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A defesa técnica no processo penal

No documento ÉRICA DE OLIVEIRA HARTMANN PROCESSO (páginas 138-151)

CAPÍTULO III – A AMPLA DEFESA

3.3. A defesa técnica no processo penal

A autodefesa, como se viu, caracteriza-se pela participação do acusado no

469 DIAS, Jorge de Figueiredo; ANDRADE, Manuel da Costa. Criminologia: o homem delinquente e a sociedade criminógena. 2ª reimpressão. Coimbra: Coimbra Editora, 1997, p. 377. (destaques no original)

470 Sobre a capacidade de ação, ver: DIAS, Jorge de Figueiredo; ANDRADE, Manuel da Costa.

Criminologia: o homem delinquente e a sociedade criminógena. 2ª reimpressão. Coimbra: Coimbra Editora, 1997, p. 378-379.

471 VALIANTE, Mario. Il nuovo processo penale: principi fondamentali. Milano: Giuffrè, 1975, p. 259.

472 FOSCHINI, Gaetano. Giudicare ed essere giudicati. Milano: Giuffrè, 1960, p. 13. (tradução livre)

473 No presente trabalho, os termos advogado, defensor e procurador são utilizados como sinônimos.

contraditório, como possibilidade de comparecer em juízo, de conhecer a opinião das partes, suas argumentações e conclusões, de exprimir sua própria razões de fato e de direito. Mas ela não basta para garantia efetiva da ampla defesa. Por isso, é complementada pela exigência de que o acusado deve ser acompanhado de um técnico do direito, um experto na ciência jurídica, capaz de fazer frente ao Ministério Público474, também técnico, por sua vez. Assim, segundo GIROLAMO BELLAVISTA, basta a existência do juiz (iura novit curia) para que nasça também a exigência de alguém que possa com ele dialogar, que fale sua língua, de modo que se o acusado não conhece o Direito, é necessário que seja assistido por alguém que o conheça:

―se não existisse o advogado, seria necessário inventá-lo‖475.

Interessante e merecedora de reflexões é a diferenciação feita por GIUSEPPE RICCIO entre autodefesa e defesa técnica. Afirma que a autodefesa deve ser entendida como a possibilidade de gestão do mérito do caso penal e, neste passo, faz parte daqueles direitos individuais de liberdade que fundam – e desenvolvem – a própria personalidade humana. A defesa técnica, a seu turno, tem o condão de garantir o correto desenvolvimento da jurisdição, sendo verdadeiro instrumento de validade do processo. Ela é responsável pela garantia do contraditório, inclusive na paridade de armas, desenvolvendo a concepção técnico-jurídica da defesa. Defende, então, que a substância da defesa fica a cargo do imputado, enquanto a forma, do defensor.476

Em que pese ser mais comum que a autodefesa se refira sobretudo à matéria fática, sabe-se não só que a própria distinção entre questão de fato e questão de direito é questionável (para não dizer que não existe), mas ainda que ao há qualquer impedimento que o acusado adentre questões ditas de direito, ao mesmo tempo que a matéria a ser enfrentada pelo advogado é toda a possível para bem desempenhar a função defensiva, seja ela de que natureza for.

474 DALIA, Gaspari. Il ‗nuovo‘ ruolo del difensore di ufficio e la disciplina del gratuito patrocinio. In:

FERRAIOLI, Marzia (a cura di). Il nuovo ruolo del difensore nel processo penale. Milano: Giuffrè, 2002, p. 23 e ss.

475 BELLAVISTA, Girolamo. La difesa nella istruzione penale. In: Studi sul processo penale. v. II (1953-1960). Milano: Giuffrè, 1960, p. 132. (tradução livre) E continua: ―È uno strumento indispensabile perchè la macchina del processo funzioni. Può ripetersi col Carnelutti che se il processo si paragona ad un meccanismo, il difensore è un organo di trasmissione per il quale il movimento si comunica dal motore alla macchina.‖ (p. 132) ―E um instrumento indispensável para que a máquina do processo funcione. Pode-se repetir com Carnelutti que se o processo se assemelha a um mecanismo, o defensor é um órgão de transmissão pelo qual o movimento se comunica do motor para a máquina.‖ (tradução livre)

476 RICCIO, Giuseppe. Processo penale e modelli di partecipazione. Napoli: Jovene, 1977, p. 219-220.

A defesa técnica, a cargo de um advogado, constituído ou nomeado, auxilia e estrutura a tese defensiva em favor do acusado. Essa parceria formada entre acusado e defensor é fundamental para o processo penal, como bem expressa GIROLAMO BELLAVISTA:

esta [a defesa técnica] tem suas raízes e sua razão de ser na dialética processual, no contraditório. Fala-se daquele cidadão romano que diante do juiz, ciente da própria inocência quanto da insuficiência defensiva, diante de um acusador da força de Celso, teria dito: ‗sou eu talvez culpado, porque Celso é um grande advogado?‘. O fato é que a eficácia do contraditório implica paridade de poder entre os contraditores. Daí a necessidade de que as partes ajam e intervenham no processo penal com a assistência de sujeitos que tenham uma capacidade técnico-profissional específica. Iura novit curia, reus nescit: o imputado que não sabe o direito, tem necessidade de ser assistido por alguém que o saiba, já que a estrutura dialética do processo quer um duelo com armas iguais e não são iguais as armas de um acusador perito em direito e de um acusado privado de direito.

Eis porque, ao lado do acusado (..) se desenha uma sombra obrigatória contida em todas as legislações civis, o defensor, o ‗eu formal do acusado‘, a ‗sua orelha e a sua boca jurídica‘, segundo a imagem plástica de VARGHA. Mas a bem ver a defesa técnica não se impõe apenas pelo conhecimento do direito na qual é preposto. O acusado (talvez também Cícero pro domo sua) não tem sempre o sangue frio e a indiferença necessária para fazer frente ao acusador, e o ordenamento jurídico não despreza tal consideração. Assim nasce a defesa técnica, o advogado.477

No mesmo sentido pondera DIOGO MALAN, considerando a realidade brasileira, para quem a defesa técnica tem o objetivo mesmo de ―compensar a desigualdade material existente entre a parte processual acusadora [...] e o acusado, normalmente leigo no Direito e hipossuficiente, quando não alfabeto funcional ou semi-alfabetizado.‖478, não se esquecendo que o órgão acusador é, na grande maioria das vezes, alguém escolhido por rigoroso concurso público de provas e títulos, tecnicamente capacitado479, ao menos em tese. Interessante, então, que não só é o técnico-jurídico, mas também terá a frieza necessária para perceber desapaixonadamente as circunstâncias do caso concreto.

Tem razão, então, MARIO VALIANTE, para quem ―o defensor se torna, assim, o alter ego da parte. A ação desta (autodefesa) e a ação do outro (defesa técnica) são sinérgicas, perseguem a mesma função, conspiram em estreita unidade

477 BELLAVISTA, Girolamo. La difesa giudiziaria penale. In: Studi sul processo penale. v. III (1960-1965). Milano: Giuffrè, 1966, p. 178. (tradução livre).

478 MALAN, Diogo. Defesa técnica e seus consectários lógicos na Carta Política de 1988. In: PRADO, Geraldo; MALAN, Diogo. Processo penal e democracia: estudos em homenagem aos 20 anos da Constituição da República de 1988. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009, p. 154.

479 MALAN, Diogo. Defesa técnica e seus consectários lógicos na Carta Política de 1988. In: PRADO, Geraldo; MALAN, Diogo. Processo penal e democracia: estudos em homenagem aos 20 anos da Constituição da República de 1988. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009, p. 154.

para o alcance do mesmo objetivo prático.‖480 Ou ainda, como quer GIROLAMO BELLAVISTA, defensor e acusado formam uma figura processual complexa, ―uma parte-defesa única‖, constituída por dois órgãos (justamente o acusado e o seu defensor), semelhante a uma moeda, ―na qual um lado não pode ter nenhuma consideração instrumental sem o seu outro lado [...]481 nullus reus sine advocato‖.482

Nos países do civil law, de feição inquisitória, o advogado de defesa sempre fez parte da estrutura processual (para alguns autores já fazia desde o processo penal romano483 e mesmo na jurisdição eclesiástica484). Nos países do common law, a chegada da defesa técnica, na Inglaterra do final século XVII e início do XVIII485, significou, dentre outras coisas, o reconhecimento, em alguns casos, da incapacidade dos indivíduos de bem se defender em um processo penal.

Incapacidade esta que, não podendo ser suprida pelo juiz, sob pena de um processo injusto, com um juiz parcial, deveria, então, ser realizada por um advogado486.Talvez essa seja exatamente a explicação de ter se permitido sempre, nos países de sistema europeu continental, a figura do advogado de defesa: o acusado sempre foi

480 VALIANTE, Mario. Il nuovo processo penale: principi fondamentali. Milano: Giuffrè, 1975, p. 261.

(tradução livre)

481 Assim também FOSCHINI, Gaetano. Sistema del diritto processuale penale. v. I. 2 ed. Milano:

Giuffrè, 1965, p. 266.

482 BELLAVISTA, Girolamo. La difesa nella istruzione penale. In: Studi sul processo penale. v. II (1953-1960). Milano: Giuffrè, 1960, p. 134. (tradução livre) Assim também se manifesta GAETANO FOSCHINI: ―Completezza di struttura dell‘ufficio di difesa esige, quindi, la sua composizione dualística. Deve esservi tanto l‘autodifesa della parte (difesa privata) quanto l‘organo di difesa pubblica (il difensore). I due uffici che se distinti sono naturalmente connessi e concorrono alla funzione difensiva risolvendo tra loro la immanente e insopprimibile dialettica tra il sociale e l‘individuale, con quell‘equilibrio che la detta dialettica avrà già trovato fuori del processo, nel concreto e totale ordinamento giuridico, del quale il processo non è che una espressione di vita.‖ FOSCHINI, Gaetano. Sistema del diritto processuale penale. v. I. 2 ed. Milano: Giuffrè, 1965, p. 270. ―A completude da estrutura do ofício da defesa exige a sua composição dualista. Deve estar aí tanto a autodefesa da parte (defesa privada) quanto o órgão de defesa pública (o defensor). Os dois ofícios que se são distintos são também naturalmente conexos e concorrem para a função defensiva, resolvendo entre eles a imanente e insuprível dialética entre o social e o individual, com aquele equilíbrio que a dita dialética já encontrou fora do processo, no concreto e total ordenamento jurídico, do qual o processo não é senão uma expressão de vida.‖ (tradução livre)

483 MALAN, Diogo. Defesa técnica e seus consectários lógicos na Carta Política de 1988. In: PRADO, Geraldo; MALAN, Diogo. Processo penal e democracia: estudos em homenagem aos 20 anos da Constituição da República de 1988. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009, p. 145-146.

484 RUMI, Jacinta Paroni. Il problema dell‘autodifesa nel processo penale anglo-americano. In: GREVI, Vittorio (a cura di). Il problema dell‟autodifesa nel processo penale. Bologna: Zanichelli, 1977, p.

102.

485 LANGBEIN, John H. The origins of adversary criminal trial. New York: Oxford University Press, 2003. Ver também, por exemplo, MALAN, Diogo. Defesa técnica e seus consectários lógicos na Carta Política de 1988. In: PRADO, Geraldo; MALAN, Diogo. Processo penal e democracia: estudos em homenagem aos 20 anos da Constituição da República de 1988. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009, p. 147-150.

486 RUMI, Jacinta Paroni. Il problema dell‘autodifesa nel processo penale anglo-americano. In: GREVI, Vittorio (a cura di). Il problema dell‟autodifesa nel processo penale. Bologna: Zanichelli, 1977, p.

111.

tido como incapaz de se defender; quiçá, algumas vezes, poderia dar alguma contribuição.

Uma das atuais questões sobre a defesa técnica gira em torno de sua obrigatoriedade, sua indisponibilidade. Pondera-se, sobretudo, se em sendo o titular do direito o acusado, há como a ele impor um defensor, mesmo contra sua vontade?

Em sendo a autodefesa disponível, não é possível que o acusado não queira mesmo exercer seu direito de defesa? GIUSEPPE RICCIO responde que essa liberdade é limitada pelo interesse coletivo do correto funcionamento da atividade jurisdicional:

interessa à coletividade o respeito da liberdade do indivíduo mas ao mesmo tempo o respeito das regras por meio das quais a liberdade encontra tutela. Desse modo se coletiviza o interesse do indivíduo com o respeito de sua própria liberdade, a qual, então, não constitui mais um pólo meramente individual do processo penal.

Através do respeito da liberdade do indivíduo o Estado demonstra ser capaz de tutelar a liberdade de todos, e de qualquer forma assegurar o controle técnico dos instrumentos aptos a comprimi-la.

Nasce o interesse público ao correto uso dos instrumentos processuais e assim a necessidade de garantir, para além da vontade do indivíduo, o respeito das regras de processo. Inviolabilidade do direito de defesa e irrenunciabilidade da defesa técnica se fundem no interesse convergente da tutela da liberdade do indivíduo e do respeito à regularidade do processo; embora em si existam diferenciações concretas, possuem conceitualmente uma mesma matriz.487

É necessária, assim, uma síntese desses interesses, sem corromper a liberdade individual, ao mesmo tempo que não pode o indivíduo obstacularizar a defesa.488

Além da questão da indisponibilidade, para GIROLAMO BELLAVISTA, na esteira dos ensinamentos de GAETANO FOSCHINI, a atividade do defensor deve ser marcada por independência e autonomia: independência dos poderes estatais e autonomia do acusado, a ele não se sujeitando. Neste passo, o defensor é titular de direitos e faculdades processuais autônomas, para exercício das quais sequer precisa de autorização do assistido, razão pela qual, não raras vezes, há conflito de vontades entre defensor e acusado.489

Neste passo, o defensor deve ter liberdade para exercer a sua função, sob pena de não ser efetiva, sob pena de ser violado o próprio direito de defesa:

487 RICCIO, Giuseppe. Processo penale e modelli di partecipazione. Napoli: Jovene, 1977, p. 196-197. (tradução livre)

488 RICCIO, Giuseppe. Processo penale e modelli di partecipazione. Napoli: Jovene, 1977, p. 196-197.

489 BELLAVISTA, Girolamo. La difesa giudiziaria penale. In: Studi sul processo penale. v. III (1960-1965). Milano: Giuffrè, 1966, p. 182-183; 191-192.

o defensor deve ser livre, e no sentido mais amplo, no exercício de seu ofício, o que, não um obstáculo, mas uma razão, encontra no fato que tal ofício é expressão de um interesse não privado, mas público; isso na verdade exige maior eficiência da função, e, logo, maior liberdade, uma vez que é justamente o grau de liberdade que dá a medida da eficiência da defesa. Uma defesa que não é livre é apenas aparência de defesa [...]490

FOSCHINI, dissertando sobre a liberdade de defesa, distingue a existência de uma liberdade no foro externo, que seria justamente aquela que deve existir em relação às autoridades públicas e em relação ao acusado, bem como a indiferença da defesa com relação a opinião de terceiros, especialmente a opinião pública, e outra atinente ao foro interno, que é mais delicada, e que está relacionada com a opinião pessoal do defensor. A dúvida é se pode o defensor preparar a defesa segundo o seu íntimo convencimento e se sim, qual o limite dessa atuação. Em suma, entende o autor italiano que o defensor pode se recusar a atuar no caso, mas, uma vez tendo decidido pela atuação, é seu dever agir para contrapor os argumentos da acusação, jamais para auxiliá-la.491

Além disso, é condição de efetividade da defesa técnica que seja reconhecido ao acusado o direito de conversar livremente com seu defensor, como ressalta VALENTINA BONINI492. Por certo, para que o defensor possa bem preparar as teses defensivas, imprescindível que tenha liberdade para dialogar com o acusado, direito este, porém, cada vez mais restrito em nome de um verdadeiro processo penal do inimigo.493

Mas o direito de defesa acaba sendo, em verdade, uma garantia que está acima de todas as outras garantias processuais, na medida em que é a que torna

490 FOSCHINI, Gaetano. Sistema del diritto processuale penale. v. I. 2 ed. Milano: Giuffrè, 1965, p.

295-296. (tradução livre)

491 FOSCHINI, Gaetano. Sistema del diritto processuale penale. v. I. 2 ed. Milano: Giuffrè, 1965, p.

296-303.

492 BONINI, Valentina. Effetività del diritto di difesa e disciplina dei rapporti tra difensore ed assistito in vinculis. In: Il giusto processo - atti del convegno presso l‘Università di Salerno, 11-13 ottobre 1996.

Milano: Giuffrè, 1998, p. 183.

493 No Brasil, um exemplo recente do desrespeito desse direito são as escutas ilegais instaladas nos parlatórios de alguns presídios federais. Vejam-se, sobre isso, algumas notícias veiculadas no sítio do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil: Editorial: os „grampos‟ nos presídios.

disponível em: http://www.oab.org.br/noticia.asp?id=20035. Acesso em 08.09.2010; OAB entra com reclamação contra juízes: bisbilhotagem a preso e advogado. Disponível em:

http://www.oab.org.br/noticia.asp?id=20148. Acesso em 08.09.2010; OAB entrará com ação contra o Brasil na OEA por escutas ilegais. Disponível em: http://www.oab.org.br/noticia.asp?id=20236.

Acesso em 08.09.2010.

possível o exercício das demais, como assinala ALBERTO M. BINDER.494 E o seu conteúdo, inclusive no ordenamento jurídico brasileiro, não se resume na presença de um advogado de defesa no processo.

Pode-se mesmo falar daquilo que DIOGO MALAN chama de corolários lógicos495, indispensáveis para a realização da defesa técnica e que, logo, fazem parte de seu próprio conteúdo, da sua própria essência, se considerada adequadamente desde o ponto de vista constitucional, e que sintetizam os argumentos sobre a defesa técnica acima mencionados.

De uma maneira geral, reconhece-se o direito à defesa técnica como um direito fundamental do homem. Nos documentos internacionais de proteção aos direitos humanos, há referência às garantias necessárias para a defesa dos acusados nos processos496.

No Brasil, a exigência constitucional da ampla defesa e, portanto, da defesa técnica, aparece expressamente nos textos constitucionais desde a Constituição de 1891497 e atualmente é imposta especialmente pelos art. 5º, inciso XXXVIII, a, e LV, da Carta de 88. Ademais, a regra do art. 133 da Carta de 88 afirma ser o advogado indispensável à administração da justiça. E, além de uma injunção constitucional, é também uma injunção legal, prevista no próprio Código de Processo Penal, já na redação original do art. 261498.

Assim, uma análise sistemática dos dispositivos constitucionais e legais que tratam da matéria (desde a fase de investigação preliminar, ressalte-se, a exemplo dos arts. 5º, LXIII, da CR, 306 do CPP e 7º, da Lei 8.906/94), impõe o reconhecimento de pressupostos para a efetividade da defesa técnica, a saber: (a) o direito a uma defesa técnica efetiva, o que exige atuação não negligente (com

494 BINDER, Alberto M. Introducción al derecho procesal penal. 2.ed. Buenos Aires: Ad hoc, 1999, p. 155: ―la inviolabilidad del derecho de defense es la garantía fundamental con la que cuenta el ciudadano, porque es el único que permite que las demás garantías tengan una vigencia concreta dentro del proceso penal.‖ ―a inviolabilidade do direito de defesa é a garantia fundamental com que conta o cidadão, porque é a única que permite que as demais garantias tenham uma vigência concreta dentro do processo penal.‖ (tradução livre)

495 MALAN, Diogo. Defesa técnica e seus consectários lógicos na Carta Política de 1988. In: PRADO, Geraldo; MALAN, Diogo. Processo penal e democracia: estudos em homenagem aos 20 anos da Constituição da República de 1988. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009, p. 158.

496 Assim aparece na Declaração Universal dos Direitos Humanos, art. 11.1, na Convenção Européia de Direitos Humanos, art. 6.3.c, no Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos, art. 14.3.b e 14.3.d, na Convenção Americana de Direitos Humanos, art. 8.2.d e 8.2.e.

497 Constituição de 1891, art. 72, §16; Constituição de 1934, art. 113, §24; Constituiçao de 1937, art.

122, XI; Constituição de 1946, art. 141, §25; Constituição de 1967, art. 150, §15; Emenda Constitucional 1/69, art. 153, §15.

498 CPP, art. 261. Nenhum acusado, ainda que ausente ou foragido, será processado ou julgado sem defensor.

comparecimento aos atos processuais, protocolização das peças processuais e requerimento de provas) e tecnicamente adequada (manifestações com fundamentação jurídica consistente e plausível, análise dos elementos de prova, pedido de absolvição) do advogado no caso concreto; (b) direito à livre escolha do defensor, sendo a nomeação de dativos excepcional, que, porém, deve ser também garantida a quem precisar; (c) direito à comunicação pessoal e reservada com o defensor499; (d) direito ao tempo e meios necessários (acesso aos elementos de convicção, acesso aos termos da acusação, possibilidade de produção de prova) para a preparação da defesa técnica; (e) direito à inviolabilidade da pessoa, dos documentos e do ambiente de trabalho do defensor500; (f) direito à última palavra, ou seja, de sempre falar depois da acusação (last word clause).501 ALBERTO M.

BINDER acrescenta que não basta a defesa ter o direito de conhecer o conteúdo da acusação, mas há propriamente um direito à correlação entre a acusação e a sentença, seja quanto aos fatos, seja quanto à qualificação jurídica, de modo que a defesa não pode ser jamais surpreendida, significando mesmo uma relativização do princípio do iura novit curia.502

499 Prerrogativa prevista expressamente no Estatuto da Advocacia (Lei 8.906/94), art. 7º, III - comunicar-se com seus clientes, pessoal e reservadamente, mesmo sem procuração, quando estes se acharem presos, detidos ou recolhidos em estabelecimentos civis ou militares, ainda que considerados incomunicáveis.

500 Prerrogativa esta também prevista no Estatuto da Advocacia (Lei 8.906/94), recentemente alterado pela Lei 11.767/08, que estendeu expressamente essa inviolabilidade para as comunicações eletrônicas e telemáticas: Art. 7º. São direitos do advogado: [...] II – a inviolabilidade de seu escritório ou local de trabalho, bem como de seus instrumentos de trabalho, de sua correspondência escrita, eletrônica, telefônica e telemática, desde que relativas ao exercício da advocacia; (Redação dada pela Lei nº 11.767, de 2008).

501 Esse consectários lógicos do direito de defesa técnica são desenvolvidos detalhadamente por DIOGO MALAN, em seu texto MALAN, Diogo. Defesa técnica e seus consectários lógicos na Carta Política de 1988. In: PRADO, Geraldo; MALAN, Diogo. Processo penal e democracia: estudos em homenagem aos 20 anos da Constituição da República de 1988. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009, p. 160-181.

502 BINDER, Alberto M. Introducción al derecho procesal penal. 2.ed. Buenos Aires: Ad hoc, 1999, p. 162-163. E sintetiza, nas páginas 164-165, na esteira de Vélez Mariconde, as conseqüências da inviolabilidade da defesa, técnica e autodefesa: ―1. Es necesaria una oportuna intervención del imputado en el proceso penal desde los primeros actos del procedimiento. Esta intervención debe ser lo más amplia posible en todas las etapas del proceso y debe permitir la más amplia defensa posible

502 BINDER, Alberto M. Introducción al derecho procesal penal. 2.ed. Buenos Aires: Ad hoc, 1999, p. 162-163. E sintetiza, nas páginas 164-165, na esteira de Vélez Mariconde, as conseqüências da inviolabilidade da defesa, técnica e autodefesa: ―1. Es necesaria una oportuna intervención del imputado en el proceso penal desde los primeros actos del procedimiento. Esta intervención debe ser lo más amplia posible en todas las etapas del proceso y debe permitir la más amplia defensa posible

No documento ÉRICA DE OLIVEIRA HARTMANN PROCESSO (páginas 138-151)