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2. OS TRIBUNAIS INTERNACIONAIS

2.3 Os Tribunais Ad Hoc

Além do Tribunal de Nuremberg, outros tribunais também trariam inovação no sistema internacional de proteção a direitos, em especial dos direitos humanos, e também serviram como fonte de inspiração para o Tribunal Penal Internacional. A criação destes tribunais foi o marco de uma nova etapa, qual seja o estabelecimento de tribunais penais internacionais ad hoc, para responsabilizar indivíduos pela prática de crimes contra o Direito Humanitário na ex- Iugoslávia, e os responsáveis pelo crime de genocídio em Ruanda (RAMOS, 2012, p. 274).

O Conselho de Segurança das Nações Unidas, em 25 de maio de 1993, por meio da resolução nº. 827, criou um Tribunal para Crimes de Guerra, com a função principal de investigar as sérias violações ao direito humanitário internacional, cometidas no território da Antiga Iugoslávia, desde 1991, incluindo entre as violações, o assassinato em massa, a detenção sistemática e organizada, o estupro de mulheres e a prática da “limpeza étnica” (PIOVESAN, 2004, p. 210). Segundo a mesma autora (2004, p. 212), “O Tribunal Internacional Penal para a ex – Iugoslávia condenou cinco bósnios croatas pelo massacre de mais de cem bósnios muçulmanos (incluindo mulheres e crianças), ocorrido na Bósnia em 1993”.

O Tribunal Internacional para julgar as violações graves aos Direitos Humanos praticadas no território da ex Iugoslávia depois de 1991, é competente para conhecer dos crimes de genocídio, crimes contra a humanidade, violações às leis e costumes de guerra,e infrações graves às Convenções de Genebra de 1949. A sede do Tribunal encontra-se em Haia, e sua composição contava com 14 juízes de diferentes nacionalidades. Joanisval Brito Gonçalves informa em sua obra publicada no ano de 2001 (p. 235) que, “desde sua criação, o Tribunal deu início a processos públicos de 94 pessoas, por cerca de 30 denúncias”.

Quanto ao crime de genocídio, importante fazer algumas observações quanto à Convenção para Prevenção e Repressão deste crime. Segundo Flávia Piovesan (2004, p. 210), “pode-se afirmar que esta Convenção foi o primeiro tratado internacional de proteção aos Direitos Humanos aprovado no âmbito da ONU.” Sua adoção data de 09 de dezembro de 1948. O Brasil assinou a Convenção em 11 de dezembro de 1948 e ratificou-a em 15 de abril de 1952.

Esta Convenção defende ser o genocídio um crime que viola o Direito Internacional, aos quais os Estados se comprometem a respeitar e a cumprir. No preâmbulo da Convenção (TRINDADE, 1991, p. 316), consta que a Assembleia Geral da ONU, em sua resolução nº 96, de 11 de dezembro de 1946, já declarou ser o Genocídio um crime contra o direito dos povos, e em contradição com o espírito e os fins das Nações Unidas e é condenado por todo o mundo civilizado.

O artigo 2º da Convenção entende por genocídio “qualquer dos seguintes atos, cometidos com a intenção de destruir, no todo ou em parte, um grupo étnico, racial ou religioso, tal como assassinato de membros do grupo, dano grave à integridade física ou mental de membros de grupo, submissão, intencional do grupo a condições de existência que lhe ocasionem a destruição física total ou parcial, medidas destinadas a impedir os nascimentos no seio do grupo e transferência forçada de crianças de um grupo para outro grupo. Segundo André de Carvalho Ramos (2012, p. 280),

O uso do termo foi cunhado por LEMKIM em livro de 1944 ao se referir às técnicas nazistas de ocupação no território da Europa, tendo se inspirado nas partículas genos (raça, tribo) e cídio (assassinato). Por isso, o preâmbulo da Convenção pela Prevenção e Repressão ao Crime de Genocídio (1948) faz menção a ser o genocídio um crime de Direito Internacional (“international law crime”), reforçando seu pertencimento ao gênero.

Além disso, a Convenção determina ainda que aqueles que já tiverem cometido crime de genocídio serão punidos independente de sua função, sejam governantes,

funcionários ou particulares. Quanto ao julgamento, o artigo 6º versa que “as pessoas acusadas de genocídio serão julgadas pelos tribunais competentes do Estado em cujo território o ato foi cometido ou pela corte penal internacional competente.” Portanto, a Convenção não determinou a adoção de um sistema próprio de monitoramento, apenas reconheceu que, em alguns casos, talvez os Estados não tivessem a capacidade processual de julgar e condenar os criminosos, de modo que desde 1948 então, com a referida Convenção, já era prevista a criação de uma Corte Penal Internacional para o julgamento do crime de genocídio (PIOVESAN, 2004, p. 211).

Importante lembrar o que caracteriza o crime de genocídio. Destaca André de Carvalho Ramos (2012, p. 280) que “O objeto tutelado pela tipificação de genocídio é a própria existência do grupo, que é constituído pelos quatro vínculos”. Está a falar da nacionalidade, formado por pessoas que “se reconhecem como membros de uma nação”, da etnia, formado pelo grupo que “compartilha uma identidade histórica e cultural”, do vínculo racial, caracterizado pelos “traços fenotípicos distintivos”, e, finalmente, o vínculo religioso, o qual “agrega os indivíduos unidos pela fé espiritual”.

Especificamente em relação ao caso Brasileiro, interessante fazer um parênteses para lembrar que no ano de 2006, o Supremo Tribunal Federal reconheceu que a competência para julgar o crime de genocídio é federal, do juiz monocrático. Já no plano internacional, necessária se faz a menção ao julgamento que é considerado um marco contemporâneo da jurisdição do Tribunal Penal Internacional. Trata-se da prisão perpétua de Jean Paul Akayesu, ocorrida em 1998, em relação ao genocídio de Ruanda (RAMOS, 2012, p. 281).

Além do Tribunal ad hoc para a ex Iugoslávia, inspirado neste e também pelos princípios gerados pelo Tribunal de Nuremberg, foi criado o Tribunal de Ruanda. Em relação à matéria, afirma Flávia Piovesan (2004, p. 212) que

Em julho de 1994, o Conselho de Segurança, por meio da Resolução 935, estabeleceu uma comissão para investigar as violações humanitárias ocorridas ao longo da guerra Civil em Ruanda. As investigações tiveram como resultado dois relatórios que levaram ao estabelecimento de um Tribunal Ad Hoc para Ruanda. O Estatuto deste Tribunal, adotado pela Resolução 955 do Conselho de Segurança, foi inspirado no Estatuto do Tribunal para a ex- Iugoslávia.

Esta investigação dos crimes praticados em Ruanda, também nomeado como o “massacre” de Ruanda, ocorrido por conta do enfrentamento das etnias Tutsis e Hutus (GUERRA, 2008, p. 84), o governo do país havia solicitado a Intervenção das Nações Unidas, sendo que então, o Conselho de Segurança das Nações Unidas, estabeleceu o

Tribunal Ad Hoc para julgar os responsáveis pela chacina de mais de um milhão de pessoas, entendendo que se tratava de atos de genocídio, além de configurar várias violações do direito internacional humanitário, de acordo com a Resolução de 8 de novembro de 1994 (COMPARATO, 2001, p. 249). De acordo com Joanisval Brito Gonçalves (2001, p. 240),

Um comitê de investigação do Conselho de Segurança da ONU confirmou que cerca de meio milhão de homens, mulheres e crianças Tutsi – bem como Hutus moderados – foram massacrados, tiveram partes de seus corpos amputadas e sofreram todos os tipos de maus tratos causados por milícias Hutus, incitadas por seus líderes.

A sede do Tribunal de Ruanda está localizada em Arusha, na Tanzânia, uma vez que Ruanda havia sido devastada pela guerra civil. Por motivo de economia, o Procurador Chefe e as Câmaras de apelação do Tribunal para Ruanda são os mesmos do Tribunal para Ex Iugoslávia. Além destes, o Tribunal é composto por três câmaras de julgamento, com três magistrados cada. Quanto à competência, o Tribunal de Ruanda é competente para o julgamento de crimes de genocídio e outras violações graves às normas de direito humanitário no território de Ruanda, bem como de cidadãos ruandenses responsáveis por tais crimes cometidos nos territórios de países vizinhos, atente-se, entre 01/01/1994 a 31/12/1994 (GONÇALVES, 2001, p. 242).

Os tribunais ad hoc adotaram o princípio da primazia da jurisdição internacional em detrimento da jurisdição nacional. De acordo com André de Carvalho Ramos (2012, p. 274), “assim, ficou determinado que cada um desses tribunais teria primazia sobre as jurisdições nacionais, podendo, em qualquer fase do processo, exigir oficialmente às jurisdições nacionais que abdicassem de exercer jurisdição em favor da Corte Internacional”. Ao tratar dos Tribunais Ad Hoc, ressalta o Human Rights Watch Report (APUD PIOVESAN, 2004, p. 212):

Talvez neste ano o mais importante e positivo desenvolvimento relativo aos direitos humanos se ateve à criação de um sistema internacional de justiça para as terríveis violações de direitos humanos. (...) Durante o ano de 1994, parece cada vez mais possível a instituição de um novo instrumento: um sistema internacional de justiça que assegure aos perpetradores do genocídio, crimes de guerra e crimes contra a humanidade, a devida responsabilização. Pela primeira vez, desde os Tribunais de Nuremberg e Tóquio, um sistema como esse está a promover justiça às vítimas de extremos abusos, bem como inibir a tentativa de repetição desses crimes.

Os tribunais ad hoc, assim como o Tribunal de Nuremberg, receberam algumas críticas. Dentre elas, a mais latente, no sentido de serem eles por tempo determinado, ou seja, tribunais internacionais temporários, quando na verdade, a sociedade internacional

ansiava por algo mais concreto, mais duradouro. Além disso, também foram criticados, em virtude de terem sido criados por resoluções do Conselho de Segurança da ONU, e não por um tratado internacional. Segundo alguns pensadores, essa característica poderia prejudicar a criação de uma justiça Penal Internacional permanente (MAZZUOLI, 2005, p. 27).

Em relação à matéria, afirma Renata Mantovani de Lima (2006, p. 37) que “essa dinâmica de poder desencadeia receios oriundos da criação dos Tribunais para a ex Iugoslávia e Ruanda como órgãos subsidiários do Conselho de Segurança”. A autora traz o questionamento acerca do por que em outros casos, citando os exemplos de Camboja e Serra Leoa, não foram criados tribunais. E ela vai mais além, trazendo a informação de que, o poder de veto dos cinco membros permanentes do Conselho de Segurança – China, França, Federação Russa, Reino Unido da Grã-Betanha e Irlanda do Norte e Estados Unidos – permite-lhes obstar qualquer decisão.

É que vige aí o princípio da unanimidade, ou seja, se um dos nove membros permanentes não for favorável, a decisão não será executada. Dessa maneira, ainda seguindo as palavras da autora (2006, p. 37), “levanta-se a suposição de que o Conselho de Segurança nunca criaria Tribunais com competência para julgar e punir eventuais crimes cometidos por nacionais dos seus Estados – Membros com assento permanente”. Por fim, surgiram críticas ainda no mesmo sentido do Tribunal de Nuremberg, quanto ao princípio da legalidade e anterioridade da lei penal. Afirma Valério Oliveira Mazzuoli (2005, p. 28) que

Foi justamente pelo fato de que tais tribunais tiveram sua criação condicionada pelos fatos que imediatamente os antecederam, que alguns países, dentre eles o Brasil, ao aprovarem a instituição de tribunais ad hoc, expressamente manifestaram seu ponto de vista pela criação, por meio de um tratado internacional, de uma corte penal internacional permanente, independente e imparcial, competente para o processo e julgamento dos crimes perpetrados depois de sua entrada em vigor no plano internacional.

Fato é que após a criação dos Tribunais ad hoc, a corrida pela criação de um Tribunal Internacional Penal Permanente no âmbito das Nações Unidas começou a acelerar. Já havia muitas críticas no sentido da criação de tribunais de exceção, bem como a inobservância do devido processo legal. Além disso, vários documentos internacionais em relação à matéria já criados – Declaração Universal dos Direitos do Humanos de 1948, a Convenção para a prevenção e repressão do crime de genocídio (será abordada pelo presente trabalho no item seguinte), também de 1948, quatro convenções de Genebra sobre o direito humanitário, do ano de 1949, enfim, vários

documentos internacionais que levavam ao caminho da instituição desta Corte Penal Internacional de caráter permanente (MAZZUOLI, 2005, p.32).