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CAPÍTULO 2 – O DEBATE ATUAL SOBRE A AUTOGESTÃO NAS TESES E

2. O CONTEÚDO DAS DISSERTAÇÕES E TESES

2.8 Cooperativa de Produção Agropecuária do MST

Esta dissertação analisa a experiência da Cooperativa de Produção e Serviços de Pitanga – PR – Cooproserv, ligada ao Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra – MST.

A autora caracteriza esta experiência como “uma organização autogestionada no interior do capitalismo” em que “ao mesmo tempo em que buscam viabilização econômica, tentam, internamente, fundar e manter uma organização da vida pautada em princípios ‘socialistas’, com ampla coletivização em todos os planos” (Sizanoski, 1997, p. 10).

Este trabalho objetiva buscar o significado das experiências de autogestão no capitalismo como forma concreta de contestação ao sistema econômico hegemônico. Para a autora, a expressão “cooperativa autogestionada” pressupõe uma organização coletivizada e uma administração descentralizada.

Reconhece seus limites por estar inserida no modo de produção capitalista, mas acredita que “ao mesmo tempo em que se adaptam à economia dominante, rejeitam estas mesmas regras e a sua lógica, tentam criar uma forma de organizar a vida que colide com a organização capitalista, mantendo, internamente, princípios coletivistas e ‘socialistas’” (Sizanoski, 1997, p. 12).

A questão central desta dissertação refere-se às possibilidades e limites das Cooperativas de Produção Agrícola – CPAs, enquanto organização autogestionada no capitalismo, e às relações sociais que a engendram.

ORIGEM DA EXPERIÊNCIA

De acordo com a autora, a formação e existência da Cooproserv se deve fundamentalmente à sua ligação indissociável ao MST. A formação das CPA’s no movimento se realizou como resposta aos problemas enfrentados nos assentamentos, como desnutrição, miséria e fome, estimulando a ênfase à produção.

As cooperativas, localizadas nos assentamentos, remetem ao entendimento quanto à origem de tais assentamentos, realizados a partir das ocupações, que

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Refere-se à análise da dissertação de mestrado de Raquel Sizanoski, intitulada “O Novo dentro do Velho: Cooperativas de Produção Agropecuária do MST (Possibilidades e Limites na Construção de Outro Coletivo Social)” defendida em 1998 no curso de Mestrado em Sociologia Política da Universidade Federal de Santa Catarina.

significam formas de resistência e enfrentamento direto com o Estado e o capital latifundiário para a conquista do direito e permanência na terra dos trabalhadores.

A organização do movimento reflete a preocupação na formação das cooperativas de forma que não se distanciem do ideário do MST. Para tanto, na fase de incentivo à formação das cooperativas, o MST criou um Sistema Cooperativista dos Assentados que determina algumas condições para a existência de tais empreendimentos nos assentamentos.

O MST entende a cooperação como a “forma de desenvolvimento econômico e social da comunidade, de enfrentamento à exploração do pequeno agricultor no modo de produção capitalista”. Porém, essa cooperação deve ter sentido estratégico, sem cair em desvios. Sua proposta está em elevar o nível de consciência a partir do desenvolvimento de experiências coletivas.

Não há a expectativa por parte do MST de que as cooperativas possam resolver os problemas econômicos e sociais da classe trabalhadora. Consideram-na como ferramenta de luta e resistência na terra. Trabalham para constituir nova sociedade por meio da luta organizada pelo poder contra o capital. Mas reconhecem que a cooperativa tenha “papel fundamental no processo de transformação da sociedade” (CONCRAB apud Sizanoski, 1997, p. 59).

Assim, algumas compreensões são determinantes: o MST entende que a produção é orientada pelo Capital, considera que a introdução de uma Agroindústria, por exemplo, é estratégica.

Porém, tanto o MST quanto a autora acreditam na formação de uma nova “subjetividade” ou “mentalidade” a partir de idéias advindas do conceito de autogestão e socialismo, como solidariedade e coletivismo.

O movimento vê a necessidade de viabilização das CPA’s do ponto de vista econômico e também de realização do projeto político que, para a autora, passa pela constituição de uma “nova subjetividade”, sendo que para ela, “a intenção de forjar nova subjetividade é para superar relações sociais produzidas na sociedade capitalista” (Sizanoski, 1997, p. 91).

O entendimento dos assentados, de acordo com análise da autora, é de que a cooperativa, como estrutura, não garante o objetivo imediato de alcançar e manter um padrão de vida digno às famílias e, a longo prazo, a formação de outra “subjetividade”.

A CONCRAB considera necessário massificar a cooperação como forma de resistir aos impactos da política governamental e acredita que a massificação representa

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também a garantia da organização de base dos trabalhadores, dentro de uma organização de massa.

Existe, por parte dos trabalhadores, o entendimento de que a sobrevivência das CPAs enquanto organizações autogestionadas, e não como empresa capitalista, depende de transformações profundas na sociedade.

CONCEPÇÃO DE AUTOGESTÃO

Para a autora, a autogestão pressupõe relações de classe. Apenas ter assegurado o controle democrático não implica a autogestão.

Os autores utilizados para definir autogestão por Sizanoski foram Mandel, Lucia Bruno, Guillerm e Bourdet, Joieux e Tragtenberg. Para estes autores, a autogestão implica socialismo e só é possível em uma economia planificada, de outra forma, sofrem pressão para se tornar empresa capitalista.

A autora considera que o movimento autogestionário configura-se como um movimento anticapitalista. Para definir o que entende por movimento autogestionário se vale dos autores Guillerm e Bourdet, que consideram a autogestão como sendo “outra organização nacional que suprime o capitalismo e o Estatismo em benefício de um conjunto autogestionado de cooperativas igualitariamente associadas segundo um plano elaborado pela soma das necessidades e desejos” (Guillerm e Bourdet, 1976 apud Sizanoski, 1998, p. 31).

Para os autores citados por Sizanoski, “o cooperativismo só adquire importância na medida em que serve de instrumento de autonomia, como ferramenta de luta contra o capitalismo e na construção de uma nova sociedade” (1998, p. 74). A autonomia e a construção de uma nova sociedade aparece aqui como forma ideal sem levar em conta os limites de constituição de uma autonomia dentro de um sistema que não dá outra alternativa ao trabalhador que não seja as regidas pelo mercado.

Para a autora, as CPA’s “como uma cooperativa autogestionada, inserida no capitalismo, constitui-se num meio de luta e que, como tal, gesta uma subjetividade rumo a novas relações sociais” (Sizanoski, 1997, p. 129).

Apesar de reconhecer os limites das cooperativas inseridas no modo de produção capitalista, considerando-se sua tendência ao desaparecimento ou sua degeneração à empresa capitalista, a autora avalia suas possibilidades pela sua relação

com o MST, como instrumento de luta que se sobrepõe aos objetivos meramente econômicos.

A PRÁTICA DA AUTOGESTÃO NA EXPERIÊNCIA

De acordo com a autora, na Cooproserv existe uma administração descentralizada, em que “todos são responsáveis”, trabalhando com uma coordenação geral e coordenadores por atividade.

Os coordenadores não recebem remuneração, fato que desestimula a participação dos assentados para o cargo. As decisões são tomadas pela coordenação, com o consentimento da maioria dos associados.

A organização da produção também é feita por coordenação por atividade, que faz o controle das horas de trabalho e da produtividade, que são utilizadas para calcular o valor da remuneração. Existe distribuição de sobras de acordo com a produtividade de cada trabalhador.

A autora considera que exista produção de trabalho excedente e, por conseguinte, mais valia pelos trabalhadores da produção associados. Porém, trata-se de outra natureza de produção, que não a capitalista, onde necessariamente o trabalho excedente está em relação com a apropriação de parte de trabalho por um capitalista, fato que não ocorre na produção cooperativada.

RELAÇÕES DE TRABALHO x AUTOGESTÃO

A comparação estabelecida entre a produção individual e na forma coletivizada é um dos pontos analisados pela autora que demonstra modificações nas relações sociais estabelecidas na cooperativa estudada.

A autora aponta a superação do individualismo como uma possibilidade do alcance de uma nova subjetividade, “alicerçada na noção de autogestão”. Porém, na experiência estudada, os entrevistados criticam a prioridade de investimento na cooperativa em detrimento do investimento em melhoria das condições de vida dos assentados. Se autogestão implica coletividade, e os interesses individuais devem ficar para segundo plano, os assentados devem aceitar esta condição de investimento para melhorias futuras, ou seja, melhorando a produção, a possibilidade de ganho individual mensal, a retirada pelas horas trabalhadas, a longo e médio prazo se torna maior.

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No entanto, se a autogestão não melhora a condição de vida dos trabalhadores de forma imediata, o incentivo para o trabalho dessas pessoas se torna menor. O estudo analisado aponta como problemas da cooperativa: saída de famílias, dificuldade de adaptação ao trabalho coletivo, de gerenciamento e de organização. Contudo, a autora aponta que o principal problema é o fato de estar inserido num modelo econômico em que o projeto de coletivização é “completamente conflitivo”.

Apesar dos percalços, a autora observa que os assentados possuem boa alimentação, saúde, trabalho e casa, estando em melhores condições do que anteriormente.

Existe contratação de força de trabalho quando a cooperativa julga necessário maior número de pessoas para a produção. A autora considera que neste processo há extração de mais-valia por parte da cooperativa, que apropria-se de excedente de trabalho.

Na Cooproserv, os trabalhadores pagam pelo que consomem, mesmo sendo eles os próprios produtores, ou seja, pagam pelo que produzem. A partir dos depoimentos, conclui-se que esta tenha sido uma decisão tomada por administrações anteriores e que ainda perduravam durante a pesquisa da autora, o que desagradava os assentados.

A seguir, elaboramos dois quadros, o primeiro caracterizando as experiências estudadas pelas produções analisadas, e o segundo quadro comparativo, referente às condições de trabalho nas experiências.

QUADRO 2 - Caracterização das Experiências Nome Tipo de Empreendimento Origem Ramo/ Segmento Num. de Associados/ Sócios Localização

Cones Cooperativa Processo Falimentar Têxtil 225 Nova Odessa – SP

Ensinativa Cooperativa Motivação Pessoal Educação 21 Bauru – SP

Bruscor Empresa Motivação Pessoal Têxtil 05 Brusque – SC

Uniwidia Cooperativa Processo Falimentar Metalúrgico 250 Mauá – SP

Coop-Arte Cooperativa Processo Falimentar Cristaleiro 228 Não informado

Cooperunião Cooperativa Organização dos

trabalhadores pelo MST Agropecuário 25 famílias Dionísio Cerqueira – SC

Cooperativa 21 Cooperativa Organização dos

trabalhadores por Incubadora Serviços 26 Paraná – PR

Ambiens Cooperativa Motivação Pessoal Projetos 14 Curitiba – PR

Coopercristal Cooperativa Processo Falimentar Cristaleiro 78-21 Blumenau – SC

Unicristal Cooperativa Processo Falimentar Cristaleiro 57-36 Indaial – SC

Makerli Cooperativa Processo Falimentar Calçadista 150-440 Franca – SP

Cooproserv Cooperativa Organização dos

trabalhadores pelo MST Agropecuário 27 Pitanga – PR

Quadro 2: Caracterização das Experiências Fonte: Dados Primários e Secundários

QUADRO 3: CONDIÇÕES DE TRABALHO

Empreendimento Jornada Remuneração Observações Ano referente aos dados

informados CONES 05:00 às 12:00 12:00 às 18:00 21:30 às 05:00 R$683,84 a R$ 2.083, 94 Piso R$386,00

Mulheres recebem valores mais baixos

Há contrato CLT

2004

ENSINATIVA Não especificado Sem remuneração Os trabalhadores estavam

pagando para trabalhar 2004

BRUSCOR 05:00 às 13:00

13:00 às 21:00

R$840,00 R$600,00

Há contrato CLT

Acima do piso da categoria 2004

UNIWIDIA Não especificado R$500,00 a

R$3.000,00

Dados relativos ao ano de 1999

Acima do piso da categoria 2002

COOP-ARTE 03 turnos de 08 horas/ 04

turnos de 06 horas Não especificado

Na mudança da jornada de

trabalho, a retirada diminuiu 2002

COOPERUNIÃO O8 horas-homem

04 horas-mulher Não especificado

Valor da hora produtiva igual

para todos 2003

COOPERATIVA 21 Conforme posto de serviço Determinada por contrato Funções administrativas não

remuneradas 2003

AMBIENS Definido pela disponibilidade Valor mínimo Porcentagem para o vendedor

do projeto 2003

COOPERCRISTAL Não especificado R$300,00 a

R$800,00

De acordo com o piso da

categoria 2003

UNICRISTAL Não especificado R$250,00 a

R$700,00

Nos últimos meses não houve

remuneração 2003

MAKERLI Não especificado R$151,36 a

R$3.0704,80

De acordo com o piso da

categoria 1997

COOPROSERV Não especificado R$121,00 Valor referente ao salário

mínimo da época 1998

QUADRO 3: Condições de Trabalho Fonte: Dados primários e secundários

CAPÍTULO 3 – AUTOGESTÃO: TRANSFORMAÇÃO DAS CONDIÇÕES DE