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A proteção internacional dos direitos humanos e o sistema interamericano: uma análise da formação de mais um nível de proteção dos direitos humanos

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Academic year: 2021

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UNIVERSIDADE REGIONAL DO NOROESTE DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL – UNIJUI

DEPARTAMENTO DE CIÊNCIAS JURÍDICAS E SOCIAIS PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO STRICTO SENSU EM DIREITO

MESTRADO EM DIREITOS HUMANOS

A PROTEÇÃO INTERNACIONAL DOS DIREITOS HUMANOS E O SISTEMA INTERAMERICANO: UMA ANÁLISE DA FORMAÇÃO DE MAIS UM NÍVEL DE

PROTEÇÃO DOS DIREITOS HUMANOS

ELIETE VANESSA SCHNEIDER

Ijuí (RS) 2014

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UNIVERSIDADE REGIONAL DO NOROESTE DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL – UNIJUI

DEPARTAMENTO DE CIÊNCIAS JURÍDICAS E SOCIAIS PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO STRICTO SENSU EM DIREITO

MESTRADO EM DIREITOS HUMANOS

ELIETE VANESSA SCHNEIDER

A PROTEÇÃO INTERNACIONAL DOS DIREITOS HUMANOS E O SISTEMA INTERAMERICANO: UMA ANÁLISE DA FORMAÇÃO DE MAIS UM NÍVEL DE

PROTEÇÃO DOS DIREITOS HUMANOS

Dissertação apresentada no Curso de Mestrado em Direitos Humanos da Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul – UNIJUI, como requisito para a obtenção do grau de Mestre em direito.

Orientador (a): Gilmar Antonio Bedin

Ijuí (RS) 2014

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S358p Schneider, Eliete Vanessa.

A proteção internacional dos direitos humanos e o sistema interamericano: uma análise da formação de mais um nível de proteção dos direitos humanos / Eliete Vanessa Schneider. – Ijuí, 2014. –

117 f. ; 29 cm.

Dissertação (mestrado) – Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul (Campus Ijuí). Direitos Humanos.

“Orientador: Gilmar Antonio Bedin”.

1. Direitos humanos. 2. Direitos humanos – Comissão interamericana. 3. Organização das Nações Unidas. 4. Declaração Universal dos Direitos do Homem. I. Bedin, Gilmar Antonio. II. Título. III. Título: Uma análise da formação de mais um nível de proteção dos direitos humanos.

CDU: 341.231.14 342.7

Catalogação na Publicação

Tania Maria Kalaitzis Lima CRB10/1561

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UNIJUÍ - Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul Programa de Pós-Graduação em Direito

Curso de Mestrado em Direitos Humanos

A Banca Examinadora, abaixo assinada, aprova a Dissertação

A APPRROOTTEEÇÇÃÃOOIINNTTEERRNNAACCIIOONNAALLDDOOSSDDIIRREEIITTOOSSHHUUMMAANNOOSSEEOOSSIISSTTEEMMAA I INNTTEERRAAMMEERRIICCAANNOO::UUMMAAAANNÁÁLLIISSEEDDAAFFOORRMMAAÇÇÃÃOODDEEMMAAIISSUUMMNNÍÍVVEELL D DEEPPRROOTTEEÇÇÃÃOODDOOSSDDIIRREEIITTOOSSHHUUMMAANNOOSS elaborada por

ELIETE VANESSA SCHNEIDER

como requisito parcial para a obtenção do grau de Mestre em Direito

Banca Examinadora:

Prof. Dr. Gilmar Antonio Bedin (UNIJUÍ): ___________________________________ Profª. Drª. Giuliana Redin (UFSM): _________________________________________ Profª. Drª. Vera Lucia Spacil Raddatz (UNIJUÍ): _______________________________

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Em primeiro lugar agradeço a Deus, pela saúde e força concedidos durante toda a minha vida;

À Coordenação do Mestrado em Direitos Humanos da Unijuí, pela oportunidade concedida;

Ao professor orientador, Dr. Gilmar Antonio Bedin, pela amizade, apoio e orientação na realização da pesquisa;

Aos colegas da primeira turma de mestrado em Direitos Humanos da Unijuí pelo companheirismo, amizade e ajuda mútua;

À toda a minha família e amigos pelo apoio, incentivo e compreensão necessários;

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Na medida em que a consciência dos direitos humanos vai permeando na sociedade, mais e mais se torna imprescindível o seu conhecimento e suas implicações para melhor aplicação da lei, não mais para impor a ordem, mas para encontrar o alto significado de uma justiça que se realiza no homem , como ponto de partida e ponto final de todo o direito.

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RESUMO

O presente trabalho analisa a trajetória histórica de internacionalização dos direitos humanos e a formação de um novo nível de proteção dos referidos direitos. Neste percurso, resgata inicialmente as primeiras contribuições do direito humanitário, da Liga das Nações e da Organização Internacional do Trabalho. Em seguida, chama a atenção para a contribuição das atrocidades cometidas durante a Segunda Guerra Mundial, a criação da Organização das Nações Unidas, a adoção da Declaração Universal dos Direitos do Homem, a formação dos Sistemas Regionais de Direitos Humanos e a constituição de tribunais internacionais para o processo de internacionalização dos direitos humanos. Preocupa-se, na seqüência, de forma mais específica, com o Sistema Interamericano de Direitos Humanos e a contribuição de seus dois principais órgãos (Comissão e Corte Interamericana de Direitos Humanos) para a proteção dos direitos humanos. O trabalho é finalizado chamando à atenção as conseqüências de algumas decisões dos referidos órgãos sobre as jurisdições nacionais e a importância da formação de um novo nível (superior ao dos Estados) de proteção dos direitos humanos.

Palavras – Chave: Proteção Internacional dos Direitos Humanos. Organização das Nações Unidas. Declaração Universal dos Direitos do Homem. Tribunais Internacionais. Sistemas Regionais. Corte e Comissão Interamericana de Direitos Humanos.

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ABSTRACT

The present paper analyzes the historical trajectory of internationalization of human rights and the formation of a new level of protection of the rights that have been said. In this way, initially redeems the first contributions of Humanitarian Law, the League of Nations and the International Organization of the Work. Then, it calls the attention to the contribution of the atrocities committed during the Second World War, the creation of the United Nations Organization, the adoption of the Universal Declaration of the Human Rights, the formation of the Regional Human Rights Systems and the establishment of international tribunals to the process of internationalization of human rights. The worry is, in the research’s sequence, more specifically, with the Inter-American System of Human Rights and the contribution of their two main institutions (The Commission and the Inter-American Court of Human Rights) to the human rights’ protection. The work is finished by calling the attention to the consequences of some decisions of those institutions on national jurisdictions and the importance of training a new level (higher than the States) of the human rights’ protection.

Key–words: International Protection of the Human Rights. United Nations. Universal Declaration of Human Rights. International Tribunals. Regional Systems. Court and Inter-American Commission on Human Rights.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ... 09

1.A INTERNACIONALIZAÇÃO DOS DIREITOS HUMANOS ... 12

1.1 Os antecedentes ... 12

1.2 A Segunda Guerra Mundial e suas consequências ... 19

1.3. A criação das Organizações Unidas ... 25

1.4 A Declaração Universal dos Direitos Humanos ... 32

1.5 Os Sistemas Regionais de Direitos Humanos ... 39

2. OS TRIBUNAIS INTERNACIONAIS ... 48

2.1 Uma grande Mudança ... 48

2.2 O Tribunal de Nuremberg ... 50

2.3 Os Tribunais Ad Hoc ... 57

2.4 O Tribunal Penal Internacional... 62

3. O SISTEMA AMERICANO DE DIREITOS HUMANOS E SEUS ÓRGÃOS... 74

3.1 As Referências do Sistema Interamericano ... 74

3.2 A Comissão Interamericana de Direitos Humanos... 79

3.3 A Corte Interamericana de Direitos Humanos ... 89

3.4 Os órgãos do Sistema Americano e as Jurisdições Nacionais ... 98

CONSIDERAÇÕES FINAIS ... 109

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INTRODUÇÃO

O avanço no reconhecimento e na proteção dos direitos humanos já tem um longo percurso histórico. Nesta trajetória, houve um deslocamento da proteção das relações internas para as relações internacionais. Este processo ocorreu de forma mais substancial após os acontecimentos da Segunda Guerra Mundial, a qual trouxe com ela a certeza de que mudanças teriam de ocorrer, para que continuasse sendo possível a convivência interestatal. Estas mudanças, de fato foram ocorrendo, e a luta pela proteção dos direitos humanos tem alcançado resultados significativos nas últimas décadas, apesar de ainda muitas violações ocorrerem nas diversas regiões do mundo. Na atualidade, o maior desafio é garantir a efetividade desses direitos na sociedade internacional.

A existência de um sistema internacional de proteção aos direitos humanos é fundamental: seja na proteção do ser humano em sua universalidade ou em sua singularidade. Este sistema, como se propõe a demonstrar o presente trabalho, foi construído gradativamente, com a publicação de vários documentos internacionais, no objetivo de salvaguardar os direitos humanos, e garantir que os horrores praticados durante a Segunda Guerra Mundial, não se repitam.

Neste contexto, a preocupação central do presente trabalho é demonstrar a importância do processo de internacionalização dos direitos humanos ocorrido no decorrer do último século e a relevância da formação dos sistemas regionais (europeu, africano e americano) e da constituição de Tribunais Internacionais e a criação dos órgãos judiciais (ou quase judiciais) para a proteção desses direitos na sociedade internacional. Para tanto, o trabalho usou o método hipotético-dedutivo e foi estruturado em três capítulos.

O primeiro capítulo do trabalho conta com a abordagem relativa ao processo de internacionalização dos direitos humanos, tratando inicialmente da Segunda Guerra Mundial e as consequências com ela advindas, tanto físicas, como a destruição de vidas e a devastação de locais, quanto intelectuais e morais, como o surgimento de uma nova consciência em relação aos direitos humanos. A partir daí, apresentar-se-á as respostas da sociedade internacional para o acontecimento da Guerra, com a criação da Organização das Nações Unidas, e a posterior publicação da Declaração dos Direitos Humanos. Estes documentos conformam o sistema global de proteção aos direitos humanos e impulsionam a formação dos três sistemas regionais de proteção a esses

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direitos (europeu, africano e americano), que são tratados na parte final do primeiro capítulo.

Já o segundo capítulo dedica-se à análise dos Tribunais Internacionais criados ao longo da história da luta pelos direitos humanos. O Tribunal de Nuremberg, primeiro a ser abordado, que nasceu com a missão de julgar os criminosos de guerra dos países europeus do eixo, os tribunais ad hoc para julgar os crimes contra a humanidade na ex Iugoslávia, e para o julgamento do crime de genocídio em Ruanda, e, por último, o Tribunal Penal Internacional, que possui caráter permanente e a missão de julgar crimes internacionais que atentem contra a manutenção da paz e segurança da comunidade internacional.

Finalmente, no terceiro capítulo, o trabalho preocupa-se com o Sistema regional de proteção no qual o Estado brasileiro está inserido: O Sistema Interamericano de Proteção aos Direitos Humanos e dos órgãos que o compõe (a Comissão Interamericana e a Corte Interamericana). Tais órgãos são apresentados na parte inicial do capítulo e, a parte final deste, ocupa-se em trazer a influência destes órgãos nas jurisdições nacionais de seus Estados – Partes. Serão mencionados diversos casos ocorridos, de maneira a deixar em evidência a capacidade de tais órgãos de demonstrar a necessidade de alteração da legislação dos países, e o acompanhamento para que as mudanças necessárias de fato ocorram.

Nas considerações finais, o trabalho destaca que o Sistema Interamericano de Direitos Humanos se constitui, efetivamente, num importante segundo nível de proteção dos direitos humanos, uma vez que se mostra presente quando as justiças nacionais dos Estados participantes se mostrarem negligentes ou falhas. Revela que os órgãos do referido sistema têm uma atuação relevante e que os mesmos têm se consolidado desde o processo de transição democrática da região, o que possibilita afirmar que é possível ter mais esperança na efetivação, respeito e acolhimento dos direitos humanos no continente latino-americano.

Por fim, esclarece-se que a escolha se alicerçou no sentimento de indignação que emerge da nossa consciência quando tomamos conhecimento de violações cometidas em diversos países, sem que a legislação e os sistemas judiciários nacionais dêem o tratamento devido aos referidos casos. Além disso, a escolha se fundamentou na esperança que um segundo nível de garantia aos direitos humanos possa ser mais efetivo, uma vez que mais distante dos interesses que perpassam cada governo específico.

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Este processo é fundamental para a constituição de limites ao exercício do poder na região e fundamental para a construção de uma cultura de paz e da busca de solução pacífica dos conflitos. O respeito e a proteção dos direitos humanos representam uma conquista civilizatória e estabelecem um patamar diferenciado para a evolução humana, e sua efetivação representa um grande progresso na história da região.

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1. A INTERNACIONALIZAÇÃO DOS DIREITOS HUMANOS

Os direitos humanos têm adquirido um extraordinário destaque na sociedade atual, estando em todas as constituições democráticas e também na agenda da sociedade internacional. Neste capítulo será analisada a trajetória histórica de internacionalização dos direitos humanos e da luta para garantir a valorização da pessoa humana.

1.1. Os Antecedentes

O processo de internacionalização dos direitos humanos tem como ponto de referência mais importante as atrocidades cometidas durante a Segunda Guerra mundial. Contudo, é possível afirmar, junto com Comparato (2001, p. 52), que “esta conquista teve início ainda na metade do século XIX, tendo como referência três setores: o direito humanitário, a luta contra a escravidão e a regulação dos direitos do trabalhador assalariado”. Em sentido semelhante destaca Flávia Piovesan (2004, p. 125) que:

O Direito Humanitário, a Liga das Nações e a Organização Internacional do Trabalho situam-se como primeiros marcos no processo de internacionalização dos direitos Humanos. Como se verá, para que os direitos humanos se internacionalizassem, foi necessário redefinir o âmbito e o alcance do tradicional conceito de soberania estatal, a fim de que se permitisse o advento dos direitos humanos como questão de legítimo interesse internacional. Foi ainda necessário redefinir o status do indivíduo no cenário internacional, para que se tornasse verdadeiro sujeito de direito internacional.

O direito humanitário, o primeiro setor citado, teve como marco inicial, a Convenção de Genebra de 1864, que foi o primeiro documento internacional de proteção dos direitos humanos. A partir dela, foi fundada no ano de 1880, a Comissão Internacional da Cruz Vermelha. O direito humanitário, também chamado de “Direito da Guerra”, procurou trazer aos envolvidos e feridos em guerras e combates, tanto militares quanto civis vitimados, o mínimo de assistência, tendo em vista que até então, não havia a menor preocupação com essa questão, de modo que feridos não contavam com qualquer socorro, e os corpos de soldados e conflitantes mortos, na maioria das vezes ficavam nos campos de batalha (GUERRA, 2011, p. 34).

Importante lembrar que estes acontecimentos que conformam o direito humanitário, enquadram-se no período denominado, segundo Gilmar Antonio Bedin, Sociedade Internacional Clássica, “existente entre a celebração dos tratados da Paz de Vestfália (1648) e o momento da criação da Organização das Nações Unidas (em 1945)

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e da publicação da Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948)” (2011, p. 11). Durante este período, o recurso extremo utilizado pelos países na busca por poder, era a guerra. Bedin afirma, ao referir-se à Sociedade Internacional Clássica, que “não existe um poder superior a cada Estado que imponha, de forma efetiva e com êxito normas jurídicas e padrões éticos de conduta” (2011, p. 70). Assim sendo, nas palavras de Leonardo Estrela Borges (2006, p. 35),

A função do direito internacional humanitário é regulamentar o direito de guerra (jus in bello), até mesmo porque regulamentar a limitação e a proibição do direito de recorrer à guerra (jus ad bellum) é o grande objetivo do direito internacional e do sistema das Nações Unidas, instituição criada para esse fim. E mesmo no que se refere ao jus ad bellum, em casos excepcionais há a possibilidade de se recorrer ao uso da força de maneira legítima. Dessa forma, a Carta de São Francisco permite a guerra em caso de legítima defesa individual ou coletiva ou quando o Conselho de Segurança assim o considerar, tendo em vista a manutenção ou restabelecimento da paz e segurança nacionais.

Na doutrina, parece haver concordância de que o marco para o nascimento do direito internacional humanitário foi a “Batalha de Solferino”, presenciada por Jean Henri Dunart, onde se enfrentaram tropas austríacas e franco sardenhas. Dos trezentos mil soldados envolvidos, quarenta mil tiveram sua baixa confirmada (GUERRA, 2011, p. 34).

Muito impressionado com o que vira, ao voltar para Genebra, Jean Henri Dunant teria publicado um livro, intitulado “Lembranças de Solferino”, no qual ele relata as crueldades assistidas, e de como ele organizara o trabalho de pronto socorro para os soldados feridos de ambos os lados. Com a repercussão desta obra em toda a Europa, foi desencadeado um movimento internacional que tinha por objetivo suprir as deficiências sanitárias existentes nos campos de batalha. Nas palavras de Guerra (2011, p. 34):

Com isso, Dunant buscou a conscientização humana sugerindo duas ações para amenizar futuras situações de mesmo tipo: a criação de uma sociedade de socorro privada, que atuaria em conflitos de forma incondicional; e a assinatura de um tratado para permitir essa atuação.

Dunant participou do Comitê Internacional de Socorro aos militares feridos, que mais tarde, em 1876 passou a ser chamado de Comitê Internacional da Cruz Vermelha, o qual se apresenta, nas palavras de Guerra (2008, p. 22), como “organização imparcial, neutra e independente que tem como missão precípua proteger a vida das pessoas, bem como levar assistência a todos aqueles que são vítimas de guerra e violência no âmbito interno dos Estados”. Os locais e as pessoas protegidas com a insígnia da cruz

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vermelha, tendo como sinal distintivo a cruz vermelha com o fundo branco, não poderiam sofrer qualquer violência.

Precisamente em 1.864, o Conselho Federal Suíço convocou uma conferência diplomática em Genebra, obtendo a presença de 16 Estados, onde foi criada a “Convenção Mãe” no que diz respeito à proteção dos militares. Tal Convenção defendia principalmente que os militares feridos ou enfermos deveriam receber cuidados, independentemente de sua nacionalidade (GUERRA, 2011, p. 35).

A Convenção de Genebra pode ser considerada um marco histórico, vez que trouxe com ela a abstenção do poder Estatal, por meio de um tratado livre para adesão universal, em benefício do indivíduo (GUERRA, 2011, p. 36). Foi uma expressão pioneira no sentido de que, no plano internacional, há limites à soberania dos Estados, ainda que na hipótese de conflito armado (PIOVESAN, 2004, p. 126).

Seguindo Comparato, outro setor ou campo em que se manifestou a tendência à internacionalização dos direitos humanos, como já mencionado, foi a luta contra a escravatura. Segundo o autor (2001, p. 53), o Ato Geral da Conferência de Bruxelas, de 1.890, foi subscrito por 17 Estados, e estabeleceu em seu longo texto de quase 100 artigos, as primeiras regras interestatais de repressão ao tráfico de escravos africanos. Ele foi seguido, em 1.926, por uma Convenção celebrada em Genebra, no quadro da Liga das Nações.

O tráfico europeu visou desde o início a população africana, para ser utilizada no sistema rural capitalista do continente americano. Este foi o maior sistema de escravidão organizado na história. Até então, os escravos provinham das guerras, onde os perdedores eram capturados para servir ao vencedor. No entanto, a escravidão praticada no continente americano era diferenciada pelo seu aspecto empresarial. Em virtude desta prática, o continente africano restou fragilizado. No ano de 1850, estima-se que havia aproximadamente 6 milhões de escravos na América (COMPARATO, 2001, p. 172). De acordo com Samuel Pinheiro Guimarrães (2002, p. 1035),

Os sistemas de violação de direitos humanos mais graves historicamente foram a escravidão e o colonialismo (...). A escravidão e o colonialismo, fenômenos estreitamente ligados, geraram e cristalizaram estereótipos, preconceitos e visões do mundo e da sociedade que vêm se transmitindo culturalmente aos que se julgam descendentes dos ex-senhores e das antigas elites colonialistas nas ex-metrópoles. São estes estereótipos, e naturalmente a defesa de interesses concretos que até hoje existem derivados daquelas situações passadas, que provocam comportamentos nas esferas coletivas e individuais que violam direitos políticos, econômicos e sociais, de que são vítimas os Estados que sucederam as colônias e os descendentes dos escravos e nativos.

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Já no terceiro campo relativo ao início do processo de internacionalização dos direitos humanos, está a Organização Internacional do Trabalho, que surgiu em decorrência da pressão realizada pelos sindicatos sobre o Estado, no anseio de proteção aos trabalhadores, em função das condições insalubres e precárias em que as atividades industriais eram exercidas. O apelo por parte dos sindicatos, já se estendia desde a Revolução Industrial. Nas palavras de Guerra (2008, p. 32),

Existia um interesse muito forte na atividade econômica onde era, geralmente, desprezada a condição humana. Os Estados entendiam que, ao conceber normas internacionais de proteção ao trabalho, iriam diminuir a capacidade produtiva do Estado, inviabilizando o desenvolvimento de atividades em alguns setores.

No entanto, a luta sindical resultou em uma ampla legislação social e econômica de regulamentação do trabalho, e também de sua remuneração. Tal aparato legal permitiu corrigir as piores condições de trabalho existentes à época, podendo citar como exemplos, o trabalho braçal feminino, inclusive durante a gravidez, além do trabalho infantil, as condições letais de trabalho, e as jornadas de trabalho sem limites (GUIMARÃES, 2002, p. 1038).

A Organização Internacional do Trabalho tinha por finalidade a garantia de padrões internacionais de condições de trabalho e bem estar, e encorajava os Estados a aceitar as Convenções internacionais, as quais tratavam de diversos temas como a igualdade de remuneração entre mulheres e menores, a jornada de trabalho noturno, liberdade de associação, entre outras, mas, ainda mais importante, encorajava os Estados a também cumprirem tais regras (Antonio Cassesse, APUD PIOVESAN, 2004, p. 127).

Como assevera Flávia Piovesan em sua completa obra, “Direitos Humanos e o direito constitucional internacional” (2004, pg.128):

Estes institutos, cada qual a seu modo, contribuíram para o processo de internacionalização dos direitos humanos. Seja ao assegurar parâmetros globais mínimos para as condições de trabalho no plano mundial, seja ao fixar como objetivos internacionais a manutenção da paz e da segurança internacional, ou ainda para proteger direitos fundamentais em situações de conflito armado. Estes institutos se assemelham na medida em que projetam o tema dos direitos humanos na ordem internacional.

Através destes institutos, iniciou-se a imposição de obrigações aos estados para a salvaguarda dos direitos do ser humano, mesmo que isso representasse a abstenção de concessões e arranjos estatais. Iniciou-se a formação da concepção de que, a maneira

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como cada Estado trata seus cidadãos, não é mais competência exclusiva sua, mas passa a ser tema de interesse internacional. A respeito comenta Antonio Augusto Cançado Trindade (1991, p. 10), mencionando que “Já observamos que, em matéria de tratados sobre a proteção dos direitos humanos, a reciprocidade é suplantada pela noção de garantia coletiva e pelas considerações de ordem publica.”

Apesar da existência dos institutos mencionados e a sua correspondente contribuição para a internacionalização dos direitos Humanos, este processo consolidou-se de fato, a partir da Segunda Guerra Mundial. Destarte, constitui-consolidou-se em um movimento extremamente recente na história, precisamente um fenômeno do pós guerra, uma vez que foi a resposta às barbáries cometidas ao longo do Nazismo (TRINDADE, 2000). A Segunda Guerra Mundial foi de fato, um acontecimento histórico extremamente grave, onde o número de mortos se conta aos milhões e muitas destas mortes foram clara e friamente planejadas.

Por isso, as lições foram grandes. Entre estas lições, uma se destaca: a necessidade de refletir sobre os atos cometidos. Lembra Flávia Piovesan que (2007, p. 118) “se a segunda guerra significou a ruptura com os direitos humanos, o pós - guerra deveria significar a reconstrução desses direitos.”

Sob esse prisma, durante a Segunda Guerra Mundial, prevaleceram a descartabilidade e a abolição do valor da pessoa humana e a lógica da destruição, que por sua vez fizeram nascer a necessidade de reconstrução dos Direitos Humanos, a consciência de que a violação desses direitos não poderia mais ser concebida como questão doméstica do Estado, e sim como problema de relevância e de legítima preocupação de toda a comunidade internacional, e também a crença de que pelo menos parte das barbáries que o mundo assistiu, poderiam ter sido evitadas se à época já existisse um efetivo sistema de proteção internacional dos direitos Humanos (GUERRA, 2011, p. 73).

Surgiu a consciência da necessidade de controle sobre as violações de direitos humanos, e a proibição de determinadas condutas contra os seres humanos, para a possibilidade de convívio dos Estados em uma comunidade juridicamente organizada. Assim, a intensificação das relações entre os Estados deu vida a um ordenamento jurídico internacional preocupado com os direitos da pessoa humana (REZEK, 2010), com o princípio da igualdade entre os seres humanos, fazendo surgir os documentos que hoje são a base, o norte no que diz respeito à proteção dos Direitos Humanos.

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Afirma Comparato (2001, p. 215) que “o horror engendrado pelo surgimento de Estados totalitários, verdadeiras máquinas de destruição de povos inteiros, suscitou em toda parte a consciência de que, sem o respeito aos Direitos Humanos, a convivência pacífica das nações tornava-se impossível”. Assim sendo, todo o movimento pós- Guerra caminhou para a conversão dos direitos humanos em tema central da sociedade internacional (TRINDADE, 2000). O preâmbulo da Declaração Universal dos Direitos Humanos, documento fundamental na história desses direitos, deixou claro que foi o desprezo e o desrespeito pelos direitos do homem que permitiu a realização de “atos bárbaros que ultrajaram a consciência da Humanidade"(TRINDADE, 1991, p. 74).

Desta forma, a proteção internacional dos direitos humanos nasce em decorrência da necessidade da existência de mecanismos de monitoramento e controle das atividades estatais e do exercício de sua soberania. O que começa a ocorrer de fato é a relativização da soberania estatal. Entenda-se soberania, na utilização das palavras de Ferrajoli (2011, p. 472), ao mencionar que “Solo um poder soberano puede garantizar, com el monopólio de la fuerza y del poder de infligir la muerte, la defensa de la vida frente a los atentados de los delincuentes internos y de los enemigos externos.”

Portanto, a soberania era tida até então, como um poder juridicamente incontestável, indivisível, inalienável e imprescritível. A soberania típica do Estado Nação. Aquela caracterizada por uma estrutura de poder centralizado e que exerce o monopólio da força e da política sobre determinado território. Um poder baseado nas ideias de absolutização e perpetuidade. “Absoluto, pois não sofre limitações sequer quanto à sua duração, por isso também perpétuo.” (BOLZAN, 2011, p. 26).

Esta necessidade impulsiona a formação de um sistema internacional de direitos humanos chamado a atuar de forma a proteger os direitos de qualquer ser humano quando o Estado é negligente, é omisso ou é o autor da violação dos direitos (PIOVESAN, 2007).

Neste cenário, o sistema internacional de proteção dos direitos humanos que iniciou sua formação, passou a determinar padrões ou parâmetros comportamentais básicos que deveriam ser esperados ou exigidos de Governos, dos Estados por parte das pessoas. Comportamentos estes que garantissem direitos permanentemente a todos os seres humanos, em tempos de paz ou de conflitos armados. A dignidade da pessoa passou a ter relevância internacional, e a condição humana configurou-se como uma garantia de direitos. O indivíduo passou a ter garantidos direitos inerentes à sua existência, os quais não deveriam mais ficar sob a égide da soberania estatal.

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De fato, o pós Segunda Guerra Mundial, através do Sistema Internacional de Proteção aos Direitos Humanos, trouxe a pessoa humana, o indivíduo, como sujeito de direitos no mesmo nível dos Estados e Organizações Internacionais. Esta situação rompeu com a tradicional configuração dos estados como únicos sujeitos de direito no plano internacional. Nas palavras de Bobbio (2002, p. 25),

Todo indivíduo foi elevado a sujeito potencial da comunidade internacional, cujos sujeitos até agora eram, eminentemente, os Estados Soberanos (...) o problema grave de nosso tempo, com relação aos direitos do homem, não era mais o de fundamentá-los, e sim o de protegê-los (...). Com efeito, o problema que temos diante de nós não é filosófico, mas jurídico, e, num sentido mais amplo, político. Não se trata de saber quais e quantos são esses direitos, qual é a sua natureza e seu fundamento, se são direitos naturais ou históricos, absolutos ou relativos, mas sim qual é o modo mais seguro para garanti-los, para impedir que, apesar das solenes declarações, eles sejam continuamente violados.

Os "mecanismos" de garantia dessa proteção foram sendo implantados através dos tratados internacionais, para realizar o controle necessário frente aos direitos humanos. De acordo com a afirmação de Kathryn Sikkink, na obra de Flávia Piovesan (2000, p. 18), a “rede de proteção dos direitos humanos internacionais busca redefinir o que é matéria de exclusiva jurisdição doméstica dos Estados”. Por conta desta situação, pode-se apontar para duas importantes consequências.

A primeira, no sentido da relativização da soberania estatal, como já mencionado, uma vez que, com a adoção de um Sistema Internacional de Proteção aos Direitos Humanos, são permitidas intervenções no plano nacional, em prol da proteção desses direitos. Permite-se o monitoramento e fiscalização quanto a eventuais violações. A respeito traz-se destaque para o discurso do Secretário Geral das Nações Unidas, no final de 1992, ao mencionar que

Ainda que o respeito pela soberania e integridade do Estado seja uma questão central, é inegável que a antiga doutrina da soberania exclusiva e absoluta não mais se aplica e que esta soberania jamais foi absoluta, como era tão concebida teoricamente. Uma das maiores exigências intelectuais de nosso tempo é a de repensar a questão da Soberania (...). Enfatizar os direitos dos indivíduos e os direitos dos povos é uma dimensão da soberania universal, que reside em toda a humanidade e que permite aos povos envolvimento legítimo em questões que afetam o mundo como um todo (PIOVESAN, 2000, p.19).

Já a segunda consequência, constitui-se na configuração do indivíduo como sujeito de direitos que devem ser protegidos internacionalmente. Pode-se afirmar que as duas consequências citadas, advindas da internacionalização dos direitos humanos, nunca deixaram de surtir efeitos, após a sua ocorrência, sendo que atualmente, a

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internacionalização dos direitos humanos ainda é um tema jurídico em extremo desenvolvimento, trazendo significativas alterações na legislação doméstica dos Estados, e na vida das pessoas.

Estas duas consequências mencionadas, de fato puderam ser visualizadas especificamente após um importante acontecimento da história da humanidade, que será abordado pelo presente trabalho no tópico a seguir. Trata-se da Segunda Guerra Mundial.

1.2 A Segunda Guerra Mundial e suas Consequências

Para iniciar a descrição deste lamentável acontecimento na história humana, utiliza-se da obra de David Stafford, “Fim de Jogo, 1945: o capítulo que faltava da Segunda Guerra Mundial”. Nesta obra (2012, p. 11), o autor afirma que:

Guerras não terminam quando cessam as batalhas, e a vitória militar por si só não garante a paz. Os feridos continuam a morrer. Os desalojados ainda buscam um lugar para morar. Pais procuram por filhos perdidos entre os escombros, e as famílias e amigos buscam desesperadamente se reencontrar. Soldados das forças derrotadas passam semanas, meses, e até mesmo anos, confinados em campos de prisioneiros de guerra, quase sempre muito distantes de casa. Os vitoriosos não convertem suas espadas em arados imediatamente. Eles perseguem os líderes inimigos, enfrentam aqueles que desejam continuar a luta e trabalham arduamente para estabelecer a lei e a ordem. Só então a paz pode vir. Pois ela exige mais do que a ausência de conflito, e é mais difícil de chegar a ela do que reduzir cidades a escombros.

A Segunda Guerra Mundial, sem questionamentos ou contradições, é o marco histórico mais valoroso no que tange à história, e pode-se dizer, à memória dos direitos humanos. Um acontecimento ímpar, ápice da desconsideração da dignidade da vida humana que culminou com a morte de milhões de pessoas, cruelmente assassinadas. Verdadeiras atrocidades cometidas, fatos que se tornam incrédulos aos olhos do bom senso, pela frieza e maldade com que foram premeditados e realizados.

A doutrina reflete unanimidade em afirmar que a Segunda Guerra Mundial, fora o estopim para que mudanças ocorressem no cenário dos direitos humanos. E não poderia ser diferente. De acordo com Guerra (2011, p. 73), após a “hecatombe da Segunda Guerra Mundial, durante a qual o mundo teve a oportunidade de assistir a uma série de barbaridades envolvendo milhares de pessoas, sentiu-se a necessidade de se criarem mecanismos que pudessem garantir proteção aos seres humanos”.

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O que pode- se denotar da doutrina que trata da matéria, é que, após a população mundial restar informada acerca das crueldades cometidas nos campos de concentração, e durante toda a Segunda Guerra Mundial, é como se tal informação, causasse tamanha repulsa a ponto de não poder se acreditar que teriam sido seres humanos os responsáveis pelos requintes de crueldade e brutalidade utilizados.

Alguns decretos e leis publicados na “era Hitler”, como a lei para proteção do sangue e honra alemãs, de 15 de dezembro de 1935, que proibia o casamento entre judeus e alemães, a lei da Cidadania, de 15 de setembro de 1935, que trazia a proibição dos judeus de embandeirar com as cores de Reich seus estabelecimentos, ou como o Decreto Policial de 1º de setembro de 1941, sobre a identificação dos Judeus na Alemanha, que proibia os alemães de aparecerem publicamente sem a estrela judaica a partir dos 7 anos de idade, trazem à baila a discussão e a constatação de que realmente, quando se caracteriza este período da história como “obscuro”, “degradante”, “desumano”, “de atrocidades”, não se está utilizando força de expressão, por conta de que se trata de uma dura realidade pela qual milhares de pessoas de outras gerações passaram, sendo que o eco pedagógico de situações experimentadas restará transpassado a muitas gerações futuras pela história (GUERRA, 2008, p.74).

O sadismo nazista atingiu mesmo o seu clímax com as experiências médicas realizadas com as cobaias humanas. Nas palavras de Celso Lafer (1988, p. 117), “o “tudo é possível”, na dinâmica do totalitarismo, parte do pressuposto de que os seres humanos são supérfluos”. A relação dos absurdos realizados incluía enxertos de ossos, injetar doses mortais de bacilos de icterícia e tifo, praticar esterilização, retirar pele de prisioneiros para fazer cúpulas de abajur.

De acordo com Guerra (2008, p. 74):

As experiências eram variadas. Colocavam-se os prisioneiros em câmaras de pressão, onde eram submetidos a testes de grande altitude. Muitos eram vítimas de gás mostarda e de balas envenenadas, além de serem submetidos a baixas temperaturas para testar a sua resistência. Um dos experimentos, praticado em polonesas conhecidas como coelhinhas, consistia em provocar gangrena com gás. Em outras cobaias, eram feitos enxertos de ossos. Nos campos de Dachau e Buchenwald, ciganas tomavam água salgada com o objetivo de avaliar quanto tempo conseguiam viver sob semelhante dieta. A esterilização foi largamente praticada, tanto em homens como mulheres.

A Guerra de Hitler não era travada apenas no campo de batalha. Era uma luta em que ele atacava os inimigos onde quer que os encontrasse. Sendo uma ideologia totalitarista, o nazismo tinha qualquer um na mira, e seus oponentes mais óbvios e

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ameaçadores não estavam senão em sua própria casa. Hitler acreditava que a Alemanha deveria ser renovada, e para isso, entendia ele que deveria eliminar primeiro as forças internas, as quais culpava pela catastrófica derrota da nação em 1918”(STAFFORD, 2012, p. 55). Isto significava, acima de tudo, judeus, bolcheviques, socialistas, liberais, democratas. Estes, que foram atores no triste cenário, viram suas famílias sendo separadas, desaparecidas ou mortas. Países inteiros destruídos, pessoas desoladas, desamparadas, sem perspectivas de sobrevivência. Sentimentos de mágoa, dor, sofrimento e medo. Até onde chegariam os atos de barbárie? Qual seria o valor da vida humana?

A doutrina racista sobre a “pureza ariana” serviu de justificativa para perseguições, cárceres e execuções em massa de judeus, eslavos e outras populações pelo exército de Hitler, o que trouxe como resultado o extermínio de milhões de pessoas (GUERRA, 2011, p. 75). O discurso de Hitler é desumano:

Se eu envio a fina flor do povo alemão para o inferno da guerra sem sentir piedade pelo derramamento do precioso sangue alemão, sem dúvida tenho o direito de suprimir milhões de seres de uma raça inferior que prolifera como piolhos.

Está claro que “... a era de Hitler foi marcada pela lógica da destruição e descartabilidade da pessoa humana, que resultou no extermínio de 11 milhões de pessoas” (TRINDADE, 2000). Destas, 6 milhões por serem judeus, outros por serem comunistas, ou socialistas, ou ciganos, ou homossexuais, ou cristãos, ou simplesmente anti nazistas. Alguns estudiosos calculam em 60 milhões as vidas ceifadas durante esse horrível acontecimento, o qual somente foi encerrado com o horror de duas bombas detonadas sobre populações civis em Hiroshima e Nagasaki (VANNUCHI, 2009, p.116), em 6 e 9 de agosto de 1945, respectivamente. Este fato, nas palavras de Comparato (2001, p. 215), “soou como um prenúncio do apocalipse: o homem acabara de adquirir o poder de destruir toda a vida na face da terra”.

De acordo com René Rémond (1993, p. 128):

Não sabemos, por exemplo, com certeza, a quanto montam as perdas da União Soviética: 17 ou 20 milhões? Em certo sentido, isso pouco importa. O que conta e deve estar presente ao espírito é que um décimo, mais ou menos, da população russa pereceu entre 1941 e 1945. Se adicionarmos as perdas civis produzidas pelos bombardeios, pelas execuções, pela deportação, pela fome e pela perseguição racial às baixas militares, a Polônia perdeu, aproximadamente, um quarto de sua população, obra de 6 a 7 milhões de habitantes. Na Iugoslávia, é também por milhões que se enumeram as vítimas da guerra. Ao todo, uns 50ou 60 milhões de seres vivos desapareceram durante a guerra de 1939-1945.

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É certamente se referindo a estas tristes passagens, que Fábio Konder Comparato afirma em sua obra “A afirmação histórica dos Direitos Humanos” (2001, p. 37), que “a compreensão da dignidade suprema da pessoa humana e de seus direitos, no curso da História, tem sido, em grande parte, o fruto da dor física e do sofrimento moral.”

Com a cessação das hostilidades na Europa, em maio de1945, contavam-se mais de 40 milhões de pessoas deslocadas, de modo forçado ou voluntário, dos países onde viviam em meados de 1939 (COMPARATO, 2001, p. 214). Assim sendo, a Segunda Guerra Mundial, causa o sentimento de repulsa, em primeiro lugar, pelas barbáries cometidas, mas além disso, também pelo fato de, nesta condição, o próprio Estado ser apresentado como o grande violador de direitos humanos (PIOVESAN, 2004, p. 131). Isto foi fundamental para o desenvolvimento de uma nova consciência e para o fortalecimento e valorização desses direitos.

Como menciona Flávia Piovesan (2004, p. 132), a partir do momento em que os seres humanos se tornam supérfluos e descartáveis, no momento em que vige a lógica da destruição, em que cruelmente se abole o valor da pessoa humana, torna-se necessária a reconstrução dos direitos humanos, como “paradigma ético capaz de restaurar a lógica do razoável”. Após a ruptura da construção dos direitos humanos, que se deu até a ocorrência da Segunda Guerra Mundial, a reconstrução desses direitos, seria nas palavras de Flávia Piovesan (2004, p. 132), “referencial e paradigma ético que aproxime o direito da moral.” E neste novo cenário, o da reconstrução dos direitos humanos, o maior de todos os direitos, seria, adotando a terminologia utilizada por Hannah Arendt, o direito a ter direitos.

O mundo, perplexo com os acontecimentos, estava ansioso por respostas. A Segunda Guerra Mundial havia deixado um rastro incomensurável de destruição, tanto física, quanto psicológica. Horrores inimagináveis praticados levaram à reflexão e à necessidade de resgate de valores essenciais ao ser humano que haviam sido afrontados. Sem dúvida, os engendros bárbaros cometidos na Segunda Guerra Mundial, foram o motivo para que mudanças ocorressem.

Assim, o movimento de internacionalização dos direitos humanos desenvolveu-se extraordinariamente depois da desenvolveu-segunda guerra mundial, em resposta às atrocidades cometidas ao longo do Nazismo (GALLI, 2000, p. 63). Com esse processo, a pessoa passou a ser o foco da atenção internacional e a dignidade da pessoa humana, até certo ponto, tornou-se um princípio universal e absoluto (GUERRA, 2011, p.76).

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Verifica-se então que, a partir da segunda metade do Século XX, com as duras lições deixadas pelo Holocausto da Segunda Guerra Mundial, a análise da dignidade humana ganha âmbito internacional, consolidando a ideia de limitação da soberania nacional e reconhecendo que os indivíduos possuem direitos inerentes à sua existência que devem ser protegidos (GUERRA, 2008, p. 40). Nos dizeres de Douzinas (2009, p. 18):

A condição mais elevada dos direitos humanos é vista como o resultado da sua universalização jurídica, do triunfo da universalidade da humanidade. A lei dirige-se a todos os Estados e a todas as pessoas humanas quã humanas e declara suas prerrogativas de fazerem parte do patrimônio da humanidade.

As atrocidades cometidas contra a humanidade fizeram nascer a consciência da necessidade de impedir novas crueldades, resgatando os valores humanitários abolidos com a guerra, principalmente a dignidade humana, que deve ser garantida a todos, sem critérios, senão o de ser humano.

Neste ponto, tem destaque a contribuição da história, por meio de seus vários mecanismos, como documentos, monumentos entre outros, que possibilitaram a construção e reconstrução do conhecimento, do estudo acerca dos direitos humanos (NORA, 1993, p. 53).

Após a Segunda Guerra Mundial, iniciou-se uma verdadeira maratona de criação de documentos internacionais, que fizeram com que várias mudanças ocorressem na legislação nacional dos países que os ratificaram. A preocupação destes documentos, e do sistema geral de proteção aos direitos humanos a partir daí, não era mais com as minorias, como no passado, podendo-se citar as vítimas da guerra, com o direito humanitário, além dos trabalhadores, com a criação da Organização Internacional do Trabalho. A preocupação agora era com a proteção dos direitos do ser humano, sem levar em conta cor, idade, sexo, profissão, ou nacionalidade.

Quanto à nacionalidade, mencionando especificamente os “não-cidadãos”, ou, “apátridas”, que representa o ser humano “sem pátria”, Celso Lafer traz interessante passagem em sua obra. Ele relata o caso de Hannah Arendt, a escritora que foi uma refugiada, e sentiu na própria pele a condição de apátrida. Traz parte do artigo por ela escrito em 1943, intitulado “refugees”, onde ela descreve que (LAFER, 2003, p. 148): “Perdemos nossos lares, o que significa a familiaridade da vida quotidiana. Perdemos nossas ocupações, o que significa a confiança de que temos alguma utilidade no mundo.”

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Por situação igual a da Escritora Hannah Arendt, milhares de pessoas também passaram. Esta é apenas uma, das diversas formas de sofrimento vivenciadas por milhares de pessoas durante a Segunda Guerra Mundial. As pessoas simplesmente eram tratadas como “coisas”, como objetos sem vida, sem opinião, sem personalidade, sem Estado, sem família. Acerca do assunto, importante menção é feita por Flávia Piovesan (2009, p. 187):

Ao final da 2ª Guerra emerge a grande crítica e repúdio à ideia de um ordenamento jurídico indiferente a valores éticos, captado pela ótica meramente formal. Intenta-se a reaproximação da ética e do Direito, e neste esforço, surge a força normativa dos princípios, especialmente, o princípio da dignidade humana. Há um encontro com o pensamento kantiano, com as ideias de moralidade, dignidade, Direito cosmopolita e paz perpétua. Para Kant, as pessoas, em geral qualquer espécie racional, devem existir como um fim em si mesmo e jamais como um meio, a ser arbitrariamente para este ou aquele propósito. Os objetos tem, por sua vez, valor condicional, enquanto irracionais, e por isso são chamados “coisas”.

Por conta disso, após a Segunda Guerra Mundial, buscou-se garantias que iam além de interesses específicos dos Estados. Garantias coletivas, que se configuraram em uma inovação no cenário internacional, com certeza. Estas garantias foram visualizadas como condições para manutenção/preservação da ordem pública internacional. E daí se explica o esforço em tutelar os direitos dos “não-cidadãos”, o qual se justifica pelo fato de que, o entendimento passou a ser o da garantia de direitos mínimos, pela condição humana dos sujeitos, não importando para tanto cor, sexo, idade, tampouco a nacionalidade (LAFER, 2003, p. 155).Nas palavras de Augusto Cançado Trindade (2009, p. 15):

Os direitos proclamados eram claramente concebidos como inerentes à pessoa humana, a todos os seres humanos (portanto anteriores a toda e qualquer forma de organização política ou social), e de que a ação de proteção de tais direitos não se esgotava –não poderia esgotar-se na ação do Estado.

Assim, durante o processo de reconstrução dos direitos humanos, fortalece-se a ideia de que a proteção desses direitos não pode ficar a mercê da proteção estatal, uma vez que tal matéria passa a ter relevância internacional. Para Andrew Hurrell (APUD PIOVESAN, 2009, p. 186),

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O aumento significativo das ambições normativas da sociedade internacional é particularmente visível no campo dos Direitos humanos e da democracia, com base na ideia de que as relações entre governantes e governados, Estados e cidadãos, passam a ser suscetíveis de legítima preocupação da comunidade internacional; de que os maus tratos a cidadãos e a inexistência de regimes democráticos devem demandar ação internacional; e que a legitimidade internacional de um Estado passa crescentemente a depender do modo pelo qual as sociedades domésticas são politicamente ordenadas.

Para a demanda de ações internacionais, nos casos de violação aos direitos humanos, pela relativização da soberania estatal em relação à matéria, é que foram sendo criados ao longo do tempo, mais precisamente no pós-guerra, diversos documentos internacionais no sentido de garantir em relação aos Estados, o monitoramento, o controle e a intervenção internacional, se necessário. Nas palavras de Hélio Bicudo (1997, p. 161), “A verdade é que, pouco a pouco, foi se superando o entendimento de que a proteção dos direitos humanos se esgota na atuação dos Estados”.

Como sequencia no presente trabalho, após a abordagem acerca do já intitulado “triste acontecimento na história da humanidade” que foi a Segunda Guerra Mundial, debruça-se a partir de agora, sobre alguns acontecimentos que são motivo de alegria, ou de esperança na história da luta pelos direitos humanos, uma vez que trouxeram garantias, bem como mecanismos de controle na proteção desses direitos.

1.3. A Criação da Organização das Nações Unidas

De fato, no período pós-guerra, houve uma profunda alteração no plano das relações internacionais, com a tomada de consciência de que alguns problemas não poderiam ser resolvidos apenas pelos Estados, mas, que necessitariam da colaboração dos demais membros da comunidade internacional. Deu-se início ao processo de formação de um sistema internacional de proteção aos direitos humanos, como já mencionado. Neste cenário ocorre um fato marcante e decisivo: a Criação da Organização das Nações Unidas, a ONU, que nasceu como uma resposta da sociedade internacional aos trágicos acontecimentos da Segunda Guerra Mundial.

Tecnicamente falando, a expressão Nações Unidas, não estaria correta, uma vez que se trata de uma união de Estados. No entanto, se fosse utilizada a expressão Estados Unidos, poderia ser criada confusão com os Estados Unidos da América. Assim sendo, preferiu-se utilizar a expressão “Nações Unidas” (DALLARI, 2005, p. 228).

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Guerra Mundial, pelos Estados que estavam em luta contra o eixo nazista formado pela Alemanha, Itália e Japão, que resolveram congregar a favor da manutenção da paz e da segurança nacional. De acordo com Wagner Menezes (2005, p. 551), a ONU foi consequência de sucessivas reuniões entre os principais líderes mundiais, com a presença de países socialistas, capitaneados pela URSS, e capitalistas, liderados pelos Estados Unidos. Enfim, compunham os países aliados, vencedores da segunda grande guerra.

De acordo com Maurice Bertrand (2004, p. 43), aquilo que o mundo de 1945 necessitava, em primeiro lugar, eram instituições que permitissem a cooperação. Assim, esta organização surgiu com a missão de se tornar uma entidade política de alcance mundial e com a pretensão de ser um anteparo de defesa da dignidade humana e da solução pacífica dos conflitos internacionais (COMPARATO, 2001). Ela se tornou, nas palavras de Wagner Menezes (2005, p. 551), “um foro de diálogo permanente entre as nações.” Segundo Rezek (2010, p. 225), até a fundação da Organização das Nações Unidas, em 1945, não se tinha segurança para afirmar que houvesse, em direito internacional público, preocupação consciente com o tema dos direitos humanos e com a proteção da dignidade da pessoa humana.

As ideias “germinais” da ONU, nas palavras de Comparato (2001, p. 216), encontram-se na mensagem sobre o Estado da União, dirigido pelo Presidente Franklin D. Roosevelt ao congresso americano em 6 de janeiro de 1941, e também na chamada “Carta do Atlântico”, assinada pelo presidente norte americano Roosevelt e o primeiro ministro britânico Winston Churchill em 14 de agosto de 1941, ainda antes da entrada dos Estados Unidos na Guerra.

Na referida “Carta do Atlântico”, Roosevelt e Churchill declararam que o objetivo comum a seus países, na guerra em curso, era o respeito pelo direito de todos os povos de escolher a sua própria forma de governo, bem como a intenção de lutar para a restauração dos direitos soberanos e de autogoverno, para todos aqueles que dele foram privados pela força. Ademais, obrigavam-se a promover o igual acesso de todos os Estados ao comércio mundial e ao suprimento de matérias primas, a liberdade de navegação, o que de fato, era uma necessidade (RIBEIRO, 1998, p. 43).

Além disso, também figurou como princípio o desarmamento, e a declaração do objetivo de promover a colaboração dos demais países, no sentido de melhorar as condições de trabalho, e mostraram preocupação com a previdência social e também com o progresso econômico. Comprometeram-se, após a “destruição da tirania nazista”,

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a procurar estabelecer a paz num ambiente em que todas as nações pudessem viver “com segurança dentro de suas fronteiras, livres do medo e da miséria”. A carta do Atlântico foi depois incorporada à Declaração das Nações Unidas, em 1º de janeiro de 1942. Os signatários foram nomeados “membros originários da ONU” (COMPARATO, 2001, p. 217).

Além da Carta do Atlântico, de 1941, a Criação da Organização das Nações Unidas foi precedida ainda pela Conferência de Washington (01.01.1942), pela Conferência de Moscou (1943), e pela conferência de Bretton Woods, em julho de 1944 (GOMES, 2011, p. 112).

A Declaração das Nações Unidas, assinada em 1 de janeiro de 1942 na cidade de Waschington, teve a participação de 26 países. Por ocasião da reunião, os países participantes aderiram aos princípios da Carta do Atlântico, e convidaram todos os estados empenhados na derrota do “Hitlerismo” a aderi-los também. Até março de 1945, mais vinte e um estados declararam sua adesão (RIBEIRO, 1998, p. 44).

No ano seguinte, em 1 de novembro de 1943, os representantes do Reino Unido, Estados Unidos e a União Soviética assinaram a declaração de Moscou, onde pela primeira vez se referiu a necessidade de se estabelecer o mais rápido possível uma organização geral para a manutenção da paz e da segurança internacionais (RIBEIRO, 1998, p. 44).

Já em fevereiro de 1945, Roosevelt, Churchil e Stalin reuniram-se no sul da União Soviética, onde celebraram vários acordos por conta da situação mundial do pós guerra. Por ocasião de tal encontro, estabeleceram que as “Nações Unidas” realizariam uma conferência sobre a organização mundial em 25 de abril de 1945, com sede nos Estados Unidos (GOMES, 2011, p. 92). Tais trabalhos foram realizados de 25 de abril a 26 de junho de 1945. Há que se lembrar que as hostilidades ainda não haviam acabado em tal período, visto que a Alemanha só se rendeu em 8 de maio e o Japão em 26 de junho (RIBEIRO, 1998, p. 44).

A Carta das Nações Unidas portanto, data de 26 de junho de 1945, foi assinada na cidade de São Francisco (EUA), e contou no início com 50 Estados, sendo estabelecida a sua sede em Nova York. A Polônia, no entanto, apesar de não ter sido representada na Conferência, tendo assinado posteriormente, é elencada como membro originário, perfazendo neste caso, 51 Estados (GUERRA, 2011, p. 80). Nota-se que já no preâmbulo da Carta das Nações Unidas - a ideia de preservação dos direitos do homem está claramente fixada:

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Nós, os povos das nações unidas, resolvidos a preservar as gerações vindouras do flagelo da guerra, que por duas vezes, no espaço da nossa vida, trouxe sofrimentos indizíveis à humanidade, e a reafirmar a fé nos direitos fundamentais do homem, na dignidade e no valor do ser humano, na igualdade de direitos dos homens e das mulheres, assim como das nações grandes e pequenas, e a estabelecer condições sobre as quais a justiça e o respeito às obrigações decorrentes de tratados e de outras formas de direito internacional possam ser mantidos (...) (RANGEL, 2002, p. 35).

Os principais propósitos defendidos pela Carta das Organizações Unidas são a manutenção da paz e da segurança internacional; o fomento de relações amistosas entre as nações, com base no respeito e na igualdade de direitos; na autodeterminação dos povos; a cooperação na resolução de problemas internacionais de caráter econômico, cultural e humanitário; o estímulo ao respeito dos direitos humanos e das liberdades fundamentais (GUERRA, 2005, p. 354).

Segundo Comparato (2001, p. 215),

em 1945, objetivou-se colocar a guerra definitivamente fora da lei (...). as Nações Unidas nasceram com a vocação de se tornarem a organização da sociedade política mundial, à qual deveriam pertencer portanto, necessariamente, todas as nações do globo empenhadas na defesa da dignidade humana.

Para o alcance de seus objetivos, a Organização das Nações Unidas foi dividida em vários órgãos. Entre os principais, estão 5. O primeiro é a Assembleia Geral, da qual fazem parte todos os membros das Nações Unidas, cada Estado com um voto. Sua função é discutir e fazer recomendações relativas a qualquer matéria objeto da Carta.

A Assembleia Geral reúne-se em sessões ordinárias anuais e em sessões extraordinárias conforme as circunstâncias exigirem. As decisões são tomadas por maioria simples dos presentes e votantes, e em caso de assuntos relevantes, a decisão se dá pelo voto de dois terços dos membros presentes e votantes (CASELLA, 2005, p. 21).

O segundo órgão, é o Conselho de Segurança, cuja principal responsabilidade é a de manutenção da paz e segurança. É composto por 5 membros permanentes (China, França, Reino Unido, Estados Unidos e a Rússia), e 10 membros não permanentes, eleitos pela Assembleia Geral para mandato de 2 anos. De acordo com Casella (2005, p. 22):

Qualquer membro das Nações Unidas, não membro do Conselho, pode tomar parte, sem direito de voto, na discussão de qualquer questão submetida ao Conselho, se este considerar que os interesses do referido membro se acham, especificamente em jogo. Analogamente, qualquer dos membros ou qualquer Estado que não pertença às Nações Unidas será convidado a participar, sem direito de voto, na discussão de qualquer controvérsia submetida ao Conselho, uma vez que seja parte na controvérsia.

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Na ocorrência de alguma controvérsia, cabe ao Conselho de Segurança buscar a resolução amistosa do conflito, mediante recomendação de adoção de procedimentos pacíficos, no objetivo de evitar situações ou controvérsias que possam se concretizar em ameaças à paz e segurança.

O Conselho de Segurança possui ainda o poder de suspender o exercício dos direitos e privilégios de algum Estado membro, quando contra este for levada a efeito qualquer ação preventiva ou coercitiva, e ainda, no caso de algum membro das Nações Unidas violar os princípios da carta, este poderá ser expulso pela Assembleia Geral, por recomendação do Conselho de Segurança (CASELLA, 2005, p. 20).

Já a Corte Internacional de Justiça, terceiro órgão da Organização das Nações Unidas, é formada por 15 juízes, e dispõe de competência contenciosa e consultiva. Este é o principal órgão judiciário das Nações Unidas. Possui sede em Haia, e tem como línguas oficiais o francês e o inglês. Os juízes têm mandato de 9 (nove) anos, e podem ser reeleitos. Nenhum deles poderá exercer qualquer função política ou administrativa, ou dedicar-se a outra ocupação, de natureza profissional, nem poderá servir como agente, consultor ou advogado, nem tampouco participar da decisão de qualquer questão na qual, anteriormente, tenha intervindo como agente, consultor ou advogado de uma das partes, como árbitro ou juiz, ou em qualquer outro caráter. Ainda de acordo com Casella (2005, p. 25):

A carta da ONU destacou a importância e o papel da Corte Internacional de Justiça, na medida em que a inclui entre os órgãos principais da organização, e acrescenta que o Estatuto da Corte é parte integrante da Carta. A qualidade de Membros das Nações Unidas implica aceitação integral do referido Estatuto.

Cada Estado Membro das Nações Unidas assume o compromisso de acatar e cumprir a decisão da Corte em qualquer caso em que for parte. Segundo o artigo 38 do Estatuto da Corte Internacional de Justiça, a esta cabe decidir, de acordo com o Direito Internacional, as controvérsias que lhe forem submetidas, aplicando para tanto, as convenções internacionais, os costumes internacionais, os princípios gerais de direito, com a ressalva de que as decisões da Corte só são obrigatórias para as partes em litígio e a respeito do caso em questão.

Quanto à função consultiva, a Corte Internacional de Justiça pode emitir parecer sobre qualquer matéria, desde que de ordem jurídica, seja a pedido da Assembleia Geral, do Conselho de Segurança ou de qualquer outro órgão das Nações Unidas.

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este era composto por 27 membros, em 2001 (COMPARATO, 2001, p. 217), e em 2005, por 54 membros (CASELLA, 2005, p. 23). Possui competência para promoção e cooperação em questões econômicas, sociais e culturais, incluindo os Direitos Humanos. Nas palavras de Comparato (2001, p. 217), caberia ao Conselho Econômico e Social a incumbência de favorecer entre os povos “níveis mais altos de vida, de trabalho efetivo e condições de progresso e desenvolvimento econômico e social.” De acordo com o art. 68 da Carta, poderá o Conselho Econômico e Social promover a criação de Comissões que se mostrarem necessárias para o desempenho de suas competências. Neste sentido, foi criada a Comissão dos Direitos Humanos.

Criada em 1946, pela Resolução 5(I) do Conselho Econômico e Social, a Comissão de Direitos Humanos era integrada originalmente por 18 estados membros. Este número foi aumentado em 1961, para 21, em 1966, para 43, e em 1990, para 53 membros, sendo estes eleitos para mandato de 3 anos, destes, 15 da África, 12 da Ásia, 11 do “grupo de estados latino-americanos e caribenhos”, 10 do “grupo de Estados da Europa Ocidental e outros”, e 5 da Europa Central (ALVES, 1994, p. 73). Nas palavras de Thomas Buergenthal (APUD PIOVESAN, 2004, p. 142),

Esta comissão deve submeter ao Conselho Econômico e Social propostas, recomendações e relatórios relativos aos instrumentos internacionais de direitos humanos, à proteção das minorias, à prevenção da discriminação e demais questões relacionadas aos Direitos Humanos. A Declaração Universal, os Pactos, as Convenções e muitos outros instrumentos de direitos humanos adotados pela ONU foram redigidos pela Comissão.

Uma das primeiras tarefas da Comissão de Direitos Humanos foi a de esboçar uma carta de direitos e apresentá-la à Assembleia Geral. O autor da proposta foi o professor canadense John Humphrey. Esta proposta, depois de amplamente debatida, foi adotada pela ONU como a Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948). Este foi um acontecimento fundamental.

Ainda sobre a Comissão de Direitos Humanos, importante ressaltar que ela não possui competência judicial, tampouco capacidade de ação compensatória perante casos individuais, embora possua importante função de monitoramento dos Direitos Humanos. Nas palavras de Lindgren Alves (1994, p. 75), “lidando com grande diversidade de culturas, ideologias, sistemas legais e políticos, assim como níveis de desenvolvimento econômico-social, seus objetivos fundamentais são o estabelecimento de parâmetros universais e o controle de sua observância na prática dos Estados”.

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administrativo das Nações Unidas, com sede permanente em Nova Iorque. Todo tratado firmado por Estado Membro deve ser registrado e publicado pelo Secretariado depois de sua entrada em vigor, de acordo com o art. 102 da carta (CASELLA, 2005, p. 25).

Além destes cinco órgãos, existem outros, como por exemplo, o Conselho de Tutela, no entanto, com pouca efetividade prática. Saliente-se a menção que faz o art. 7º da Carta, ao prever que outros órgãos poderiam ser criados, em caso de necessidade (PIOVESAN, 2004, p. 140).

Desde a sua criação, a ONU sempre primou pela defesa de justiça e igualdade para as pessoas e povos (GUERRA, 2005, p. 350). Nas palavras de Wagner Menezes (2005, p. 547):

A fundação das Nações Unidas após a 2ª Guerra (...) representou um alento para o desenho de uma nova forma de relação de poder em razão de se provar a ser um foro multilateral de negociações, além de representar o deslocamento do centro de poder internacional, do desgastado modelo eurocentrista para um novo eixo de poder liderado por Estados Unidos e por União Soviética a partir da proposta do estabelecimento de um foro internacional representado por um sistema multilateral e participativo.

Ainda de acordo com o mesmo autor, a criação da ONU representou a possibilidade de democracia internacional com o estabelecimento de um foro multilateral de discussão dos problemas mundiais, que consagrava princípios orientadores da ação dos Estados que aderissem a ela.

Alem disso, a ONU também possibilitou a mudança em relação à sociedade internacional que era baseada principalmente na soberania estatal, pautada em regras costumeiras, para a institucionalização de relações interestatais e a produção de regras que transformaram o Direito Internacional em um sistema de normas positivas e mais claras (MENEZES, 2005, p. 551). De acordo com o mesmo autor (MENEZES, 2005, p. 552),

Não se pode deixar de observar que a Carta das Nações Unidas, por ser um documento ratificado, sem ressalvas, por toda a comunidade internacional, seguramente estabelece, a partir de sua edição, uma nova ordem jurídica de relação entre os Estados, preconizando em seu preâmbulo a renúncia à guerra, o respeito aos tratados e outras fontes do Direito Internacional, estabelecendo assim um verdadeiro Estado Mundial de Direitos, ou uma ordem mundial assentada sobre o Direito Internacional.

Assim, a Carta das Nações Unidas representa a consolidação do movimento de internacionalização dos Direitos Humanos, e resultou numa grande mudança no sistema westfaliano das relações internacionais, que reconhecia o Estado como único sujeito de direito internacional (GUERRA, 2011, p. 83).

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