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Entre o coloquial e o literário

2 GÊNEROS TEXTUAIS E ENSINO DE LÍNGUA

3 ANÁLISE DAS CRÔNICAS DOS ALUNOS

3.2 Análise das características da crônica

3.2.3 A linguagem na crônica

3.2.3.1 Entre o coloquial e o literário

Como já afirmamos, a linguagem utilizada na crônica é marcada pelo estilo

coloquial, ou seja, por um tipo de linguagem em que são comuns expressões mais

simples, mais acessíveis e, portanto, mais próximas do leitor. Trata-se de uma linguagem que tende a afastar-se do erudito para o coloquial.

Como na crônica pode ocorrer, também, o relato poético do real, seu estilo às vezes é literário, ou seja, o cronista faz uso de uma linguagem mais elaborada, utilizando-se de recursos como a conotação, explorando a metáfora, a metonímia, e outras figuras de estilo, a fim de criar um efeito especial ou particular ao texto.

Nos textos analisados, podemos encontrar alguns exemplos desse tipo de linguagem, como podem ser vistos nos trechos abaixo.

CA -02 – “O mudinho”

“Um dia como outro qualquer, as pessoas pegam o ônibus e é aquele sobe e desce.” (L01 a L02).

“[...] o padre discriminado ajuda o garoto com uns trocados [...]” (L22 a L23).

CA – 03 - “Pânico no ônibus”

“Era uma gritaria só dentro do onibus.” (L13 a L14).

‘[...] o motorista em alta velocidade dar uma freada [...]” (L21 a L22). “[...] graças a você o que graças o motorista [...]” (L27 a L28).

CA -06 – “Os bebos do Miguelinho”

“[...] os quatro fizeram a cotinha e então foram ao butiquim comprar as bebidas [...]” (L05 a L06).

“[...] chegou se sentando no chão e SE morgando [...]” (L19 a L20).

CA – 07 – “Aluna conduzida pelas amigas”

“Passou-se um bom tempo e ela nada de aparecer na escola.” (L19 a L20). “[...] Ela ainda tá naquela de beber e fumar?” (L32 a L33).

“Um dia sua mãe Marta foi à escola orgulhosa de sua filha [...] pensando que era uma aluna exemplar, quebrou a cara.” (L20 a L23).

“De cara, viu uma pessoa que era professora de sua filha [...]” (L23 a L24). “[...] e sua filha drogada rindo e sombando da cara dela.” (L55 a L56).

CA – 08 – “A morena em apuros”

“Chegando no viaduto do baldo subiu uma moça morena de cabelos escuros, olhos claros toda empolgada, só tinha um problema ela era gorda, mais aquela gorda mesmo de subir no ônibus e baixar os pneus.” (L04 a L08).

“O homem puxou pra cá para lá e nada, coitada da morena só fazia chorar [...]” (L17 a L19).

CA – 09 – “A mulher que se entalou”

“Com o passar do tempo a gente foi para a parada esperar o ônibus, o ônibus chegou e entramos, conversa Vai conversa Vem.” (L22 a L25).

“O motorista parou o ônibus no encostamento, e tentou tirar ela de lá, e ele emporava a gorda daqui. O cobrador emporava dali, foi uma confusão só. E nem dos dois conseguia tirar ela de lá.” (L30 a L35).

“[...] o silêncio no ônibus reinou, foi um aperreio lá atrás era uma gritaiada – “ ai meu deus e agora o que vou fazer” – disse uma das bagunceiras.” (L18 a L20).

CA – 11 – “Locura de jovens”

“Novalmente a morena disse no ouvido da outra: - Vamos pular para disfarçar.

A outra disse:

- bora logo! Vamos começar pular” (L23 a L26).

CA – 12 – “Um dia no dentista”

“Só foi Daniely falar isso que Wanessa meteu o bofete na cara de Daniely.”

Podemos observar que a linguagem utilizada nos textos é marcada por um léxico constituído de palavras e expressões cujo uso é mais freqüente no dia-a-dia. Não há preocupação em obedecer a uma rigidez da norma gramatical culta. Expressões como “sobe e desce”, “uns trocados”, “dar uma freada”, “se

morgando”, “sombando da cara dela”, “tirar ela de lá”, são exemplos disso.

Podemos perceber, ainda, o uso de expressões repetidas, próprias da oralidade, como em “pra cá para lá”, “conversa vai conversa vem”, “emporava

daqui [...] emporava dali”, além de construções gramaticais menos formais e bem

mais enfáticas em frases como “[...] graças a você o que graças o motorista [...]”, “[...] e ela nada de aparecer.”; “[...] mais aquela gorda mesmo de subir no ônibus

e baixar os pneus.”. Na expressão “bora logo”, de CA - 11, encontramos a

abreviação de embora, o que é uma forte marca da oralidade e do estilo coloquial. Algumas expressões, além do uso coloquial, foram empregadas em sentido conotativo. Os produtores dos textos usam a metáfora ou a metonímia. Um exemplo da primeira ocorre com a expressão “quebrou a cara”, de CA – 07, quando a personagem se decepciona com o comportamento da filha em relação aos estudos. Um exemplo da segunda pode ser visto em CA – 13 – “Todo dia é a mesma coisa”:

“Nossa que cheiro de feijão queimado: disse Maria, e as outras “fifis” respondem

Nesse caso, as personagens do texto são associadas a uma personagem de uma telenovela brasileira (Dona Fifi), porque têm o mesmo hábito ou característica dela, ou seja, são fofoqueiras como Fifi. Trata-se de um processo metonímico em que utilizamos o indivíduo (Fifi) em vez da espécie ou classe a que ele pertence ou através da qual se tornou conhecido (a das fofoqueiras).

Outros exemplos de linguagem metafórica podem ser encontrados nos trechos de diferentes crônicas, como segue:

“[...] ela como a outra ficou derretidinha, e tentou jogar seu charme, mas ele não lhe deu atenção [...]” (CA – 01, L10 a L12).

“ A mulher parecia um camaleão ficava de tudo que era cor [...]” (CA -03, L20

a L21).

“[...] Emílio foi o único que se salvou, pois bebeu com moderação [...]” (CA -

06, L17 a L18).

“No começo, ela ficava um pouco constrangida mas depois, conseguiram fazê-la entrar no mesmo caminho [...]” (CA – 07, L13 a L15)

“[...] tudo isso por causa de dois times de futebol,mas o futebol era pracer um diversão e não um pesadelo.” (CA – 14, L09 a L11)

“[...] você chega a refletir como é a vida; porque o macaco

se parece com os humanos, por quê a torre do Inimigo é maior que o castelo do príncipe, por quê chaves não tem dinheiro, o bom é viajar. Sem viajar não há alegria, não há psicolo- gia para pensar e curtir a vida.” ( CA 15, L11 a L15).

Nos dois trechos a seguir, podemos encontrar outro recurso da língua utilizado nos textos: a gíria.

“A polícia não tem pena, principalmente dos garotos que anda com peça da torcida [...]” (L18 a L19).

CA – 15 – “A noia da planta verde”

A maconha é uma Planta que veio da terra, é

uma planta que quando agente fuma fica muito doido, tu- do gira, você fica numa noia que se você pensa nisso com certeza vai dar uma dor de cabeça, a tristeza minha é quando eu comprava na favela, os pintas queriam me robar me fazendo terror me pedindo Di- nheiro, e o perigo que, quando você entoca o fumo na sua cueca, a polícia baculejar você, dar um pau em você e você vai pra cadeia. (L01 a L09).

O termo peça é muito comum na linguagem dos grupos adolescentes, inclusive para se referir a camisetas, bonés, das torcidas organizadas dos clubes de futebol, como ocorre em CA – 13.

Em CA – 15, podemos observar diversos termos que costumam ser empregados especificamente pelos marginais, pelos drogados, como “muito doido”, “numa noia”, “os pintas”, “fazendo terror”, “entoca”, “baculejar”, “dar um pau”. Algumas dessas gírias, embora sejam mais específicas desses grupos, acabam sendo empregadas por outros grupos sociais.

Podemos observar, portanto, que a linguagem utilizada pelos agentes produtores dos textos é marcada por um estilo coloquial e literário, embora com predominância do coloquial, conforme vimos nos trechos analisados. É provável que a forte presença desse estilo esteja relacionada ao perfil dos agentes produtores: alunos adolescentes de primeiro ano do ensino médio que, na escrita, utilizam expressões da oralidade, empregadas no seu próprio dia-a-dia. Além disso, o encaminhamento de produção textual que lhes foi oferecido recomendava esse tipo de linguagem. Vale salientar, também, que esse aspecto da linguagem não foi muito explorado nas três crônicas apresentadas como modelo aos alunos. Também não houve revisão nem reescrita dos textos produzidos por eles.

Em relação, ainda, à linguagem literária, encontramos outros exemplos, com destaque para CA – 04 - “Lucas numa fria” (ver p. 118), em que o aluno parafraseia uma crônica já existente na literatura brasileira – “Titia em apuros” de Carlos Eduardo Novaes. Por isso, fazemos aqui uma comparação entre a linguagem utilizada nesses dois textos, a fim de evidenciar esse aspecto comentado:

“Não sei se é uma maré de azar que sempre mim persegue [...]” (L06 – texto

do aluno).

“Não sei se é uma maldição que persegue nossa família [...]” (texto-fonte).

“Qualquer cego perceberia que Lucas, com sua cabeça de planeta, não caberia dentro daquele boné [...]” (L18 a L20 – texto do aluno).

“Qualquer vesgo verificaria que tia Valda, com seu corpo de halterofilista búlgara, não caberia dentro daquela camisa.” ( texto-fonte).

“O vendedor, porém, com muita conversa mole, veio dizendo [...]” (L20 a

L21 – texto do aluno)

O escritor não utiliza linguagem figurada nesse trecho: “O vendedor, porém,

veio com a conversa de que o fabricante fazia números maiores [...]”.

Algumas expressões utilizadas no texto-fonte foram mantidas, como no exemplo:

“O vendedor logo despejou um monte de bonéis na sua frente.” (L 08 a L09)

– texto do aluno

“[...] e o vendedor logo despejou um monte de camisas à sua frente.” – texto-

fonte

Percebemos, também, que, em alguns trechos, o aluno usou palavras ou expressões sinônimas para não repetir as do escritor Carlos Eduardo Novaes, como nos exemplos seguintes:

“Qualquer cego perceberia [...]” (L18) – texto do aluno.

“Lucas preparou e encheu os pulmões e gritou: [...]” (L30) – texto do aluno. “[...] encheu os pulmões e berrou:[...]” – texto-fonte.

“Não tinha, mais para não perde a venda [...]” (L16 a L17) – texto do aluno.

“Não tinha, mas para não perder a comissão [...]” – texto-fonte.

“- Que coisa não temos seu tamanho nesse modelo – falou o vendedor, calmo e sereno.” (L04 a L05) – texto do aluno .

“- Infelizmente não temos o seu tamanho nessa cor – respondeu o vendedor, solícito.” – texto-fonte.

Como foi visto acima, a linguagem empregada nos textos dos alunos apresenta um estilo mais coloquial que literário. Isso reflete o fato de que esse aspecto não foi muito explorado nas três crônicas oferecidas como modelo aos alunos. Além disso, não houve revisão nem reescrita dos textos produzidos por eles.