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2 GÊNEROS TEXTUAIS E ENSINO DE LÍNGUA

2.5. O gênero textual crônica e suas origens

2.5.1. Do folhetim à crônica

A crônica enquanto gênero textual tal como conhecemos hoje, ou seja, a crônica moderna, passa a ser cultivada a partir do século XIX, quando se liberta de

sua conotação historicista, conforme assinalamos anteriormente. Ela tem como suporte primeiro o jornal e não o livro, uma vez que a imprensa da época desenvolvia-se vultosamente, e o jornal cada vez mais ganhava espaço entre os leitores. Na verdade, sua forma embrionária surge com o folhetim (do francês

feuilleton), cujo aparecimento data de 1799, com Jullien-Louis Geoffroy, no Journal de Débats, publicado em Paris (MOISÉS, 2003, p. 102 ). Julien-Louis era professor

de retórica e escrevia diariamente para o jornal, fazendo a crítica da atividade dramática daquela época. Evidentemente, essas crônicas, como já afirmamos, tinham, ainda, um caráter embrionário, e foram reunidas em seis volumes, intitulados

Cours de Littérature Dramatique (1819-1820).

Para a maioria dos autores que consultamos em nossa pesquisa: Moisés (2003); Coutinho (1987); Bender e Laurito (1993); Sá (2005); Melo (1994); Meyer (1992); Lopez (1992); Cândido (1992), é ponto pacífico que a crônica surge do folhetim - um espaço reservado nos jornais para tratar de assuntos menos “graves”, como os que motivavam as notícias e as reportagens. Tratava-se de um espaço destinado ao entretenimento do leitor. Tal espaço era o rodapé, em geral da primeira página do jornal, era o rés-do-chão ( rez-de-chaussée, entre os franceses). Tratava- se, ainda, de um espaço vale-tudo, no dizer de Meyer (1992), pois nele se inseriam todos os assuntos, todas as modalidades de produção escrita destinadas a divertir o leitor ou a, pelo menos, aliviá-lo do peso das notícias e das reportagens graves impressas nas páginas jornalísticas.

Nele se contam piadas, se fala de crimes e monstros, se propõem charadas, se oferecem receitas de cozinha ou de beleza; aberto às novidades, nele se criticam as últimas peças, os livros recém saídos, o esboço do Caderno B, em suma. (MEYER, 1992, p. 96)

Além disso, o espaço geográfico do folhetim, no jornal, acolhia, também, a ficção literária. Muitos autores publicavam aí seus textos, treinando a narrativa. Como se vê, a variedade de assuntos era imensa. Martins Pena (apud MEYER 1992, p. 97), para se referir a esse fenômeno, fala em “sarrabulho lítero-jornalístico”.

Mas o folhetim evolui com o tempo, de forma que alguns assuntos começam a ganhar espaço próprio semanalmente. Assim, para a crítica de teatro, havia o

feuilleton dramatique; para a resenha de livros, littéraire, por exemplo.

Bender; Laurito (1993), discorrendo a respeito do folhetim, resumem esse gênero jornalístico em folhetim-variedades e folhetim-romance. O primeiro abordava

assuntos diversos da época, tratava de tudo um pouco e ocupava a primeira página do jornal. Também era chamado de Variedades. Já o segundo destinava-se aos textos de ficção, notadamente os romances, publicados pelos autores da época.

Os donos de jornais vêem no folhetim uma forma de alavancar as vendas, aumentar as assinaturas e, por conseguinte, ampliar as vantagens financeiras.

Lançando a sementeira de um boom lítero-jornalístico sem precedentes e aberto a formidável descendência, vai se jogar ficção em fatias no jornal diário, no espaço consagrado ao folhetim vale- tudo. (MEYER, 1992, p. 97).

Muitos romances eram publicados em folhetim, em fatias seriadas, o que garantia o sucesso das edições e, evidentemente, o retorno financeiro aos donos de jornal, pois o público leitor ficava atento ao “continua amanhã” ou ao “continuação”, ávido por saber como continuavam e tinham cabo os romances ali publicados. Assim, o espaço da primeira página, antes ocupado pelas Variedades, passa a ser ocupado pelo folhetim-romance. As variedades são publicadas nos rodapés das páginas internas do jornal. No Brasil, inicialmente, os folhetins traduziam os romances estrangeiros, sobretudo os franceses, mas, em seguida, passaram a publicar os romances de nossos autores, como O guarani, de José de Alencar,

Memórias de um sargento de milícias, de Manuel Antônio de Almeida, só para citar

dois exemplos de escritores do Romantismo brasileiro.

O escritor de folhetins, em especial o de variedades, precisava estar atento aos acontecimentos e registrá-los nas páginas dos jornais, mas devia abordá-los de forma ligeira e atraente para, desse modo, conquistar o público leitor. Afinal, o espaço reservado no jornal para esses textos era pequeno. Além disso, sua função era aliviar um pouco as tensões do leitor - já tão massacrado pelo peso e pela formalidade das notícias.

O fato é que, ao longo do tempo, os folhetins foram diminuindo, pois a imprensa cada vez mais desenvolvia-se, e os diversos assuntos tratados num só espaço - o do folhetim - foram ganhando colunas próprias.

A crônica, em seu formato atual, conserva dos antigos folhetins este princípio básico: registrar o circunstancial (SÁ, 2005, p. 6). Em outras palavras, o cronista registra os fatos do cotidiano, os pequenos acontecimentos do dia-a-dia que poderiam passar despercebidos. Como nos folhetins, ainda, a crônica conserva a marca do entretenimento ao leitor, redigida num tom mais ameno, inclusive

humorístico. Como disse o cronista Luís Martins (1978 apud BENDER ; LAURITO 1993, p. 23), “[...] a crônica é um folhetim que encurtou.”.

No Brasil, assim como na França, a crônica, no formato em que a conhecemos, tem sua origem no folhetim. Segundo Coutinho (1987, p. 792), a crônica brasileira começa com Francisco Otaviano, no Jornal do Comércio, no Rio de Janeiro, em 2 de dezembro de 1852. Nessa data, esse autor inaugura a seção “A semana”, onde seriam publicados os folhetins literários do Romantismo.

Em seguida, outros autores se lançam na produção escrita folhetinesca. É o caso do escritor José de Alencar, que publica seus textos no Correio Mercantil, entre 1854 e 1855, na seção “Ao correr da pena”. Outros autores seguem a mesma trilha em suas publicações. A título de exemplo, citamos alguns, apontados pelos estudiosos do assunto: Machado de Assis, Joaquim Manuel de Macedo, João do Rio, Carlos Drummond de Andrade, Rubem Braga, Rachel de Queiroz, Olavo Bilac, Fernando Sabino, Paulo Mendes Campos, Carlos Eduardo Novaes, dentre muitos outros.