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1. PARTICIPAÇÃO SOCIAL NO BRASIL DEMOCRÁTICO: A CONSTRUÇÃO

1.1 A PARTICIPAÇÃO SOCIAL NO MARCO DEMOCRÁTICO

1.1.3 A democracia deliberativa

No conjunto das abordagens teóricas que visam ao aprofundamento da democracia, o modelo deliberativo tem se constituído, nas últimas duas décadas, como uma nova perspectiva nesse debate. Ele surgiu e amadureceu-se como conceito nas obras de Jürgen Habermas (1929-...), ao refletir sobre a realidade plural das sociedades altamente complexas, sobretudo no artigo intitulado “Três Modelos Normativos de Democracia” (HABERMAS, 1995), o qual estudiosos como Avritzer (2000) e Marques (2009) consideram um texto clássico.

Para Avritzer (2010), os democratas deliberativos entendem, de maneira geral, que a democracia repousa no ideal de justificação do exercício do poder político por meio da discussão pública entre indivíduos livres e em condições iguais de participação.

Lüchmann (2012) diz que a democracia deliberativa

advoga que a legitimidade das decisões políticas advém de processos de discussão que, orientados pelos princípios da inclusão, do pluralismo, da igualdade participativa, da autonomia e do bem comum, conferem um reordenamento na lógica do poder político do modelo democrático liberal. (LÜCHMANN, 2012, p. 3).

A democracia deliberativa é, dessa forma, considerada como um modelo de justificação de exercício de poder político pautado no debate público entre cidadãos livres e em condições iguais de participação. Tendo em vista a complexidade das relações societais, como a diversidade e conflitos de interesses e as desigualdades sociais, a democracia deliberativa chama a atenção para a questão da dimensão institucional, no sentido da criação das condições para que o debate público seja inclusivo, plural e igual, impactando as condições sociais subjacentes e permitindo que a ampliação do público participante não obstrua a canalização de conflitos em direção ao interesse comum (LÜCHMANN, 2012).

Trata-se de uma racionalidade “caracterizada pela dialogicidade, isto é, pela possibilidade de se alcançar um telos nos mundos objetivos, social e subjetivo através da comunicação com pelo menos mais de um participante” (AVRITZER, 2012b, p. 63). Além disso, a ação comunicativa é “sustentada pela interação inerente à vida social e orienta-se por um entendimento intersubjetivo capaz de gerar coordenação de ações por meio da troca de razões em discussões públicas” (BOHMAN, 1996, p. 67). Tal troca de razões permite que as preferências dos atores sejam moldadas ao longo do diálogo

intersubjetivo e racional, enquanto pautado pela ação deliberativa e pela coordenação do alcance de um fim específico.

Assim, a deliberação contribui para o bom funcionamento da democracia por meio da gestão de procedimentos que guiem as ações comunicativas através das quais os cidadãos trocam argumentos de maneira cooperativa e, ao mesmo tempo, conflitiva. A deliberação requer que os indivíduos sejam capazes de dialogar através de suas diferenças a fim de chegar a uma melhor compreensão de um determinado problema e/ou sua solução (MARQUES, 2009).

Dryzek (2010) assevera que a mudança para a democracia deliberativa representa uma inovação na autenticidade da democracia: o grau em que “o controle da democracia é substantivo ao invés de simbólico e feito pelos cidadãos competentes” (DRYZEK, 2010, p. 1).

Avritzer (2000) afirma que a democracia deliberativa possui 04 (quatro) elementos principais: em primeiro lugar, a superação de uma concepção agregativa de democracia centrada no voto. Supera-se essa visão ao entender que o processo de argumentação – e não apenas a escolha pelo voto - é um processo de tomada de decisão. Em segundo lugar, esse modelo identifica a racionalidade política com a ideia de mudança e justificação de preferências, transferindo o centro do processo democrático para uma dinâmica de justificação de valores, preferências e identidades. Em terceiro lugar, ela pressupõe um princípio de inclusão, apontando para a ideia de que todos os indivíduos envolvidos em processos de produção de normas-ações devem poder apresentar suas razões. Em quarto lugar, a democracia deliberativa envolve a ideia de construção institucional com base na suposição de que as preferências dos indivíduos por formas amplas de discussão devem implicar na procura por instituições capazes de efetivar tais preferências.

Segundo Cohen, “A estrutura da deliberação tem por finalidade encontrar o melhor caminho para resolver problemas, ao invés de fazer pressão sobre os participantes para que eles cheguem a soluções” (COHEN, 2009, p. 92). Isso faz com os indivíduos fiquem encorajados a encontrar razões e argumentos com os quais os outros possam concordar.

Habermas (1995) estabelece uma diferença estrutural entre o poder comunicativo, que surge da comunicação política na forma de opiniões majoritárias discursivamente formadas, e o poder administrativo, próprio do aparato estatal, sustentando que o embate de opiniões no terreno da política tem força legitimadora:

Uma concepção dialógica vê – ou talvez fosse o caso de dizer que idealiza – a política como uma atividade normativa. Ela concebe a política como uma contestação sobre questões de valores e não meramente questões de preferências. Ela entende a política como um processo de argumentação racional e não exclusivamente de vontade, de persuasão e não exclusivamente de poder, orientado para a consecução de um acordo acerca de uma forma boa e justa, ou pelo menos aceitável, de ordenar aqueles aspectos da vida que se referem às relações sociais e à natureza social das pessoas. (HABERMAS, 1995, p. 5).

Assim, Habermas (1995) reflete sobre a fundamentação discursiva das reivindicações tendo por base a articulação entre a autonomia privada - os direitos racionalmente fundados, e a autonomia pública - apoiada em procedimentos democráticos. Isso garante a carga de legitimação do processo democrático: volta-se, ao mesmo tempo, para as garantias de liberdades dos cidadãos privados e para as condições nas quais eles se associam nos processos discursivos orientadores de ações do sistema político e legitimadores dos seus resultados, ou seja, sustentados no debate público.

1.1.4 Convergências e divergências das democracias representativa,