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5 RECONCILIAÇÃO ENTRE O PENSAMENTO CRISTÃO

5.3 TOMISMO E ÉTICA DAS VIRTUDES

5.3.2 O lugar das virtudes na teologia e sua explicitação

5.3.1.3 A explicitação do conceito de virtude e a releitura tomista

5.3.1.3.4 A unidade das virtudes e conexão entre as virtudes

A unidade das virtudes em Tomás de Aquino pode ser encontrada naquilo que ele intitula a conexão entre as virtudes. Com efeito, está ideia de interdependência entre as virtudes, até então pouco tematizada no âmbito da Ética das Virtudes, é o que dá inteligibilidade a uma consolidação da unidade do caráter moral de um agente. André Comte-Sponville critica a ideia de em um estudo sobre a moral se tematizar sobre as paixões e os vícios: “e o que é mais digno de interesse, na moral,

que as virtudes? Assim como Spinoza, não creio haver utilidade em denunciar os vícios, o mal, o pecado. É a moral dos tristes, e uma triste moral” (COMTE-SPONVILLE, 1995, p. 7). Contrariamente a afirmação do autor, é relevante compreender que a consideração sobre as paixões, muito mais do que uma fuga que realmente importa, contrariamente ao que diz André Comte-Sponville, constitui-se como um reconhecimento do modo como a razão se relaciona com os apetites. Tomás de Aquino sabe e afirma que, em relação aos apetites, a razão não pode agir na forma de um “poder despótico”, mas age na forma de um “poder político”, no qual as decisões são tomadas como resultado de um longo e contínuo diálogo entre forças contrárias:

A parte apetitiva obedece à razão não ao menor aceno, mas com certa resistência. Razão porque o Filósofo diz que ‘a razão rege a potência apetitiva com poder político’, tal qual se governam as pessoas livres, que têm certos direitos de oposição (AQUINO, Tomás de. S Th., I-II, q. 58, a.2)100.

A necessidade de se conhecer as paixões e os vícios se impõe porque, mesmo podendo conduzir o ser humano à vida boa, a vontade humana permanece falível, sendo assim, deve-se saber sobre as virtudes e sobre o seu oposto porque estas são, de certo modo, realidades quotidianas ao indivíduo. Com efeito, pelas paixões, é possível condicionar o exercício da vontade livre, caso estas potências sejam atualizadas na forma de vícios.

Outro dado relevante é que a compreensão acerca das paixões ainda proporciona a consciência da relação entre as paixões e suas virtudes correspondentes. Isto é, cada paixão suscita o exercício de uma virtude que lhe é apropriada. Dessa afirmação, podem-se concluir duas coisas: a primeira é a de que a diversidade das paixões causa a diversidade das virtudes morais; e a segunda é a de que o catálogo das virtudes é fundamentado nas necessidades concretas do ser humano. Assim, contra ao que André Comte-Sponville coloca, o estudo sobre as paixões, muito mais do que uma moral dos tristes, constitui-se num reconhecimento desta unidade que é o homem e de como as virtudes não se ligam a ele acidental.

Uma decorrência necessária unidade das virtudes é a ideia de que as virtudes estão conectadas umas às outras. A ideia de Tomás é fazer entender que, se pelas

100 “Pars enim appetitiva obedit rationi nom omnimo ad notum, sed cum aliqua contradictione: unde

Philosophus dicit, in I Polit, quod ratio imperat appetitivae principatu político, quod scilicet aliquis praeest liberis, qui habent ius in aliquo contradicendi”.

virtudes consideradas separadamente, o homem possui a perfeição de suas potências, a prática das virtudes mostrará que umas não serão possíveis sem as outras. Ora, se na arquitetura da antropologia tomista todas as virtudes recebem uma iluminação pela virtude intelectual da prudência, de modo que, ao final, todo o agir do homem virtuoso está relacionado à reta razão, deve-se aceitar também que todas as virtudes estão relacionadas e conectadas.

A conexão das virtudes a partir do Comentário a Ética a Nicômacos mostra como a parte racional do homem atua relacionada à vontade e como existe uma relação de interdependência entre as virtudes:

Duas coisas são asseguradas na obra da virtude. Uma é que o homem tenha uma intenção correta para o fim, o que a virtude moral providencia, inclinando a faculdade apetitiva para um fim próprio. A outra é dada pela prudência, a qual dá bons conselhos, julga, e ordena os meios para o fim (D’AQUIN, Thomas, Commentary on Aristotle's

Nicomachean Ethics, VI, 10, 1269, 1993)101.

Essas duas potências são partes essenciais das ações virtuosas, a prudência aperfeiçoando a parte racional, e a virtude moral a parte apetitiva. A prudência não pode existir sem virtude moral, bem como a virtude moral não pode existir sem a prudência. João Hobuss acrescenta que “o mesmo se dá com as virtudes morais, pois enquanto a prudência garante a bondade dos meios, as virtudes morais garantem a retidão do fim, isto é, a obra da virtude é assegurada por ambas, tanto a prudência quanto as virtudes morais” (HOBUSS, 2011). Desse modo, entende-se que uma ação virtuosa necessita da conexão entre as virtudes.

Possui particular relevância a posição tomista de que todas as virtudes dependam da caridade. Sua tese provém do posicionamento fundamental da Tradição Bíblica que defende que entre as virtudes teologais a caridade é a virtude mais importante. Tomás de Aquino afirma que “as virtudes morais infusas estão ligadas entre si, não só por causa da prudência, mas também da caridade e quem perde a caridade pelo pecado mortal, perde todas as virtudes morais infusas” (AQUINO, Tomás.

S. Th., I-II, q.65, a.3)102. A afirmação de Tomás de Aquino leva a concluir uma coisa: a

101 “Two things are needed in a work of virtue. One is that a man have a right intention for the end, which

moral virtue provides in inclining the appetitive faculty to a proprer end. The other is to be well disposed towards the means. This is done by prudence, which gives good advice, judges, and orders the means to the end”.

102 “Quod virtutes morales infusae non solum habent connexionem propter prudentiam; sed etiam

propter caritatem. Et quod qui amittit caritatem per peccatum mortale, amittit caritatem per peccatum mortele, amittit omnes virtutes Morales infusas”.

unidade e a conexão entre as virtudes não é um feito exclusivo da racionalidade, mas é uma condição proporcionada pelo ato de amor que é a caridade.

A organização da conexão entre as virtudes, a partir de Tomás de Aquino, obedece a seguinte ordem: primeiramente, há conexão das virtudes intelectuais entre si por meio dos primeiros princípios (cf. AQUINO, Tomás de, S. Th. I- II, q. 65, a.3). Já a conexão entre as virtudes intelectuais e as virtudes morais se dá por meio da prudência. Com efeito, é justamente por meio da relação existente entre a prudência e as virtudes morais que se dá a harmonização entre razão e o apetite, denominado de desejo refletido. Por fim, a conexão entre as virtudes morais e as teologais se dá por meio da caridade e, por obra de sua atuação, as virtudes humanas se tornam mais perfeitas. Cabe afirmar que esta última conexão entre as virtudes teologais e as virtudes morais é resultado da síntese tomista entre a tradição bíblica e o aristotelismo. Cabe verificar, ainda, outras relações entre estas duas tradições.