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2.2. O que é ser coreano

2.2.2. A Cultura e Identidade Coreana

Com a globalização e suas facilidades de comunicação e, consequentemente a transmissão dos valores culturais, observa-se que as diferentes culturas e os diferentes costumes podem interagir sem a necessidade de uma integração territorial. Mas, no caso da República da Coreia que teve uma integração territorial durante o período da colonização japonesa42 e a presença de bases militares americanas durante e pós Guerra da Coreia43, conheceu a dominação cultural, de modo que alguns centros economicamente dominantes transmitem em maior número os seus elementos culturais. E então, é possível dizer que a Coreia passou pela padronização cultural, isto é, pela homogeneização44 das culturas? Ou seja, a cultura japonesa e americana – expostas no território coreano – tiveram influência na construção da singularidade da música, arte, língua, arquitetura, história, esporte etc. da Coreia e, por isso, torna-se inevitável a necessidade de saber o que é “ser coreano”?

Tak Sok San45 - filósofo coreano que estuda a identidade coreana – aponta o perigo em tornar a unicidade em universal. Isto é, devido à privação

42 Depois da Segunda Guerra Sino-Japonesa e da Guerra Russo-Japonesa, a Coreia passou a ser parte do domínio japonês (1910-1945). Yutaka Kawasaki (1996). “Was the 1919 Annexation Treaty Between Korea and Japan Concluded Legally?” Murdoch University Electronic Journal of Law. Consultado em 9 de outubro de 2016.

43 No final da Segunda Guerra Mundial, as forças japonesas se renderam às forças da União Soviética, que ocuparam o norte da Coreia (atual Coreia do Norte), e dos Estados Unidos, que ocuparam a parte sul (atual Coreia do Sul). Em 1948, como consequência da divisão da península entre soviéticos e estadunidenses, sugiram duas novas entidades que permanecem até hoje: a Coreia do Norte e a Coreia do Sul. No Norte, um guerrilheiro anti japonês chamado Kim Il-Sung obteve o poder através do apoio soviético; no Sul, um político de direita, Syngman Rhee, foi nomeado como presidente. “Guerra da Coreia”. Encyclopedia Britannica. 2003. Consultado em 2 de julho de 2016.

44 Homogeneização das culturas, isto é, a padronização dos modos de ser e agir dos indivíduos com base em uma referência dominante, fazendo sucumbir os valores locais e tradicionais. Um exemplo disso é a chamada Indústria cultural, termo criado por sociólogos no início do século XX, mas que se mantém atual. Essa indústria é capaz de gerar e controlar os padrões de comportamento e os costumes das pessoas, como as roupas, os padrões de etiqueta e comportamento, as atividades de lazer que exercem etc.Por esse motivo, muito se fala em uma. Nesse sentido, muitos acusam o processo de globalização de ser um sistema perverso, uma vez que ele não se democratiza inteiramente e só atinge os setores economicamente dominantes do mundo e das sociedades.

45 (Tak Sok San) – Dr. em filosofia pela universidade de HUFS (Hankuk Universtity Foreign Studies) e hoje atual professor no pós-doutorado de filosofia em HUFS. Escreveu o livro 한국의

de separar o cotidiano com a singularidade do coreano quando a cultura americana está tão incorporada na sociedade coreana, como, por exemplo, a cultura de fast food, Coca-cola e o vestuário de camisa e calça jeans (que foge das vestes típicas do país em questão), critica ele o pensamento da sociedade coreana em achar que “quanto mais universal, mais coreano”. Quando se procura o diferencial do ser coreano, a referência é o ser estadunidense ou o “american way of life”. No primeiro volume da sua obra, “Identidade Coreana”, o filósofo descreve que no mundo cinematográfico coreano – apesar de ter o discurso que precisa propagar a singularidade coreana – na prática é o contrário, pois o parâmetro é a cultura hollywoodiana americana e, por isso, se preocupam em como trazer a “americanez” na cinematografia para ser mais eficaz no mercado de cinematográfico15. Portanto, responder o que é ser coreano apenas na perspectiva de o que difere do influenciador, tendo em conta a globalização e a democracia americana como regime político durante a Guerra da Coreia, também é limitado.

A ocidentalização após a ocupação dos EUA no território coreano tem sido percebida como uma influência disseminada e aceleradora. É processo bilateral, no qual às influências e interesses ocidentais junta-se o desejo de pelo menos algumas partes dos coreanos, de mudar no rumo de uma sociedade mais ocidentalizada, na esperança de alcançar um padrão de vida ocidental ou alguns aspectos dele. Essa adoção de alguns elementos da cultura americana pelos coreanos é uma aculturação ou assimilação. Esse conceito sofre ainda uma visão negativa em relação a aculturação de uma cultura minoritária por uma cultura dominante.

A assimilação, pois, é a redução a outra civilização de um grupo humano ou menos numerosos de indivíduos, o qual abandona todos os laços culturais anteriores, adquirindo novos que lhes são transmitidos pelo grupo humano em contato com o qual ele é posto. (Truzzi, 2012: 532)

정체성 (Identidade Coreana) em dois volumes, o primeiro publicado em 2010 e o segundo em 2016. O primeiro volume o autor, como filósofo, apresenta o que deve se pensar e levar em consideração quando se pensa sobre identidade coreana fazendo o exercício de o que difere o coreano do outro. Já no segundo volume, de forma de ensaios, ao mostrar a perspectiva do outro, leva o leitor a pensar como conciliar a perspectiva do eu e do outro.

Tal qual exposta por Ellis Jr., o conceito de assimilação toma como premissa a desigualdade e hierarquização entre as raças e parte que uma raça é superior que a outra. Mas Oswaldo Truzzi reconceitua como assimilação segmentada e defende a relevância da assimilação desde que seja alijado de suas conotações e evitando o etnocentrismo implícito (Truzzi, 2012, p: 532-534).

Outra distinção que o filósofo faz para o seu estudo é separar identidade de auto estima ou dignidade da pessoa através de uma ilustração de dois casos. O primeiro caso seria de ter autoestima: o coreano sentir-se traído por ter gostado da música sem saber que era o plágio da música japonesa. E, o segundo caso, é de identidade: o coreano sabe que a música foi plagiada pela música japonesa e, por isso não se identifica e não tem o sentimento da traição, pois reconhece que tem os elementos da cultura japonesa na música que foi cantada em sua língua.

No primeiro caso é a questão histórica, o sentimento que aflinge o coreano ao descobrir que estavam apreciando a música que foi plagiada da nação que os colonizou e massacrou. Envolve sua história sofrida, o sentimento de traição e de irreverência da sua pessoa, que torna equívoco cantar a música que foi plagiada sem saber. Já no segundo caso, a questão é de identidade, a qual muitas vezes, para os coreanos, é somado como insulto em relação da dignidade e honra. Tem-se conhecimento de que a música tinha origem japonesa, e então deixou de ser uma questão de menosprezo da dignidade, e apenas a não identificação com a música.

Essa confusão é comum no âmbito da linguagem coloquial, mas quando se estuda a raiz das palavras46, a diferença é precisa e torna a distinção que o filósofo Tak faz mais persuasiva. “정 체 성” e “주 체 성” são identidade e dignidade, respectivamente. Como é visível, os dois últimos ideogramas das

46Os coreanos têm o ideograma chinês como raiz da sua língua, portanto tem o mesmo princípio da formação de uma palavra. A contrário do alfabeto latino, em que uma letra identifica um som, mas não dá qualquer informação sobre seu significado; no “alfabeto” chinês cada ideograma tem seus significados, porém. Cada ideograma chinês normalmente corresponde a uma “sílaba”.

ambas palavras são os mesmos (체성47) tendo somete a diferenciação do primeiro ideograma. O primeiro ideograma da palavra identidade vem da palavra “correta”, “honesta”. Portanto, a palavra identidade tem o sentido de estar consciente de que não se altera a natureza da existência, pois não depende das condições exteriores. Já a palavra pundonor vem da palavra proprietário, ou seja, o pundonor tem o sentido de agir em legítima determinação segundo o seu caráter e propriedade. Em vista disso, se a identidade é um estado de natureza de existência, o pundonor é uma ação que faz segundo o caráter e propriedades da essência do indivíduo.

Quando se entende a diferença das palavras e a história sofrida da Coreia, compreende-se o hábito costumeiro do coreano de remeter às condições históricas ao invés da essência, interior subjetivo, do estado de existência, quando questiona o que é ser um coreano. Então, ao invés de partir do outro, o filósofo visa a particularidade do coreano, que segundo ele, é a língua. Apesar dos significados das palavras terem origem chinesa, a Coreia tem o seu próprio ideograma. O exemplo que o autor traz é o coreano mostrar com sua escrita como o que difere do chinês e do japonês, pois estes usam o mesmo ideograma. Isto posto a buscar a particularidade, seja na música, arte ou arquitetura para responder quem é o coreano.

Kang Jun-Man (2006), um estudioso da sociedade coreana, também busca as peculiaridades da nação a fim de conhecer quem é o coreano, pois para ele, devido à influência do ocidente e por conta da conturbação na história da Coreia, a invasão estrangeira, que ocasionou o contato com outras culturas via colonialismo e imperialismo, e do contexto mundial de globalização, ocasionou um limite na identificação de um coreano.

Não se sabe em que remeter quando questionado sobre “quem é o coreano”, ou seja, se é a história, a tradição ou cultura (que está cada vez mais ocidentalizada), e se o que deve ser levado a diante, devido à confusão da precisão de identidade, é uma avaliação das principais condições e características de um coreano. Em sua obra18, ele oferece autorreflexão e

47 Segundo ideograma: 체é de 몸체, tem origem da palavra corpo. E terceiro ideograma: 성 é 성품 성, origem da palavra caráter.

práticas para sobreviver na concorrência global feroz na Coreia e aponta as cinco caraterísticas do coreano: invariável, centrado, intenso, inquieto e dinâmico, os quais ele chama de “Código de Coreanos”.

Quando se observam estes cinco códigos, é possível ver a relação do Yin Yang, o equilíbrio e a harmonia dos opostos nas características dadas pelo autor como na bandeira e o hino nacional coreana. Portanto, o que uniformiza ou hegemoniza o ser coreano é, como diz Kang, os traços peculiares de um estranho equilíbrio de atributos opostos. Além disso, como diz Tak (2000), trazer o aspecto da memória como elemento essencial para formação de identidade.