• Nenhum resultado encontrado

2 O ANTIILUMINISMO ÉTICO E A ÉTICA DAS VIRTUDES

2.1 SOBRE A RE-COLOCAÇÃO DA VIRTUE ETHICS

2.1.4 A dívida filosófica de MacIntyre ao pensamento de

A repercussão do pensamento de Gertrude Anscombe no itinerário filosófico de MacIntyre é bem relevante. O desenvolvimento da crítica deste último ao projeto moderno de fundamentação da moralidade segue uma linha de pensamento que encontra ressonâncias com os argumentos de Filosofia Moral Moderna. Contudo, a vinculação de MacIntyre com o pensamento marxista e com as ciências sociais proporcionaram aprofundamento e amadurecimento ao seu pensamento, conforme afirma Jorge Garcia:

A crítica de MacIntyre da filosofia moral moderna, mesmo com todas as semelhanças, não apenas é um simples recapitular de Anscombe. Sua crítica é mais detalhada e profundamente influenciada por seus vínculos com o marxismo e sua leitura das ciências sociais (Cf. GARCIA, 2003. p. 95 )11.

O ponto de convergência entre a Gertrude Anscombe e MacIntyre reside, pois, no questionamento e na rejeição à moral moderna. Conforme Ernst Tugendhat (2007)12, sãoantiiluministas éticos os autores que assumem este posicionamento. Outra aproximação entre os dois autores é o realce na distinção entre o modus

operandi da ética antiga e moderna e a opção pela moral das virtudes. Talbot Brewer

salienta que, tanto Gertrude Anscombe quanto MacIntyre, enfatizam “uma estranheza fundamental, aos ‘ouvidos’ modernos, dos conceitos básicos através dos quais Aristóteles e outros antigos medievais cercaram sua investigação sobre a virtude o a felicidade humana” (BREWER, 2009. p. 2 )13. Em síntese, é possível afirmar que o

11“MacIntyre's critique of modernist moral philosophy, for all these similarities, does not at all simply

recapitulate Anscombe's. His criticism is more detailed, deeply informed by his ties to Marxism and his reading the social sciences”.

12Sobre o antiiluminismo ético, conferir a décima lição, intitulada o antiiluminismo ético: Hegel e a escola

de Ritter, cf: Aftervirtue. Third edition. Notre Dame: Notre Dame Press, 2007, p. 197-224.

13“The two texts that are most widely cited as the starting points and the inspiration for the movement

are Elizabeth Anscombe's "Modern Moral Philosophy" and Alasdair MacIntyre's After Virtue. Both Anscombe and MacIntyre emphasize the fundamental strangeness, to modern ears, of the basic

antiiluminismo ético e a opção pelas virtudes são elementos dos quais MacIntyre é herdeiro de Gertrude Anscombe.

O fato de ser devedor de um pensamento não implica numa simples repetição. Já foi mencionado que a análise de MacIntyre é enriquecida por sua proximidade com o marxismo e com as ciências sociais. O elemento antropológico é a segunda distinção relevante entre os autores. Segundo David Carr e Jan Steutel (cf. 1999, p. 162-163), Gertrude Anscombe acreditava ser possível tomar como ponto de partida uma concepção de homem ao modo de Aristóteles, na forma de uma psicologia filosófica que permitisse estabelecer relação entre atos, virtudes e fim do homem. Por seu turno, em Depois da Virtude, MacIntyre procura evitar o que chama de biologia metafísica de Aristóteles: “Aristóteles escreve como se os bárbaros e os gregos tivessem natureza fixa e, ao encará-los assim, ele nos traz de volta o caráter não histórico de sua compreensão de natureza humana” (MACINTYRE, 2001b, p. 270).

MacIntyre parece não adotar esse modelo antropológico porque esta seria uma forma a-histórica e a-cultural de considerar o homem, o que não poderia ser sustentado do ponto de vista das ciências sociais e, além disso, destoaria da perspectiva metodológica de Depois da Virtude. Esse talvez seja o motivo pelo qual

Depois da Virtude careça de uma teoria dos atos humanos. Este fato abre espaço à

crítica de que MacIntyre dá pouca importância à relação entre atos e virtudes. O que seria, de certo modo, fundamental à moral as virtudes. Posteriormente, o próprio MacIntyre refaz sua posição em relação à biologia metafísica de Aristóteles:

Em Depois da virtude tentei dar conta do lugar das virtudes, entendidas como Aristóteles as entendeu, dentro de práticas sociais, das vidas de indivíduos e das vidas das comunidades, fazendo com que tal abordagem fosse independente do que chamei de “biologia metafísica” de Aristóteles. Embora haja de fato boas razões para repudiar elementos importantes da biologia de Aristóteles, creio agora que estava errado ao supor que fosse possível haver uma ética independente da biologia — e estou grato àqueles críticos que me objetaram quanto a isso [...] (MACINTYRE, 1999, Preface X)14.

concepts through which Aristotle and other Ancient Medieval thinkers framed their inquires into virtues and the human good”.

14“In After Virtue I had attempted to give an account of the place of the virtues, understood as Aristotle

understood them, within social practices, the lives of individuals and the lives of communities, while making that account independent of what I called Aristotle’s “metaphysical biology.” Although there is indeed good reason to repudiate important elements in Aristotle’s biology, I now judge that I was in error in sopposing an ethics independent of biology to be possible – and I am grateful to those critics who distintct […]”.

Finalmente, fazem-se necessárias algumas considerações ao final deste capítulo. A partir da síntese de Rosalind Hursthouse, vê-se que a recolocação Ética das Virtudes se impõe dadas as questões morais que não se encontram contempladas pelas morais deontológicas ou utilitaristas; a síntese de Gertrude Anscombe dá início ao movimento de retorno à Ética das Virtudes e estabelece relevante influência na ulterior crítica de MacIntyre à filosofia moral moderna, como também, na assunção da Moral das Virtudes; o movimento denominado Virtue Ethics mantém vivo o debate ético na contemporaneidade e abriu a possibilidade de pensar a Moral das Virtudes como mais uma via pensamento na filosofia moral de língua inglesa e na filosofia moral como um todo.

A seguir, deve-se apresentar como o pensamento de MacIntyre se insere na tradição da Ética das Virtudes. Primeiramente, em seus questionamentos à Filosofia Moral Moderna e, secundariamente, como teórico de uma Ética das Virtudes à contemporaneidade.

3 A CRÍTICA DE MACINTYRE AO PROJETO MODERNO DE FUNDAMENTAÇÃO