mencionar os progressos ocorridos em vários setores que seriam frutos de pessoas agrupadas ou associadas. Além disso, Mure inclui em sua proposta a educação unitária, que relacionava a escolha da profissão com o desenvolvimento das aptidões naturais e a partir do trabalho atrativo (Güttler, 1994).

Dessa forma, Mure conseguiu a simpatia e o apoio do Governo brasileiro ao seu projeto, fechando um acordo de apoio governamental de um adiantamento monetário para custear o transporte e a implantação das primeiras famílias de imigrantes franceses que se estabeleceriam na região da Península do Saí. Entretanto, o acordo estabelecia

a vinda de 500 franceses, número questionado por Mure que pretendia uma comunidade de 1600 pessoas, estabelecido como ideal por Fourier.

Os franceses dispostos a imigrar ao Brasil para fazer parte do falanstério eram integrantes da Union Industrielle, associação fundada por fourieristas para o desempenho da colonização no Brasil por meio de “uma colônia de convivência unitária e o compartilhamento da boa ou má fortuna” (Güttler, 1994, p. 84). Eram 1700 colonos inscritos para imigração ao Brasil e por determinação do acordo, apenas 500 foram selecionados por Mure a partir das habilidades que julgou serem necessárias ao falanstério. Tal comportamento foi avaliado de forma negativa por integrantes da associação Union Industrielle, gerando os primeiros obstáculos para a realização da comunidade falansteriana do Saí.

Güttler (1994) relata que houve desentendimento entre os diretores da associação Union Industrielle com Mure logo na chegada dos imigrantes ao Brasil, por estar o acordo em nome de Mure e não da associação, e por ele ter todos os direitos sobre a colonização tanto no que se refere à propriedade da terra e do dinheiro cedido pelo Governo brasileiro, quanto nas decisões a serem tomadas.

Assim, os imigrantes dividiram-se em dois núcleos, sendo que um deles foi liderado por Mure constituindo a Colônia do Saí e outro por diretores da Union Industrielle, a Colônia de Palmital, sendo que esta última não obteve os mesmos benefícios de concessão de terra e apoio financeiro cedidos a Mure (Güttler, 1994).

A produção no Saí era de criação de gado, cultivo de plantas européias, fabricação de carvão para a forja, construção de dique para tornar o rio mais navegável e de vias de acesso ao Rio Saí. Em um ano haviam construído uma olaria de tijolos e novos estabelecimentos agrícolas. Há depoimentos de visitante que relatam que em 1843, os caminhos do Saí onde apenas se passava a pé, naquele ano já se podia passar de carro para o carregamento de mantimentos aos trabalhadores que estabeleciam uma serraria no local (Güttler, 1994).

A Colônia de Palmital tinha como principal produção a construção naval e não havia produção agrícola. Tinham também uma olaria e uma forja, além da produção de carvão para a forja.

A Colônia do Saí iniciou sua produção com 21 imigrantes, enquanto a Colônia de Palmital contava com o dobro de integrantes em sua primeira formação.

As dificuldades materiais enfrentadas pelas duas colônias eram as mesmas enfrentadas por qualquer empresa colonizadora da época, mas tinham o diferencial do impulso idealista de seus integrantes. Dessa forma, Güttler (1994) desconsidera que sua

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dissolução tenha sido por conta das dificuldades de sobrevivência ou do processo de produção, visto que haviam passado por dificuldades para comercialização do material produzido nas colônias, por falta de mercado. O autor relaciona o fim das colônias principalmente com as primeiras intrigas e a conseqüente separação dos imigrantes, fato que trouxe perdas materiais significativas e a impossibilidade de unir moradias, cozinhas, depósitos, adegas e a força de trabalho que garantiria a maior economia com a produção associada (Güttler, 1994).

As colônias foram desativadas em meados de 1844, com o descrédito do Governo brasileiro no desenvolvimento das colônias a partir da dissidência de vários integrantes e da dispersão de vários imigrantes destinados à Colônia antes mesmo de chegar à Península do Saí. Para Güttler (1994), outro impedimento para o desenvolvimento das duas colônias deveu-se à falta de apoio financeiro esperada pelos colonos do Governo brasileiro.