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CAPÍTULO 1 - A privação de liberdade no sistema prisional: direitos humanos

1.4 A defesa do direito à saúde nas prisões brasileiras

mínimo de procedimentos para garantir a atenção básica e a assistência no nível da média complexidade a cem por cento (100%) da população penitenciária brasileira.

As ações de atenção básica prescrita no PNSSP tomaram como referência a Norma Operacional da Assistência à Saúde – NOAS-SUS10 e contemplavam:

controle de tuberculose, controle de hipertensão e diabetes, dermatologia sanitária, saúde bucal e saúde da mulher. Além dessas ações, estavam previstas ações complementares como: diagnóstico, aconselhamento e tratamento em DST/

HIV/AIDS, atenção em saúde mental, desenvolvimento de ações de promoção da saúde relativas à alimentação adequada, atividades físicas, garantia de condições salubres de confinamento, acesso a atividades laborais. Ainda previu referências para média e alta complexidade, programa de imunizações, aquisição de medicamentos. A ideia era construir unidades básicas de saúde dentro do sistema prisional.

O PNSSP foi uma proposta feita pelo governo federal aos estados da federação de inclusão da população privada de liberdade no SUS, sendo facultado aos estados aderirem ou não à proposta. É importante ressaltar que a relação interfederativa que envolve a esfera federal, estadual e municipal não é verticalizada e garante autonomia entre esses entes na condução de políticas. Por essa razão, nenhum estado ou município é obrigado a aceitar a proposta do governo federal, em vez disso a proposta é pactuada na Comissão Intergestores Tripartite (CIT)11 e na Comissão Intergestores Bipartite (CIB)12 de que participam as esferas estadual e municipal.

Sendo assim, uma vez o PNSSP aceito, coube às Secretarias de Estado da Saúde e da Justiça, conforme o art 2º da portaria n º 628 (BRASIL, 2002a), formular o Plano Estadual definindo metas e formas de gestão do referido plano, bem como a

10 A Norma Operacional da Assistência à Saúde tem como objetivo estabelecer equidade no acesso da população às ações e serviços de saúde em todos os níveis de atenção e tem como estratégia principal a regionalização para garantir uma maior capacidade de gestão do SUS. Fonte:

<http://dtr2001.saude.gov.br/sas/caderno%20NOAS%2002.pdf>.

11 Comissão Intergestores Tripartite (CIT) é um espaço intergovernamental constituído por representantes do Ministério da Saúde (MS), do Conselho Nacional de Secretários de Saúde (Conass) e do Conselho Nacional de Secretarias Municipais de Saúde (Conasems), que tem por finalidade discutir e pactuar políticas no âmbito do SUS.

12 Comissão Intergestores Bipartite (CIB) é um espaço intergovernamental, existente nos estados da federação, constituídos por representantes dos governos estaduais e dos governos municipais, cuja finalidade discutir e pactuar políticas no âmbito do SUS.

gerência das ações e serviços, além de referendar o plano estadual no Conselho Estadual de Saúde. Uma vez aprovado, a responsabilidade da sua gestão ficou a cargo das Secretarias de Estado da Saúde.

Entretanto, a municipalização das ações da saúde se mostrou incipiente, ficando na responsabilidade das Secretarias de Estado da Saúde e da Justiça propor pactos de atuação conjunta com as Secretarias Municipais de Saúde. Importa ressaltar que o PNSSP tinha como objetivo garantir, conforme os princípios e diretrizes do Sistema Único de Saúde – SUS, o acesso da população privada de liberdade à atenção básica que é de responsabilidade dos municípios. Sendo assim, se a atenção básica é de responsabilidade dos municípios, mas o PNSSP está na responsabilidade dos estados, consequentemente, há necessidade de pactuação entre estados e municípios que nem sempre é bem-sucedida e, portanto, enfraquece a pactuação do PNSSP.

Na esfera federal, coube ao Ministério da Saúde a elaboração de protocolos assistenciais e a padronização das normas, bem como a organização e controle do sistema de informação, em conjunto com o Ministério da Justiça. A ambos coube o repasse de recursos financeiros para induzir a adesão ao plano no território nacional. Cabe ressaltar que as ações previstas para o Ministério da Justiça, são aquelas relacionadas à reforma física e aquisição de equipamentos para os ambulatórios de saúde das unidades prisionais, de modo a atender às condições mínimas para a realização das ações de saúde previstas no PNSSP.

Percebemos que a primeira versão do plano ficou caracterizada pelo esforço em apresentar respostas aos problemas epidemiológicos inerentes ao sistema penitenciário brasileiro. Entretanto, se mostrou incipiente, principalmente no que se refere ao recurso financeiro que, conforme o art 5º da portaria n º 628 (BRASIL, 2002a) era de R$105,00 per capita/ano, ou seja, muito pequeno para enfrentar o problema de saúde pública no sistema prisional.

Do ponto de vista técnico era necessário melhorar o sistema de informação, por meio do qual se realiza o registro sobre as condições de salubridade dos presídios, dos serviços de saúde no sistema prisional que, nesse momento, era realizado pelo sistema informatizado de medicamentos de AIDS (Siclom/Siscel), e

cartão SUS. Sem um sistema de informação eficaz o repasse financeiro para os estados ficava comprometido, logo, comprometia a efetivação do plano.

Para alcançar as finalidades do PNSSP, ainda era necessário adequar os recursos humanos que foram organizados em equipe mínima, integrada por médico, enfermeiro, odontólogo, assistente social, psicólogo, auxiliar de enfermagem e auxiliar de consultório dentário, responsável pela saúde de até 500 presos (as).

Quanto à execução do PNSSP era necessário melhorar os dispositivos de articulação dos três níveis de gestão do SUS e da sociedade na garantia de inclusão das pessoas privadas de liberdade, considerando a defesa dos Direitos Humanos assumidos pelo Brasil em acordos, pactos internacionais como Declaração Universal dos Direitos Humanos (DUDH) de 1948, Regras Mínimas para o Tratamento dos Reclusos de 1955, Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos de 1966, entre outros.

Diante das dificuldades mencionadas acima, no que diz respeito à formulação da Portaria Interministerial n.° 628, de 2 de abril de 2002, o governo federal publicou a Portaria Interministerial nº 1777, de 09 de setembro de 2003, que revogou a Portaria anterior. Uma das diferenças que podemos destacar em relação à primeira versão do PNSSP foi a inclusão, conforme art. 10º (BRASIL, 2003a) de novos setores além dos Ministérios da Saúde e da Justiça, como, por exemplo, o envolvimento do Conselho Nacional de Secretários de Saúde, do Conselho Nacional de Secretários Municipais de Saúde e do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária (CNPCP) para acompanhar as ações de saúde voltadas as pessoas privadas de liberdade.

A portaria nº 1777 é reconhecida como o marco histórico legislativo que trata da saúde no modelo do SUS para o sistema prisional brasileiro. Ela é a portaria, a partir da qual toda alteração futura ocorreu até se transformar na Política Nacional de Atenção Integral à Saúde Sistema Prisional (PNAISP) no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS), cuja Portaria Interministerial MS/MJ nº 1 foi publicada em 2 de janeiro de 2014.

A partir da publicação da portaria nº 1777, é notório que o debate em torno do tema da saúde no sistema prisional começa a se intensificar, ao menos na esfera

federal. Nesse contexto de debate sobre a saúde no sistema prisional foi institucionalizada a Área Técnica da Saúde no Sistema Penitenciário (ATSSP), do Departamento de Ações Programáticas Estratégicas (DAPES) da Secretaria de Atenção à Saúde/MS que tem como missão promover políticas públicas de saúde para populações específicas como é o caso das pessoas privadas de liberdade.

Essa área se constituiu como um dispositivo, isto é,

um conjunto decididamente heterogêneo que engloba discursos, instituições, organizações arquitetônicas, decisões regulamentares, leis, medidas administrativas, enunciados científicos, proposições filosóficas, morais, filantrópicas. Em suma, o dito e o não dito são os elementos do dispositivo. O dispositivo é a rede que se pode tecer entre estes elementos.

(FOUCAULT, 1995, p. 244).

O principal objetivo da ATSSP era criar estratégias para acompanhar, avaliar e desenvolver o PNSSP, além de convencer as instâncias governamentais e a sociedade da necessidade de efetivar, por meio do plano, o SUS no sistema prisional.

A aprovação da portaria nº 1777, segunda versão do PNSSP, se deu por meio da pactuação na Comissão Intergestores Tripartite (CIT). O plano também foi aprovado no Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária/Ministério da Justiça, incluído no Plano Nacional de Saúde (BRASIL, 2005) e no Plano plurianual de saúde. Portanto, houve uma ampliação das instâncias de decisão competentes para sua aprovação.

No que diz respeito ao envolvimento da sociedade civil com o tema da saúde no sistema prisional, o plano foi contemplado, em 2004, na 12ª Conferência Nacional de Saúde e, portanto, apreciado por vários segmentos sociais que compõem essa instância de decisão que têm o propósito de avaliar e propor diretrizes para a formulação das políticas públicas de saúde em âmbito nacional. A importância dessa instância na formulação do plano foi ampliar o debate sobre a saúde no sistema penitenciário, na medida em que foi proposta, nessa conferência, a realização da

Conferência Nacional Sobre Sistema Prisional para discutir e definir estratégias de implementação do PNSSP.

O envolvimento de outros setores no debate sobre a saúde no sistema prisional foi positiva para o plano, porque forneceu subsídios para sua gestão e, ao mesmo tempo, contribuiu para que paulatinamente a ATSSP fosse se consolidando na interface de outras áreas específicas como, por exemplo, a que cuida da saúde da mulher que, em 2004, publicou a Política Nacional de Atenção Integral à Saúde da Mulher (Plano de Ação 2004 – 2007) que no objetivo específico nº 13 tinha como meta ter 100% dos estados habilitados para a atenção integral à saúde das presidiárias (BRASIL, 2004, p. 44).

Em termos técnicos, essa segunda versão do PNSSP, em relação ao sistema de informação (BRASIL, 2005) lança mão do Cadastro Nacional de Estabelecimentos de Saúde (CNES/SUS). Assim, os serviços de saúde já existentes nas penitenciárias, incluindo os manicômios judiciários, bem como a equipe mínima de saúde são cadastrados nesse sistema de informação. Através do Sistema de Informação da Atenção Básica – SIAB, ou transitoriamente pelo SIA/SUS ficou determinado que fosse realizado o monitoramento e avaliação das ações de saúde pertinentes aos planos operativos estaduais.

A equipe mínima estabelecida nessa versão do Plano permaneceu a mesma que na versão anterior. Ficou estipulado, conforme art. 5º (BRASIL, 2003a) que para as unidades prisionais com até 100 pessoas presas as ações de saúde deveriam ser realizadas por profissionais da Secretaria Municipal de Saúde que receberia o repasse no valor de R$ 20.004,00/ano por estabelecimento prisional. Nas unidades prisionais acima de 100 pessoas presas as ações de saúde seriam realizadas por uma equipe de saúde implantada para atender um grupo de até 500 presos(as) e o incentivo correspondeu a R$ 40.008,00/ano para custear cada equipe. Houve um aumento no financiamento do plano, porém muito aquém da real necessidade para custear as ações de promoção e de atenção à saúde para o sistema prisional.

A população carcerária passou a ser contemplada com os repasses dos recursos federais não mais como um subgrupo populacional que se encontrava sob a tutela do Judiciário. Isso se evidencia, na medida em que esta população (BRASIL,

2005) passa a ser considerada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) como população residente não sendo, portanto, de responsabilidade apenas do Judiciário, mas das três instâncias de governo da federação. Esse fato é importante, porque demonstra que a saúde destinada ao sistema prisional ocorria paralelamente ao SUS com ações de saúde orientadas segundo as prescrições da LEP.

A segunda versão do plano deixa de forma mais delineada suas diretrizes e estratégias para a saúde no sistema prisional que são:

prestar assistência integral resolutiva, contínua e de boa qualidade às necessidades de saúde da população penitenciária; Contribuir para o controle e/ou redução dos agravos mais freqüentes que acometem a população penitenciária; Definir e implementar ações e serviços consoantes com os princípios e diretrizes do SUS; Proporcionar o estabelecimento de parcerias por meio do desenvolvimento de ações intersetoriais; Contribuir para a democratização do conhecimento do processo saúde/doença, da organização dos serviços e da produção social da saúde; Provocar o reconhecimento da saúde como um direito da cidadania; estimular o efetivo exercício do controle social. (BRASIL, 2005, p. 14).