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A crônica como gênero jornalístico

2 GÊNEROS TEXTUAIS E ENSINO DE LÍNGUA

2.5. O gênero textual crônica e suas origens

2.5.2. Crônica definição e caracterização

2.5.2.1. A crônica como gênero jornalístico

Segundo Melo (1994), “[...] a crônica moderna configura-se como gênero eminentemente jornalístico.”. O autor aponta como características fundamentais desse gênero:

1) Fidelidade ao cotidiano, pela vinculação temática e analítica que mantém em relação ao que está ocorrendo, aqui e agora; pela captação dos estados emergentes da psicologia coletiva. 2) Crítica social, que corresponde a “entrar fundo no significado dos atos e sentimentos do homem”. (MELO, op. cit., p. 155)

Essa crítica que o cronista procura fazer da sociedade moderna, de seu comportamento, de suas relações com os acontecimentos, levando os leitores a uma reflexão, é feita de modo dissimulado, ou seja, o cronista o faz por meio de uma conversa fiada, no dizer de Cândido (1992). Apreciando os fatos com ironia e humor, ele, aparentemente, mantém um ar de despreocupação com os problemas da sociedade, embora no fundo esteja falando de coisas sérias, capazes de fazer o leitor refletir sobre os acontecimentos sociais e suas conseqüências na vida dos seres humanos.

No âmbito do jornalismo, fala-se em vários tipos de crônica: policial, social, política, esportiva, de arte, etc. Nesse sentido, a palavra crônica ainda guarda uma certa conotação de narração histórica, associando-se a “[...] outras formas de expressão noticiosas mais próximas da reportagem.” (MELO, op. cit. p.146). Nesse caso, a classificação se dá pela temática abordada nesses tipos de crônicas: a ocorrência de atos criminosos; os fatos políticos do dia; os eventos sociais de que

participam as pessoas ilustres; os acontecimentos do mundo do esporte: futebol, tênis, corridas automobilísticas, etc.

D’Onofrio (1995) denomina esse tipo de crônica de crônicas científicas, para diferenciá-las das literárias. Segundo esse autor, os cronistas que costumam escrever sobre esses assuntos geralmente são profissionais formados na área de história, de jornalismo ou de comunicação e, em virtude disso, detêm um conhecimento específico em cada área para utilizarem na produção de seus textos em que abordam o cotidiano.

Como vimos, há várias classificações para a crônica na esfera jornalística. Apresentamos aqui a de Luís Beltrão (1980 apud MELO 1994, p.156), que nos parece mais abrangente. Para Beltrão, a crônica pode ser classificada quanto ao tema e quanto ao tratamento que lhe dá o cronista.

Quanto ao primeiro aspecto, temos três espécies: Crônica geral – aborda assuntos diversos e ocupa local fixo no jornal; Crônica local – fala da vida cotidiana da cidade e recebe a opinião da comunidade em que circula o jornal, por isso é também chamada de crônica urbana ou da cidade; Crônica especializada – trata de assuntos referentes a uma área específica da atividade humana.

Em relação ao segundo aspecto (o tratamento dado ao tema), o autor aponta mais três modalidades: Crônica analítica – o autor analisa os fatos com brevidade e objetividade; Crônica sentimental – o autor apela para a sensibilidade, enfatiza aspectos líricos ou épicos, de modo a comover o leitor e influenciar a ação; Crônica

satírico-humorística – o objetivo do cronista, nesse caso, é criticar os fatos, para

isso ridicularizando-os, ironizando-os, inclusive as personagens e suas ações. Com isso, busca o entretenimento do leitor e assume feição caricatural.

Para fundamentar a concepção de crônica como gênero jornalístico, recorremos, mais uma vez, a Melo (op. cit., p. 159), que afirma ser isso uma questão pacífica. Para explicar essa afirmação, ele nos diz que a crônica é “[...] produto do jornal, porque dele depende para a sua expressão pública, vinculada à atualidade, porque se nutre dos fatos do cotidiano [...]”. E em seguida assevera: “[...] a crônica preenche as três condições essenciais de qualquer manifestação jornalística: atualidade, oportunidade e difusão coletiva.”.

Gostaríamos de apresentar agora algumas características da crônica que nos parecem relacionadas mais diretamente ao âmbito jornalístico. A primeira delas é a

extraídos do noticiário jornalístico e comentados pelo cronista. Como diz Sá (2005, p.11), “[...] o jornal [...] nasce, envelhece e morre a cada 24 horas.”. Desse modo, a crônica também absorve essa transitoriedade do jornal. Os fatos noticiados ou comentados no jornal de hoje cedem espaço a outros no dia seguinte. As páginas do jornal de ontem se transformam em papel de embrulho ou são jogadas fora, a menos que o leitor se interesse por alguma parte e resolva recortá-la para arquivo. Falando a respeito disso, Moisés (2003, p. 119) afirma que a crônica é fugaz como o jornal e assim como ele, destina-se ao consumo diário.

Outra característica a ser destacada é a brevidade. A crônica é um texto curto, breve, justamente em função do suporte textual em que é veiculada: o jornal. O espaço reservado a esse gênero é pequeno, o que leva o cronista a escrever com economia de meios. O espaço maior é reservado para os gêneros jornalísticos mais específicos, como a notícia e a reportagem.

Uma das finalidades da crônica é o entretenimento do leitor, é diverti-lo, característica que nasce também com o jornal, através do folhetim, para amenizar as tensões do leitor, cansado de ler tanta notícia. Outra finalidade, aliada a esta, é provocar a reflexão desse mesmo leitor sobre os assuntos do dia, da atualidade, mas não de forma doutrinária. Ao contrário, o cronista o faz com graça e leveza. Utiliza-se, pois, do humor e da ironia, que sempre foram características marcantes da crônica.

Referindo-se à finalidade da crônica, Cândido (1992, p. 15) afirma que ao longo do tempo, ela “[...] foi largando cada vez mais a intenção de informar e comentar (deixada a outros tipos de jornalismo), para ficar sobretudo com a de divertir.”. Refletir e ou divertir, eis as motivações da crônica atualmente. Para Cândido (op. cit., p. 20), na crônica:

Tudo é vida, tudo é motivo de experiência e reflexão, ou simplesmente de divertimento, de esquecimento momentâneo de nós mesmos a troco do sonho ou da piada que nos transporta ao mundo da imaginação. Para voltarmos mais maduros à vida, conforme o sábio.

Quando falamos de leveza, estamos nos referindo à linguagem utilizada na crônica, que se distancia da formalidade de outros gêneros jornalísticos. O cronista usa uma linguagem mais simples e, por conseguinte, mais acessível e mais próxima

do leitor, sobretudo quando trata dos pequenos fatos ou dos flagrantes do cotidiano. O autor pode trazer para o seu texto as marcas da oralidade: frases ouvidas na rua ou empregadas como bordões por certos personagens da televisão, ditados populares, expressões típicas da fala, inclusive gírias. Em outras palavras, o cronista adota um estilo coloquial de linguagem.

A temática presente, nesse gênero de texto, constitui-se dos assuntos do

cotidiano, como já assinalamos. Estes podem ser os pequenos fatos, as cenas

diárias, mas também podem ser temas mais sérios, como os fatos políticos da atualidade: os casos de corrupção na política brasileira, por exemplo. Vale salientar que não há restrição de assuntos para a crônica, até mesmo a falta de assunto pode tornar-se assunto de uma crônica, o que se tornou comum entre os cronistas. Nela, estão presentes os assuntos de hoje e, até mesmo, os de ontem, como a infância revisitada do cronista. Lopez (1992, p. 167) ressalta que a crônica sempre nasce de um fato real, seja um acontecimento no seio da sociedade, ou um evento da vida particular do cronista. Como exemplo, ele cita “[...] a descoberta que um cronista faz, em um dia determinado, que o cair da chuva lhe restitui emoções ou lembranças de situações antigas ou passadas.”. Se o autor enfatiza a crítica social, seu texto aproxima-se mais da esfera jornalística, se descamba para o lirismo, enfatiza-se aí o aspecto literário.

O ponto de partida para a crônica podem ser as notícias que circulam nas páginas jornalísticas durante a semana. Nelas, o cronista pode buscar a motivação para escrever os seus textos. E é nesse ponto que podemos percebê-la mais perto dos gêneros jornalísticos. No entanto, não só de notícias se faz a crônica, como podemos comprovar com Carlos Drummond de Andrade que, no título de uma de suas obras6, afirma que de notícias e não-notícias faz-se a crônica. O cronista pode buscar motivação nos fatos miúdos do cotidiano, como já afirmamos, e usar o recurso da ficção - o que faz o texto transitar na esfera literária - ou não. Esse mesmo fato miúdo pode ser abordado em forma de comentário reflexivo ou, ainda, unir ficção narrativa e comentário.

Desse modo, gostaríamos de encerrar essa seção reafirmando o caráter ambíguo da crônica, que se move entre duas áreas: o jornalismo e a literatura. Somente por questões didáticas, estamos separando em duas seções, a fim de

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enfatizar os aspectos em que esse gênero de texto mais se aproxima de uma ou de outra esfera da comunicação. Até mesmo o autor que o considera um gênero plenamente definido no jornalismo, e que utilizamos em nossa abordagem, define a crônica como o “relato poético do real” (MELO, 1994, p. 146; 162). Além disso, afirma que “[...] a crônica também é considerada um gênero literário.” (op. cit., p. 159).