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CAPITULO 1: AUTOGESTÃO: (TRANS)FORMAÇÃO DE IDEAIS E EXPERIÊNCIAS

3. A CRÍTICA MARXISTA

3.2 O Debate entre Marx e Proudhon

O socialismo do final do século XIX foi marcado pelo debate entre comunistas e anarquistas, com destaque para a discussão entre Marx e Proudhon. Além disso, esse debate é relevante na discussão sobre cooperativas e autogestão, pois todo o

entendimento que Proudhon tinha com relação às categorias econômicas como valor, propriedade, crédito, entre outros, influenciava em sua teoria sobre o mutualismo.

Marx era enfático em suas críticas a Proudhon. Inicia sua obra Miséria da Filosofia referindo-se a Proudhon como mau economista francês, por ser considerado na França bom filósofo alemão; e mau filósofo alemão por ser, na Alemanha, rotulado como um dos melhores economistas franceses (Marx, 2004). Para Marx, Proudhon está “abaixo dos economistas porque como filósofo que dispõe de uma fórmula mágica pensa que pode deixar de entrar em detalhes puramente econômicos e abaixo dos socialistas porque não tem coragem nem clarividência para erguer-se acima do horizonte intelectual burguês” (Marx, 1984a, p. 329).

Apesar de reconhecer sua primeira obra Qu’est-ce que la Proprieté? (que teve grande repercussão e fez de Proudhon conhecido como revolucionário) como uma boa produção pela maneira como expôs os fatos, Proudhon é criticado por não especificar a qual propriedade se refere, pois, para Marx, assim como a própria história tratou de exercer sua crítica quando as relações de propriedade da antiguidade foram destruídas pelas feudais e estas pelas burguesas, se a crítica era com base na propriedade burguesa, esta deveria ser feita com uma análise crítica da economia política. Assim, deveria analisar as relações de propriedade como um todo “e não em sua expressão legal, como relações de volição, mas em sua forma real, como relações de produção” (Marx, 1984a, p. 327). A resposta dada por Proudhon ao título do livro é de que “a propriedade é um roubo”. Para Marx, sendo o roubo a violação da propriedade, Proudhon pressupõe em sua resposta a existência da própria propriedade.

Assim como os utópicos, Proudhon buscava uma pretensa ciência a qual seria inventada a priori a “solução da questão social”. Entretanto, Proudhon vivera um período mais avançado do capitalismo mundial e, especificamente, o francês, em relação ao período vivido pelos socialistas utópicos. Dessa forma, a crítica de Marx, assim como de Engels, a Proudhon é feita de forma mais contundente do que a realizada aos socialistas utópicos Saint-Simon, Fourier e Owen.

A crítica maior de Marx foi ao livro Filosofia da Miséria ou Sistema das Contradições Econômicas em que Proudhon faz uma análise da economia política. De acordo com Marx (1984a), Proudhon tenta mostrar dialeticamente o sistema das categorias econômicas a partir da contradição hegeliana, por meio de uma filosofia especulativa.

Ao invés de conceber as categorias econômicas como expressões teóricas de relações históricas de produção, correspondentes a um dado estágio de

46 desenvolvimento da produção material, ele as converte de maneira absurda em idéias eternas, preexistentes; e como através de circunlóquios retorna mais uma vez ao ponto de vista da economia burguesa (Marx, 1984a, p. 328).

Em um texto de Proudhon extraído do livro Confessions d’un Révolutionnaire, no qual tenta dar uma idéia de seu Sistema de Contradições Econômicas, Proudhon expõe como faz uma “operação” sobre cada uma de suas categorias econômicas

A propriedade é um roubo; a propriedade é uma liberdade: estas duas proposições são igualmente demonstradas e subsistem uma ao lado da outra no Sistema de Contradições. Faço a mesma operação sobre cada uma das categorias econômicas, a divisão do trabalho, a concorrência, o Estado, o crédito, a comunidade, etc.; mostrando alternativamente como cada uma destas idéias e, por conseguinte, como as instituições que engendram têm um lado positivo e um lado negativo; como elas dão lugar a uma dupla série de resultados diametralmente opostos: e sempre concluo pela necessidade de um acordo, conciliação ou síntese. A propriedade aparecia então aí, com as outras categorias econômicas, com sua razão de ser e sua razão de não-ser, isto é, como elemento de duas faces do sistema econômico social (Proudhon in Guérin, 1983, p. 28).

Para Marx (2001b), as categorias citadas por Proudhon são, na realidade, relações sociais, cujo conjunto forma o que se chama propriedade, pois fora dessas relações, a propriedade burguesa é apenas uma alusão metafísica ou jurídica.

Assim, Marx entende que essa concepção de desenvolvimentos econômicos de Proudhon se deve ao fato de não compreender o estado social em sua engrenagem. Proudhon vê na história uma determinada série de desenvolvimentos sociais em que os homens, enquanto indivíduos, não sabem o que fazem. Dessa forma, o desenvolvimento da sociedade está desvinculado do desenvolvimento social. Sua hipótese, neste caso, é de que essa relação se dá por meio da manifestação da razão universal.

Ao contrário de Proudhon, Marx (2001b) compreende que os desenvolvimentos econômicos devem ser entendidos a partir dos preceitos de que a sociedade é a ação recíproca dos homens; que os homens não são livres para escolher a forma social; que a forma de comércio e consumo depende do desenvolvimento das forças produtiva; que a sociedade civil é determinada pelo grau de desenvolvimento da produção e que o Estado político é a expressão oficial da Sociedade Civil. Ou seja, os homens não são livres árbitros das suas forças produtivas e a história social dos homens nunca é mais do que a história do seu desenvolvimento individual.

Para Marx (1984a), dever-se-ia procurar a fonte da ciência no conhecimento crítico do movimento histórico, que produz ele mesmo as condições materiais da emancipação. Segundo o autor, as formas econômicas são transitórias e históricas: com a aquisição de novas faculdades produtivas, os homens modificam seu modo de produção, e a forma das relações econômicas se alteram conforme a modificação e o crescimento destas faculdades produtivas. No julgamento de Marx, Proudhon não compreende este caráter histórico e transitório das formas de produção de uma determinada época e, por conseguinte, Proudhon recorre a uma ficção para explicar o seu desenvolvimento.

Com relação à noção de valor, Marx (2001, 1984a) considera que Proudhon segue as orientações do economista burguês Ricardo. Mas em sua comparação concebe que Ricardo tem uma interpretação cientifica com relação a sua teoria do valor, enquanto Proudhon faz uma interpretação utópica da teoria de Ricardo. Segundo Marx (2001), Ricardo parte da sociedade para demonstrar como se constitui o valor. Já Proudhon parte de um valor constituído para estabelecer um novo mundo a partir do valor constituído. Os dois autores consideram que o valor é determinado pelo tempo de trabalho, contudo, se para Ricardo a determinação do valor pelo tempo de trabalho é a lei do valor de troca, para Proudhon essa determinação consiste em uma síntese do valor útil e do valor de troca. Assim, Proudhon concebe que “uma certa quantidade de trabalho equivale ao produto criado por essa mesma quantidade de trabalho” (Marx, 2001, p 46). Dessa forma, Proudhon determina o valor relativo das mercadorias pelo valor do trabalho, e acaba por confundir a medida do tempo de trabalho necessário para a produção de uma mercadoria pela medida do valor do trabalho, conclui que o salário é o valor do trabalho (Marx, 2001). Para Marx (2001), deve-se considerar que o trabalho, nesse caso, é sempre um trabalho determinado (o trabalho abstrato), “não é nunca o trabalho em geral que se vende ou que se compra”.

Para Marx, nas suas argumentações sobre o “crédito livre” e o “Banco Popular”, Proudhon prova que a base teórica de suas idéias provém da falta de compreensão dos princípios elementares da política burguesa, ou seja, da relação mercadoria-dinheiro.

Marx concorda que o sistema de crédito possa servir para acelerar a emancipação das classes trabalhadoras, assim como já serviu para transferir a riqueza de uma classe para outra.

Mas, considerar o capital que rende juros como a principal forma de capital e querer fazer de uma aplicação especial de crédito, a suposta abolição

48 dos juros, a base para uma transformação da sociedade é uma fantasia completamente pequeno-burguesa (Marx, 1984a, p. 331).

Diante de todas as críticas, Marx (2001a) qualifica Proudhon como “necessariamente doutrinário”, uma vez que o movimento histórico se resume, para ele, no problema de descobrir o justo equilíbrio entre a forma capitalista de produção e suas conseqüências, porquanto não considera que a forma capitalista de produção é uma forma histórica e transitória.