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Como já mencionado, coube à Comissão de Direitos Humanos da Organização das Nações Unidas, a formulação de uma Carta Internacional de direitos humanos, a qual serviu de base para a definição da Declaração Universal dos Direitos Humanos. Assim, em 10 de dezembro de 1948, em Paris, foi proclamada pela Assembleia Geral da ONU a Declaração Universal dos Direitos Humanos, destacando a concepção contemporânea desses direitos. Nas palavras de Flávia Piovesan (2009, p. 200), “marcada pela universalidade, integralidade e interdependência de direitos. Esta

concepção passa a ser o norte valorativo a inspirar a pavimentação ética da ordem jurídica internacional e interna.”

A Declaração Universal dos Direitos Humanos foi a culminância de um processo de reconhecimento universal da igualdade humana, o que somente foi possível, de acordo com Comparato (2001, p. 228), “quando, ao término da mais desumanizadora guerra de toda a História, percebeu-se que a ideia de superioridade de uma raça, de uma classe social, de uma cultura ou uma religião, sobre todas as demais, põe em risco a própria sobrevivência da humanidade.”

A importância da Declaração Universal dos Direitos Humanos ultrapassa em muito os direitos que protege. É que a Declaração, hoje compreendida como norma cogente, possui uma dimensão simbólica extraordinária: é uma espécie de pacto jurídico-político global. Esta é a sua dimensão mais importante e mais duradora. Com isto, não se está dizendo que, tecnicamente, ela é mais do que é: uma recomendação da Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas para seus Estados-membros. Ao contrário, é evidente que se conhece esta dimensão e a fragilidade de sua força vinculante.

Contudo, como destaca Comparato (2001, p. 227), que este entendimento peca por excesso de formalismo, pois se reconhece hoje, por toda parte, que a vigência dos direitos humanos independe de sua declaração em constituições, leis e tratados internacionais, exatamente porque se está diante de exigências de respeito à dignidade humana, exercidas contra todos os poderes estabelecidos, oficiais ou não. Esta perspectiva anti-formalista é reforçada por Dalmo de Abreu Dallari. Este defende que (2008, p. 15):

O respeito pela dignidade da pessoa humana deve existir sempre em todos os lugares e de maneira igual para todos. O crescimento econômico e o progresso material de um povo têm valor negativo se forem conseguidos à custa de ofensas à dignidade dos seres humanos. O sucesso político ou militar de uma pessoa ou de um povo, bem como o prestígio social ou a conquista de riquezas, nada disso é merecedor de respeito se for conseguido mediante ofensas à dignidade e aos direitos fundamentais dos seres humanos.

Adotada e proclamada especificamente na terceira sessão da Assembleia Geral das Nações Unidas, em Paris, na data de 10 de dezembro de 1948, sob a forma de resolução da Assembleia, a Declaração Universal estabelece, em seus trinta artigos, os direitos essenciais de todos os seres humanos. Por isso, a Declaração se alicerça na busca da justiça e da paz no mundo, e cristaliza 150 anos de luta pelos Direitos Humanos (HUNT, 2009). Sem contradições, é um dos marcos mais importantes na

história de (re) construção desses direitos.

Apesar da importância da Declaração, segundo Ramos (2012, p. 26), “ocorre que, de acordo com a Carta da ONU, uma resolução da Assembleia Geral não possui força vinculante”. Ou seja, a Declaração não é um tratado, e, portanto, não possui força de lei. De fato, tal condição impulsionou os trabalhos de redação de novos tratados internacionais, entre eles, o Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos, e o Pacto Internacional de Direitos Econômicos, sociais e culturais, que serão mencionados posteriormente.

A autora Flávia Piovesan, em sua obra “Direitos Humanos e o Direito Constitucional Internacional”, traz importante menção feita por Roosevelt, à época representante da Comissão de Direitos Humanos e representante dos Estados Unidos:

Ao aprovar esta Declaração hoje, é de primeira importância ter a clareza das características básicas deste documento. Ele não é um tratado; ele não é um acordo internacional. Ele não é e não pretende ser um instrumento legal ou que contenha obrigação legal. É uma declaração de princípios básicos de direitos humanos e liberdades, que será selada com a aprovação dos povos de todas as nações (2004, p. 152).

Há autores, no entanto, que entendem que a Declaração Universal dos Direitos Humanos possui força jurídica vinculante, sob o argumento de que ela integra o direito costumeiro internacional e os princípios gerais do direito. Afirma Richard Lillich (Apud PIOVESAN, 2004, p. 154) que

pode-se hoje persuasivamente afirmar que partes substanciais da Declaração Universal – uma resolução da Assembleia Geral da ONU adotada em 1948 sem qualquer dissenso e originalmente concebida de modo a não conter obrigações internacionais – tem se tornado parte do direito costumeiro internacional, vinculante a todos os Estados. Esta visão, a princípio defendida por juristas mas, posteriormente, reiterada por conferências internacionais, pela prática dos Estados inclusive por decisões judiciais, parece hoje ter alcançado uma aceitação generalizada.

Em seu artigo primeiro, a Declaração proclama os três princípios axiológicos fundamentais no que diz respeito aos direitos humanos, e que remontam à Revolução Francesa: a liberdade, a igualdade e a fraternidade (COMPARATO, 2001, p. 228).

Artigo I. Todas as pessoas nascem livres e iguais em dignidade e direitos. São dotadas de razão e consciência e devem agir em relação umas às outras com espírito de fraternidade (TRINDADE, 1991, p. 75).

Segundo Comparato (2001, p. 230 a 233), é em seu artigo VI que a Declaração traz o princípio máximo, supremo em matéria de direitos humanos, ao mencionar que “Toda pessoa tem o direito de ser, em todos os lugares, reconhecida como pessoa

perante a lei”. Tal princípio pode ser relacionado com os escravos, e os apátridas durante a Segunda Guerra Mundial, que não eram considerados como pessoas. Após o término das hostilidades, a autora Hannah Arent chamou a atenção para o fato de que a privação de nacionalidade, que estava ocorrendo com refugiados da Guerra e com grupos minoritários de origem alemã, excluía essas pessoas da proteção jurídica no mundo. Com base nessas colocações, a autora concluiu que a essência dos direitos humanos, é o “direito a ter direitos”.

Ainda de acordo com o mesmo autor (p. 233), tendo em vista esse precedente, a Declaração reconheceu o direito de asilo a todas as vítimas de perseguição em seu art. XIV ao afirmar que “Toda pessoa vítima de perseguição tem o direito de procurar e de gozar asilo em outros países”, e também o direito de todos a ter uma nacionalidade em seu art. XV.

Já de acordo com o mencionado por Sidney Guerra (2011, p. 84), “é no artigo 28 que se encontra o mais fundamental dos denominados direitos da humanidade, isto é, aquele que tem por escopo estabelecer uma ordem internacional que valoriza a dignidade da pessoa humana.” O citado artigo, versa que “Toda pessoa tem direito a uma ordem social e internacional em que os direitos e liberdades estabelecidos na presente Declaração possam ser plenamente realizados” (TRINDADE, 1991, p. 78).

Independente de ser eleito o artigo que contemple o mais fundamental ou o mais importante dos direitos humanos, o fato é que a partir da aprovação da Declaração Universal de 1948 e a partir da concepção contemporânea dos direitos humanos por ela incutida na sociedade internacional, continuou e ainda continua a se desenvolver o Direito Internacional dos Direitos Humanos, mediante a adoção de variados tratados internacionais voltados à proteção dos direitos fundamentais (PIOVESAN, 2000). E quanto aos tratados internacionais, reforça-se a ideia de Rezek, (2010, p.2), ao afirmar que o Estado, no plano internacional, não é originalmente jurisdicionável perante corte alguma. Sua aquiescência, e só ela, convalida a autoridade de um foro judiciário arbitral, de modo que a sentença resulte obrigatória e que seu eventual descumprimento configure ato ilícito. Ou seja, os Estados não são "jurisdicionáveis", como nós, cidadãos no que diz respeito ao direito interno.

Esta “concepção contemporânea” de direitos humanos supra mencionada, que foi trazida à sociedade internacional, traduz-se na ideia de universalidade e indivisibilidade dos direitos humanos. Nas sábias palavras de César Augusto Baldi (2004, p. 49),

universalidade porque clama pela extensão universal dos direitos humanos, sob a crença de que a condição de pessoa é o requisito único para a dignidade e titularidade desses direitos. Indivisibilidade por que a garantia dos direitos civis e políticos é condição para a observância dos direitos sociais, econômicos e culturais e vice-versa. Quando um deles é violado, os demais também o são. Os direitos humanos compõem assim uma unidade indivisível, interdependente e inter-relacionada.

A ideia de universalidade dos direitos humanos caracteriza-se assim como uma verdadeira ruptura em relação ao legado nazista, que defendia a consagração de determinados direitos, somente a um grupo de pessoas, ou melhor, a uma raça, qual seja, a raça pura ariana. Ainda sobre a ideia de indivisibilidade contida na Declaração, esta é reforçada pela Resolução nº 32/130 da Assembleia Geral das Nações Unidas, ao informar que “todos os direitos humanos, qualquer que seja o tipo a que pertencem, se inter-relacionam necessariamente entre si, e são indivisíveis e interdependentes”. (BALDI, 2004, p. 56).

A Declaração Universal foi aprovada com unanimidade por 48 estados, tendo 8 abstenções, sendo estas da Bielorussia, Checoslováquia, Polônia, Arábia Saudita, Ucrânia, URSS, África do Sul e Iugoslávia (PIOVESAN, 2004, p. 145). Ao tratar do alcance geral da Declaração, observa René Cassin (1974, p. 397):

Seja-me permitido, antes de concluir, resumir as características da Declaração, elaborada a partir de nossos debates no período de 1947 a 1948. Esta Declaração se caracteriza, primeiramente, por sua amplitude. Compreende um conjunto de direitos e faculdades sem as quais um ser humano não pode desenvolver sua personalidade física, moral e intelectual. A segunda característica é a universalidade: é aplicável a todas as pessoas de todos os países, raças, religiões e sexos, seja qual for o regime político dos territórios nos quais incide.

A partir da publicação da Declaração, passou-se a entender as pessoas, não somente como cidadãos de algum estado, mas sim, “cidadãos do mundo”. Essa perspectiva fez repercutir uma nova ordem moral nos Estados. O valoroso princípio da dignidade da pessoa humana passa a entrar em cena e a partir da Declaração Universal, vem a ser incorporado em todos os tratados internacionais que envolvam os Direitos Humanos. Nas palavras de Comparato (2001, p. 226),

Seja como for, a Declaração Universal, retomando os ideais da Revolução Francesa, representou a manifestação histórica de que se formara, enfim, em âmbito universal, o reconhecimento dos valores supremos da igualdade, da liberdade e da fraternidade entre os homens, como ficou consignado em seu artigo I.

de 1948 dividiu os Direitos Humanos em duas categorias: os direitos civis e políticos e os direitos econômicos, sociais e culturais. A Declaração Universal de 1948 é aceita como a interpretação dos artigos 1º (3) e 55 da Carta da ONU, no sentido de clarear a expressão “direitos humanos e liberdades fundamentais”. Ainda nas palavras da autora (2004, p. 149),

Ao conjugar o valor da liberdade com o valor da igualdade, a Declaração demarca a concepção contemporânea de Direitos Humanos, pela qual esses direitos passam a ser concebidos como unidade interdependente e indivisível. Assim, partindo-se do critério metodológico que classifica os direitos humanos em gerações, compartilha-se do entendimento de que uma geração de direitos não substitui a outra, mas com ela interage.

Destarte, a Declaração Universal dos Direitos Humanos trouxe grandes mudanças na legislação e na prática de todos os países envolvidos, bem como na política e no direito. Nas palavras de Gomes (2011, p. 95), “a partir da proclamação da Declaração Universal pela ONU, o Estado deixou de ser o centro das atenções como forma de fortalecimento econômico e militar desse mesmo Estado”. Ainda nas palavras de Maria Tereza Uille Gomes (2011, p. 99):

Tendo sido proclamadas na Declaração de Direitos como normas jurídicas anteriores aos Estados, elas devem ser aplicadas independentemente de sua inclusão nos direitos dos Estados pela formalização legislativa. Entretanto, diante da inexistência de um órgão que possa impor sua efetiva aplicação ou impor sanções em caso de não observância da declaração, os Estados têm adotado como praxe, incluir nas suas próprias constituições um capítulo referente aos direitos e garantias individuais justamente porque, uma vez incorporadas ao direito positivo dos Estados, aquelas normas adquirem plena eficácia.

No caso do Brasil, a Constituição Federal reproduziu uma série de direitos humanos que estão previstos na Declaração Universal dos Direitos Humanos, dotando- os de plena eficácia. Ao introduzi-los na ordem constitucional nacional, esses direitos adotados foram denominados como “direitos fundamentais”.

Forma-se então, a partir da Declaração de 1948, um sistema normativo global de proteção dos direitos humanos, no âmbito das nações Unidas. Este sistema normativo, segundo Flávia Piovesan (2000, p. 20) é integrado por normas de alcance geral (como os Pactos Internacionais de Direitos Civis e Políticos e de Direitos Econômicos Sociais e Culturais, de 1966), e por instrumentos de alcance específico, como as grandes convenções internacionais que protegem contra a tortura, a discriminação racial, a discriminação contra as mulheres, a violação dos direitos das crianças. Estas convenções formam um sistema de proteção específica.

e Políticos, quanto o Pacto de Direitos Econômicos Sociais e culturais, foram adotados pela Assembleia Geral, por unanimidade, em 10 de dezembro de 1966. Ou seja, passaram-se quase 20 anos após a Declaração Universal dos Direitos Humanos. Ademais, ainda levou mais 10 anos após a adoção dos Pactos, para que estes pudessem efetivamente entrar em vigor (GOMES, 2011, p. 99).

Assim, o Pacto Internacional de Direitos Econômicos, sociais e culturais passou a vigorar em 03.01.1976, estabelecendo aos Estados Partes a obrigação de adotarem determinadas medidas no objetivo de conseguir progressivamente, o alcance da efetiva realização de certos direitos, como o direito ao trabalho, à remuneração justa, o direito tanto de formar quanto o de associar-se a um sindicato, o direito a um nível de vida adequado, direito à educação, entre outros.

Já o Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos, entrou em vigor na data de 23.03.1976, e por sua vez, contempla os seguintes direitos: direito à vida, direito a não ser submetido à tortura ou tratamentos cruéis, direito de não ser escravizado, de não ser sujeito à prisão arbitrária, liberdade de pensamento, consciência e religião, entre outros (GOMES, 2011, p. 100).

O Brasil é parte integrante dos dois pactos internacionais de direitos humanos, desde 1992. Esses dois pactos, juntamente com a Declaração Universal dos Direitos Humanos, são considerados a Carta Internacional de Direitos Humanos, uma vez que possuem alcance universal e abrangem várias espécies de direitos (RAMOS, 2012, p. 26).

Nas palavras de Gomes (2011, p. 103):

Os direitos econômicos, sociais e culturais integram a chamada “concepção contemporânea de direitos humanos”, enunciada pela Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948 e reiterada pela Declaração de Viena de 1993. Tais direitos pertencem à mesma categoria hierárquica dos direitos civis e políticos.

A Declaração Universal dos Direitos Humanos foi adotada como ideal comum a ser alcançado por todos os povos e todas as nações, a fim de que os indivíduos e órgãos da sociedade, tendo-a constantemente no espírito, se esforcem, pelo ensino e pela educação, por desenvolver o respeito desses direitos e liberdades e por promover, por medidas progressivas de ordem nacional e internacional, o seu reconhecimento e sua aplicação, tanto entre as populações dos próprios estados- membros como entre as dos

territórios colocados sob a sua Jurisdição (GUERRA, 2005, p. 351). Destaca Gomes (2011, p. 104) que:

Direitos Humanos é matéria de interesse internacional e não, apenas de interesse particular de um Estado em relação entre os Estados. Além de ser objeto próprio da regulação do direito internacional, também impulsiona o emergente Direito Internacional dos Direitos Humanos como um novo ramo do direito internacional público, dotado de autonomia, princípios e especificidades próprias, cuja finalidade é a de assegurar a proteção do ser humano nos planos nacional e internacional, concomitantemente.

Neste processo, além do sistema normativo global de proteção aos direitos humanos, surgem também alguns importantes sistemas regionais de proteção aos direitos humanos.