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CAPÍTULO 2 - Saúde no sistema prisional: cartografia de uma política pública

2.5 Cartografia da elaboração da PNAISP

substituição ganhou institucionalidade com a publicação da Portaria Interministerial nº 1.679 de 12 de agosto de 2013, conforme Art. 1º (BRASIL, 2013) que institui ―o Grupo de Trabalho Interministerial para a elaboração da Política Nacional de Saúde no Sistema Prisional – GTI/SISPE e o Comitê Técnico Intersetorial de Assessoramento e Acompanhamento da Política Nacional de Saúde no Sistema Prisional‖. A aprovação da Portaria Interministerial nº 1.679 veio a demostrar que a estratégia de transversalização assumida pelo DAPES estava funcionando, pois conseguiu o envolvimento dos Ministérios de estado da saúde, da justiça e do desenvolvimento social e combate à fome, e Ministérios de estado chefes da secretaria de Direitos Humanos da presidência da república, da secretaria de políticas para as mulheres da presidência da república e da secretaria de políticas de promoção da igualdade racial da presidência da república.

Se o PNSSP se aplicava ao sistema penitenciário, agora, a PNAISP se aplica ao sistema prisional como um todo.

A ampliação da cobertura do público alvo da PNAISP acompanhou o aumento dos recursos financeiros, bem como a reestruturação das equipes básicas de saúde.

Se no PNSSP (BRASIL, 2003a) o incentivo podia alcançar o valor de R$

40.008,00/ano por equipe de saúde implantada, na PNAISP (BRASIL, 2014a) o financiamento foi estipulado por mês podendo alcançar o valor de R$

42.949,96/mês. Além disso, foi definida uma complementação dos valores, tanto para estados quanto para municípios, com o objetivo de induzí-los a aderirem à PNAISP. Segundo o diretor do DAPES isso é devido a

toda uma engenharia, que nós produzimos coletivamente em relação ao reconhecimento das dificuldades que boa parte dos municípios têm em assumir responsabilidades sobre a saúde no sistema prisional. E reconhecemos isso, inclusive, incorporando um índice de compensação que foi, acho, um ganho que nós conseguimos produzir entre as três bancadas.

(INFORMAÇÃO VERBAL)35

A composição da equipe mínima de saúde definida no PNSSP era formada por 7 especialistas (médico, dentista, psicólogo, assistente social, enfermeiro, auxiliar de enfermagem e auxiliar de consultório dentário), e de natureza mista, pertencentes tanto às secretarias estaduais de justiça quanto às secretarias estaduais de saúde. Na PNAISP, a origem dos profissionais continua sendo mista, mas segundo as normas operacionais descritas na portaria nº 482 do Ministério da Saúde (BRASIL, 2014b), as equipes de Saúde no Sistema Prisional (ESP) foram estruturadas de maneira bem mais especializada, sendo divididas em três modalidades de Equipe de Atenção Básica Prisional – EABP, variando em tipo I, II e III, com ou sem saúde mental.

Segundo a PNAISP, na formação das equipes de saúde, os gestores podem lançar mão também do profissional de farmácia e de terapia ocupacional, do nutricionista, do fisioterapeuta, do médico psiquiatra, além daqueles componentes já citados no PNSSP, incluindo ainda a equipe de saúde mental. Essa nova e mais

35 Entrevista realizada com o diretor do DAPES-MS em 2013.

ampla composição, na esfera dos recursos humanos, objetiva oferecer maior flexibilidade aos gestores na montagem da equipe face aos profissionais de que dispõe, em cada momento, para atender ao perfil epidemiológico, que varia bastante e de acordo com outras particularidades da realidade de cada estado ou município.

Quanto à gestão da PNAISP, o ponto diferencial é a indução à municipalização, que no PNSSP não estava ainda bem definida, concentrando a responsabilidade sobre a saúde prisional nos estados. A ideia de fortalecer a participação dos municípios na saúde destinada às pessoas privadas de liberdade advém de experiências que ocorriam no território, isto é, na relação que alguns estados e municípios estabeleciam entre si para dividir a responsabilidade sobre a saúde prisional, como é o caso do estado do Rio Grande do Sul (INFORMAÇÃO VERBAL)36. Esse tipo de organização demonstra o caráter descendente da política, já que a PNAISP é proposta pelo governo federal aos estados e municípios e, ao mesmo tempo, seu caráter ascendente, uma vez que incorpora na sua formulação experiências existentes no território que se aproximavam da lógica do SUS.

A estratégia de indução à municipalização, presente na PNAISP, foi estabelecida em conformidade com a organização do SUS, pois cabe aos municípios a responsabilidade pela atenção básica de saúde. Sabendo das dificuldades dos municípios em assumirem a política, provocou-se a aproximação da ATSSP com os municípios, conforme podemos perceber na fala do assessor técnico do ATSSP:

a gente tem mais de um ano de estrada discutindo essa política, e o município sabe que a desassistência que existe hoje, relativa ou absoluta, termina na porta do pronto socorro dele. Na hora que o preso está realmente muito grave ele vai para o pronto socorro do município e é muito mais caro e é muito mais difícil ser manejado numa situação de urgência.

Os municípios, portanto, estão com bastante interesse em estar recebendo essa política, com toda responsabilidade que isso traz, porque a partir do momento em que o estado assina a política, é o SUS estadual que se compromete, e, a partir do momento em que o município assina a política, é o SUS municipal que traz para ele a questão das responsabilizações sobre a saúde do preso. (INFORMAÇÃO VERBAL)37

36 Entrevista realizada com o coordenador adjunto da ATSSP em 2013.

37 Entrevista realizada com o assessor técnico da ATSSP em 2013.

Embora a participação dos municípios na saúde do sistema prisional continue facultativa, a estratégia de municipalização busca dar resposta ao impasse relativo à gestão interfederativa do PNSSP, na medida em que os três entes da federação (o governo federal, estadual e municipal) passam a ser responsabilizados pela saúde das pessoas privadas de liberdade.

Um dos pontos mais crítico da saúde ofertada no sistema prisional está relacionado aos processos de trabalho dos profissionais que esbarram em impasses oriundos da difícil relação entre a lógica da saúde e a lógica da segurança. Como demonstramos mais acima, as práticas de saúde ficam subordinadas à lógica da segurança e essa subordinação produz efeitos despotencializadores nos trabalhos realizados nas prisões, bem como na formulação da política de saúde para o sistema prisional. Para contornar essa situação, está previsto na PNAISP a constituição de grupo condutor para acompanhar a implantação da PNAISP, tendo como um dos objetivos descrito no Art 19º (BRASIL, 2014a) ―apoiar a organização dos processos de trabalho voltados para a implantação e implementação da PNAISP nos estados e no Distrito Federal‖.

Cabe ao grupo condutor, entre outras tarefas, fazer o monitoramento da gestão dos recursos humanos disponíveis no momento da implantação da PNAISP.

A gestão dos recursos humanos permite direcionar os profissionais para as atividades relativas à saúde, evitando a sobreposição de tarefas nos campos distintos da justiça criminal e da saúde, como já estava previsto na legislação referente ao PNSSP.

as EPENs não têm atribuições periciais, ou seja, os/as psicólogos/as e assistentes sociais que as compõem não têm como tarefa realizar exames criminológicos. Além disso, segundo revisão recente da LEP/1984, dada pela Lei nº 10.792, de 1º de dezembro de 2003, esses(as) e outros(as) profissionais – como os(as) médicos(as) – estão desobrigados/as a realizar exame criminológico. (BRASIL, 2010b, p. 18).

De modo geral, a PNAISP interfere no processo de trabalho, ao estimular a capacitação/sensibilização dos agentes penitenciários a questões relativas à oferta da saúde à população privada de liberdade. Ela incentiva a inserção do tema da

saúde no sistema prisional, nas escolas penitenciárias e entre os custodiados, e apoia a discussão sobre as ações e programas em saúde prisional, envolvendo o Conselho Nacional de Saúde (CNS), Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e o Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária (CNPCP). O objetivo é eliminar a tensão, a concorrência entre a lógica da justiça criminal e os princípios do SUS.