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O processo como situação jurídica

No documento ÉRICA DE OLIVEIRA HARTMANN PROCESSO (páginas 156-165)

CAPÍTULO IV – O PROCESSO PENAL

4.1. A natureza jurídica do processo: o processo como relação jurídica e como

4.1.2. O processo como situação jurídica

Deve-se a JAMES GOLDSCHMIDT o desenvolvimento da teoria do processo como situação jurídica. Tratou de sua teoria em vários textos, mas sua obra-base é um livro justamente chamado de O processo como situação jurídica (Prozess als Rechtslage), de 1925.

Para ele, os vínculos que nascem entre as partes e o juiz num processo não são propriamente relações jurídicas, consideração estática do Direito, mas sim situações jurídicas, numa perspectiva, ao revés, dinâmica do Direito. Não se tratam de deveres nem faculdades, mas de situações de expectativa, de esperança, sobre a decisão judicial, ―de expectativas, possibilidades e ônus‖.536 Segundo ele, apenas as expectativas são direitos em sentido processual e os ônus, obrigações de cunho processual.

Dessa forma, entende ser diferente a situação jurídica da relação jurídica não apenas pelo seu conteúdo, mas também porque aquela depende da evidência (e não da existência) e da prova de seus pressupostos.537 Mais claramente explica:

o conceito de situação jurídica se diferencia da de relação processual pelo fato de que não tem relação alguma com o direito material que constitui o objeto do processo, enquanto que a relação designa a situação em que a parte se encontra considerado o seu direito material, quando o faz valer processualmente. É equivocado crer, por isso, que o conceito de ‗situação jurídica‘ não é distinto do de relação processual, e por ele é impossível admitir que esta se desenvolva até chegar a ser uma ‗situação jurídica‘; esta não é uma mera situação da relação processual, mas de direito material que constitui o objeto do processo. Resulta daí

535 CHIOVENDA, Giuseppe. Principii di diritto processuale civile. 3. ed. Napoli: Jovene, 1923, p.

83-95.

536 GOLDSCHMIDT, James. Derecho procesal civil. Trad. Leonardo Prieto Castro. Barcelona, Madrid, Buenos Aires, Rio de Janeiro: Editorial Labor, 1936, p. 8. (tradução livre)

537 GOLDSCHMIDT, James. Derecho procesal civil. Trad. Leonardo Prieto Castro. Barcelona, Madrid, Buenos Aires, Rio de Janeiro: Editorial Labor, 1936, p. 8.

ser desnecessário recorrer ao conceito de relação processual para assegurar a unidade do processo, já que tal unidade vem predeterminada pelo direito material, objeto de referência das ‗situações jurídicas‘ que surgem no processo. Também é equivocado discutir o valor do conceito de ‗situação jurídica‘, já que, graças a ele, determinam-se não só o conceito e características dos direitos e ônus processuais, mas também dele emana o conceito de ‗atos de postulação‘ e a peculiaridade de sua classificação como ‗admissíveis‘ e ‗fundados‘, assim como a luz que clareia os conceitos de litisconsórcio especial, de sucessão processual, etc. É da mesma forma errônea a suposição de que o conceito de situação jurídica em geral, e em particular o de ‗expectativa‘ juridicamente assegurada, sejam de caráter sociológico: para dizer a verdade, não tem este caráter, como tampouco participa dele o conceito de ‗expectativa‘ do Direito civil, ainda que, como esta, não é estado jurídico mais que no caso de que o benefício que se espera esteja seguro em sua efetividade futura, ou seja, quando o arbítrio judicial não seja livre frente a ela, mas vinculado por normas jurídicas ou da experiência.538

Explica GOLDSCHMIDT539 que o conceito de situação jurídica se deve a KOHLER, mas é distinto do seu. O de KOHLER aduz ser a situação jurídica uma etapa do surgimento ou do desenvolvimento do direito subjetivo, ligado, portanto, ao direito privado. Para GOLDSCHMIDT, ao revés, o conceito é eminentemente processual, aplicando-se não só ao direito processual, mas a todo direito que surge no âmbito processual. Assim, as categorias processuais não estão ligadas a uma relação jurídica (concepção estática do direito); ao contrário, em uma concepção dinâmica540,

ao serem expectativas ou perspectivas de uma decisão judicial futura, baseada em normas legais, são, na verdade, situações jurídicas, ou seja, o estado de uma pessoa desde o ponto de vista da sentença judicial que se espera com

538 GOLDSCHMIDT, James. Derecho procesal civil. Trad. Leonardo Prieto Castro. Barcelona, Madrid, Buenos Aires, Rio de Janeiro: Editorial Labor, 1936, p. 9. (tradução livre)

539 GOLDSCHMIDT, James. Teoría general del proceso. In: Princípios generales del proceso.

Mexico: Editorial Jurídica Universitária, 2001, p. 18.

540 GOLDSCHMIDT usa um exemplo interessante para distinguir a sua concepção do direito daquela oriunda da relação jurídica: ―Para ilustrar la diferencia del enfoque, permítaseme aducir um ejemplo de política. Durante la paz, la relación de un Estado com sus territorios y súbditos es estática, constituye un império intangible. En cuanto la guerra estalla, todo se encuentra en la punta de la espada; los derechos más intangibles se convierten en expectativas, possibilidades y cargas, y todo derecho puede aniquilarse si se desaprovecha una ocasión o se descuida una carga; por el contrario, la guerra puede proprocionar al vencedor el disfrute de un derecho que em realidad no le corresponde. Todo esto puede afirmarse correlativamente respecto del derecho material de las partes y de la situación en que se encuentram con respecto a él, en cuanto se ha entablado pleito sobre el mismo.‖ GOLDSCHMIDT, James. Teoría general del proceso. In: Princípios generales del proceso.

Mexico: Editorial Jurídica Universitária, 2001, p. 18-19. ―Para ilustrar a diferença de enfoque, permita-me referir a um exemplo político. Durante a paz, a relação de um Estado com seus territórios e súditos é estática, constitui um império intangível. Quando a guerra começa, tudo se encontra na ponta da espada; os direitos mais intangíveis se convertem em expectativas, possibilidades e ônus, e todo direito pode-se aniquilar se não se aproveita uma ocasião ou se descuida de um ônus; pelo contrário, a guerra pode proporcionar ao vencedor o desfrute de um direito que na realidade não lhe corresponde. Tudo isso se pode afirmar de forma correlata do direito material das partes e da situação em que se encontram com respeito a ele, uma vez iniciado pleito sobre tal direito.‖ (tradução livre)

fundamento nas normas jurídicas.541

Além disso, os vínculos processuais não são abstratos, e sim têm seu conteúdo determinado pela aplicação do direito processual ao direito material, objeto do processo. Em verdade, a situação jurídica é a síntese entre o suposto processual e o suposto material do direito justicial, conforme explica o autor alemão:

reduz a um denominador comum a exigência abstrata do cidadão de que o Estado administre a justiça e a exigência concreta do titular, segundo o direito material, de que o Estado lhe outorgue proteção jurídica mediante uma sentença favorável. A primeira é a possibilidade de constituir, com a apresentação da demanda, a expectativa próxima e certa, ainda que de valor inferior, de que o juiz proceda conforme a lei, à conseqüência da demanda, abrindo-se, no entanto, ao mesmo tempo, a expectativa distante e incerta de que exare uma sentença favorável ao demandante. Quanto mais longe e incerta esta última, mais depende de que uma parte ou outra aproveite ou não certas possibilidades, livre-se de ônus e de que se realizem expectativas intermediárias, mais próximas e certas, ainda que de menos valor. Em suma, depende do curso ulterior do processo que a expectativa de uma sentença favorável se aproxime e chegue a ser mais certa. Antes da citação das partes para sentença, não se pode antever se a expectativa próxima e certa do ator de uma sentença adequada ao seu pleito é, ao mesmo tempo, de que se verifique uma sentença favorável.542

Admite que a teoria de BÜLOW permitiu distinguir os pressupostos processuais das exceções dilatórias materiais. Todavia, embora tenha usado como base o Direito Romano, sua teoria não poderia ser aplicada a ele543 e tampouco ao processo civil moderno. Para GOLDSCHMIDT, o juiz, de fato, tem a obrigação de conhecer da demanda, mas isso não precisa se dar dentro de uma relação processual. ―Esta obrigação do juiz é fundada no Direito público, que impõe ao Estado o dever de administrar a justiça mediante o juiz, cujo cargo, por sua vez, impõe-no, ao mesmo tempo, obrigações em face do Estado e do cidadão.‖544 Desse modo, essas obrigações não estão ligadas a qualquer direito subjetivo, mas deriva do próprio Estado de Direito e as infrações a elas não geram consequências processuais, apenas civis e/ou penais.545

Além disso, as partes não estão incumbidas de quaisquer obrigações de

541 GOLDSCHMIDT, James. Teoría general del proceso. In: Princípios generales del proceso.

Mexico: Editorial Jurídica Universitária, 2001, p. 18. (tradução livre)

542 GOLDSCHMIDT, James. Teoría general del proceso. In: Princípios generales del proceso.

Mexico: Editorial Jurídica Universitária, 2001, p. 18. (tradução livre)

543 GOLDSCHMIDT, James. Teoría general del proceso. Trad. Leonardo Prieto Castro. Barcelona, Madrid, Buenos Aires, Rio de Janeiro: Editorial Labor, 1936, p. 16-17.

544 GOLDSCHMIDT, James. Teoría general del proceso. Trad. Leonardo Prieto Castro. Barcelona, Madrid, Buenos Aires, Rio de Janeiro: Editorial Labor, 1936, p. 19. (tradução livre)

545 GOLDSCHMIDT, James. Teoría general del proceso. Trad. Leonardo Prieto Castro. Barcelona, Madrid, Buenos Aires, Rio de Janeiro: Editorial Labor, 1936, p. 19.

cunho processual.

É verdade que no Direito romano, e até os últimos anos da Idade Média, o demandado tinha obrigação de cooperar com a litis contestatio, ou seja, de manifestar boa vontade de iniciar a fase do procedimento que tornava possível uma sentença de fundo. Semelhante vontade se manifestou nos tempos mais avançados simplesmente no que tange à contestação da demanda. Todavia mesmo esta obrigação do demandado nasceu de uma relação jurídica processual, mas sim da relação geral que liga o cidadão ao Estado. A sujeição do cidadão ao poder estatal é natural e até ilimitada enquanto regente o imperium, ou seja, na esfera meramente pública, mas relacionado aos conflitos entre particulares, o indivíduo estava inicialmente livre e regía o princípio da ‗autotutela‘. Ao se consolidar a organização do Estado sentiu-se a necessidade de repelir a autotutela, e de intervir, como consequência, nos conflitos particulares. A este fim a iurisdictio estatal se propôs no princípio, e mais tarde se impôs aos particulares.

Não obstante, muito tempo se passou até se realizar a total sujeição do indivíduo da iurisdictio estatal e durante esta época de transição se exigia em cada caso uma submissão especial do demandado à decisão do juiz. Agora sim, o demandado estava obrigado a tal submissão, e dela deriva a famosa obrigação de cooperar com a litis contestatio.546

Ressalte-se, então, que não há propriamente uma obrigação de submissão, mas sim um estado de sujeição à jurisdição. Por isso, esclarece GOLDSCHMIDT, é possível a continuidade do processo mesmo à revelia do demandado. Há, por certo, um ônus de comparecer e contestar a demanda, que, como tal, é imposto ao demandado em seu próprio interesse. Quanto ao demandante, este também seria portador de ônus e não obrigações: ônus de afirmar os fatos e de prová-los. Não há que se falar, também, em deveres de omissão das partes, já que o dever de não proferir afirmações falsas é antes de tudo moral, não jurídico.547

Desse modo, por certo que o processo não pode ser considerado uma série de atos isolados. Mas o fato dessa conjunção de atos ser destinada a um mesmo fim, por si só, não a constitui uma relação jurídica.

Um rebanho não constitui uma relação jurídica só porque é um complexo jurídico de coisas semoventes. Por outro lado, é evidente que a peculiaridade jurídica do fim do processo determina a natureza do efeito de cada ato processual. Mas nem um nem outro constituem uma relação jurídica, e o objeto comum a que se referem todos os atos processuais, desde a demanda até a sentença, e que na realidade constitui a unidade do processo, é seu objeto, normalmente o direito subjetivo material que o autor faz valer.548

546 GOLDSCHMIDT, James. Teoría general del proceso. Trad. Leonardo Prieto Castro. Barcelona, Madrid, Buenos Aires, Rio de Janeiro: Editorial Labor, 1936, p. 21. (tradução livre) (destaques no original)

547 GOLDSCHMIDT, James. Teoría general del proceso. Trad. Leonardo Prieto Castro. Barcelona, Madrid, Buenos Aires, Rio de Janeiro: Editorial Labor, 1936, p. 21-22.

548 GOLDSCHMIDT, James. Teoría general del proceso. Trad. Leonardo Prieto Castro. Barcelona, Madrid, Buenos Aires, Rio de Janeiro: Editorial Labor, 1936, p. 22-23. (tradução livre)

Em outras palavras, a unidade do processo proposta pela relação jurídica é apenas aparente. A unidade do processo é garantida, de fato, pelo seu objeto que é direito subjetivo material que alega ter o autor. Ademais, a obrigação do Estado-juiz de analisar os casos e a submissão das pessoas à jurisdição existe independentemente da existência do processo.549 Para GOLDSCHMIDT, o processo, ao invés de constituir relações jurídicas entre as partes, na verdade as interrompe, substituindo-as por expectativas.550

A teoria da relação jurídica processual adota um viés material, porque trabalha com a possibilidade de existência do direito pleiteado ou não. Desse modo, não podem ser os vínculos processuais resultado do direito material. Por isso, para tal concepção da natureza do processo, a relação processual é sempre abstrata.

Mas, para GOLDSCHMIDT, os vínculos processuais são baseados não na existência (sempre duvidosa) do direito material, mas sim em sua evidência, que pode ser maior ou menor e se transpõe para o processo o direito material em forma de expectativas, possibilidades e ônus, isto é, em situações processuais.

Se a evidência dos pressupostos do Direito material falta totalmente, a expectativa que se oferece se reduz a uma mera pretensão de que o Estado administre a justiça; se, pelo contrário, existem provas irrefutáveis da existência do Direito material, a expectativa baseada nelas chega a coincidir com a exigência de proteção jurídica mediante uma sentença favorável.551

GOLDSCHMIDT defende que as normas jurídicas têm dupla natureza: de um lado, são imperativos para os cidadãos, de outro, limites para o juiz. A primeira perspectiva se aplica às normas jurídicas em sua função extrajudicial, em uma concepção estática ou material do direito. A segunda, por sua vez, trata de uma concepção dinâmica ou processual da norma, importantes para a compreensão do que chama de nexos processuais.552

Desse modo, na segunda acepção, se o direito funciona como limite para a atividade do magistrado, o juiz não pode ser sujeito nem objeto de vínculos jurídicos.

549 GOLDSCHMIDT, James. Teoría general del proceso. Trad. Leonardo Prieto Castro. Barcelona, Madrid, Buenos Aires, Rio de Janeiro: Editorial Labor, 1936, p. 60-61.

550 GOLDSCHMIDT, James. Teoría general del proceso. Trad. Leonardo Prieto Castro. Barcelona, Madrid, Buenos Aires, Rio de Janeiro: Editorial Labor, 1936, p. 61.

551 GOLDSCHMIDT, James. Teoría general del proceso. Trad. Leonardo Prieto Castro. Barcelona, Madrid, Buenos Aires, Rio de Janeiro: Editorial Labor, 1936, p. 62-63. (tradução livre)

552 GOLDSCHMIDT, James. Teoría general del proceso. In: Princípios generales del proceso.

Mexico: Editorial Jurídica Universitária, 2001, p. 13.

Ele está vinculado ao direito porque é julgador, porque aplicar a lei é seu ofício.

Assim, quando se considera o direito como limite à atividade jurisdicional, os nexos jurídicos todos estão vinculados à sentença, ou seja, às expectativas sobre a conduta do juiz, da decisão que tomará e, finalmente, da sentença que pronunciará.553

Da natureza das normas legais como limite do juiz resulta que têm, frente aos indivíduos, o caráter de promessas ou ameaças de determinada conduta do juiz, em última análise de uma sentença de conteúdo determinado, com o efeito de que a pretensão da parte valerá no futuro, ante os tribunais, como juridicamente fundada ou infundada. Os nexos jurídicos dos indivíduos que se constituem correlativamente são expectativas de uma sentença favorável ou perspectivas de uma sentença desfavorável.554

Há, então, para GOLDSCHMIDT, direitos processuais555, que se evidenciam em três categorias: expectativas ou perspectivas, possibilidades ou ocasião processual e, finalmente, os ônus processuais. As expectativas se caracterizam como os vínculos entre os indivíduos que esperam uma sentença favorável, enquanto as perspectivas, de uma sentença desfavorável. As partes ainda têm possibilidades de proporcionarem para si situações de vantagens ou ônus de praticar atos para evitar situações desfavoráveis, sobretudo a sentença desfavorável. Essas três categorias correspondem a espécies de direitos materiais, a saber: as expectativas correspondem aos direitos relativos, os ônus correspondem ao dever ou à obrigação, a dispensa dos ônus corresponde aos direitos absolutos, enquanto as possibilidades correspondem aos direitos potestativos.556

Esses direitos processuais encontram-se sempre relacionados a atos processuais, que têm por finalidade, em suma, provar um fato ou ao menos garantir meios para prová-lo, criando, assim, uma situação processual favorável.557 Segundo GOLDSCHMIDT,

553 GOLDSCHMIDT, James. Teoría general del proceso. In: Princípios generales del proceso.

Mexico: Editorial Jurídica Universitária, 2001, p. 15.

554 GOLDSCHMIDT, James. Teoría general del proceso. In: Princípios generales del proceso.

Mexico: Editorial Jurídica Universitária, 2001, p. 16. (tradução livre) (destaques no original)

555 O próprio autor, no entanto, fala que não se tratam de direitos propriamente ditos, mas sim situações que se poderiam denominar pela palavra francesa chances (probabilidade).

GOLDSCHMIDT, James. Teoría general del proceso. In: Princípios generales del proceso. Mexico:

Editorial Jurídica Universitária, 2001, p. 16.

556 GOLDSCHMIDT, James. Teoría general del proceso. Trad. Leonardo Prieto Castro. Barcelona, Madrid, Buenos Aires, Rio de Janeiro: Editorial Labor, 1936, p. 50-53.

557 GOLDSCHMIDT, James. Teoría general del proceso. Trad. Leonardo Prieto Castro. Barcelona, Madrid, Buenos Aires, Rio de Janeiro: Editorial Labor, 1936, p. 64.

os direitos ou as cargas processuais dependem da evidência, especialmente da prova de qualquer fato. Para levar um fato à evidência, sempre é necessário um ato processual. Ademais, geralmente, para que o ato tenha êxito definitivo, necessita-se da existência de um meio de prova, que baste para fundar uma expectativa ou possibilidade processual enquanto se trata de um processo possível futuro.558

Além disso, diferentemente da teoria da relação jurídica, a teoria da situação jurídica entende não haver distinção, desde o ponto de vista processual, em direito público e direito privado. Tanto isso é verdadeiro que há vários preceitos dispositivos no direito processual que permitem às partes, no exercício de seus livre arbítrios, decidirem o destino das situações processuais, até mesmo desviando-se das normas legais.559

GOLDSCHMIDT deixa claro, como visto, que os direitos processuais não têm relação com o dever, o que leva à conclusão de que não podem ser ofendidos.

Em outras palavras, afirma que o descumprimento de uma expectativa processual não gera antijuridicidade ou uma lesão de direito, mas apenas se fala em aplicação indevida ou interpretação equivocada da lei. Assim, desde o ponto de vista processual, os atos judiciais só podem ser equivocados e as conseqüências advindas desse erro são a nulidade ou a recorribilidade da decisão.560 Da mesma forma, o ato da parte não pode ser antijurídico: ―ele se justifica quando existe esperança de êxito, e a omissão de um ato processual da parte se justifica quando não o prejudica.‖561

Também neste ponto, logo, é possível estabelecer distinção entre a teoria da relação jurídica e a da situação jurídica:

desde o ponto de vista da concepção material ou estática do direito, o Direito processual regula apenas as formas dentro das quais se faz valer ou aparecer a exigência da tutela jurídica – concreta ou abstrata –, vale dizer, para o enfoque material o Direito processual é apenas a forma que a matéria adota, a forma formada. Desde o ponto de vista da concepção processual ou dinâmica, o Direito material determina exclusivamente o conteúdo ou objeto dos atos processuais, especialmente da sentença, o conteúdo das condições para vencer ou sucumbir

558 GOLDSCHMIDT, James. Problemas jurídicos y políticos del proceso penal. In: Princípios generales del proceso. Mexico: Editorial Jurídica Universitária, 2001, p. 95. (tradução livre)

559 GOLDSCHMIDT, James. Teoría general del proceso. Trad. Leonardo Prieto Castro. Barcelona, Madrid, Buenos Aires, Rio de Janeiro: Editorial Labor, 1936, p. 68-79.

560 GOLDSCHMIDT, James. Teoría general del proceso. Trad. Leonardo Prieto Castro. Barcelona, Madrid, Buenos Aires, Rio de Janeiro: Editorial Labor, 1936, p. 66.

561 GOLDSCHMIDT, James. Teoría general del proceso. Trad. Leonardo Prieto Castro. Barcelona, Madrid, Buenos Aires, Rio de Janeiro: Editorial Labor, 1936, p. 67.

no pleito, enquanto que o Direito processual é a forma em que se verte a matéria, a íntima essência desta, a forma formando.562

Desse modo, a situação processual pode se desenvolver da seguinte maneira: já da intenção de propor uma demanda se pode evidenciar uma situação processual, desde que haja meios probatórios eficazes para levar um fato importante à evidência. Nesse momento, existe a possibilidade da propositura da demanda e a expectativa de que o juiz a processe de acordo com as leis processuais. O autor tem

Desse modo, a situação processual pode se desenvolver da seguinte maneira: já da intenção de propor uma demanda se pode evidenciar uma situação processual, desde que haja meios probatórios eficazes para levar um fato importante à evidência. Nesse momento, existe a possibilidade da propositura da demanda e a expectativa de que o juiz a processe de acordo com as leis processuais. O autor tem

No documento ÉRICA DE OLIVEIRA HARTMANN PROCESSO (páginas 156-165)