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2. ATORES SOCIAIS, DELIBERAÇÃO E EFETIVIDADE NA

2.1. SOCIEDADE, ESTADO E MERCADO: ATORES

2.1.2 Representação: entre a legitimidade e a pluralidade da

2.1.2.1 A legitimidade representativa

A presença do consentimento da representação como fonte da legitimidade do poder político é tema central no debate moderno sobre representação política desde Hobbes, de acordo com Almeida (2013). Porém, foi com o advento do sufrágio universal, no século XIX, que a base do consentimento e da delegação dos representantes foi ampliada, promovendo o encontro entre representação e democracia.

Como visto no capítulo 1, a concepção do governo representativo como expressão da vontade soberana do povo por meio da assembleia e de suas leis, difundida pela teoria democrática representativa, traz consigo contradições que limitam a compreensão da representação política na atualidade, bem como as propostas de enfrentamento de seus principais problemas. Esse pensamento é atestado por Almeida (2011):

A crise de legitimidade nas democracias contemporâneas aponta para a necessidade de superação diante das dificuldades em responder às demandas de liberdade e igualdade. As alternativas teóricas que se propõem a democratizar o funcionamento da representação política, por meio da inclusão de grupos na política e/ou da representação de interesses corporativos, recolocam a importância da expressão da soberania individual para além do momento eleitoral. A teoria democrática participativa abre esse debate político ao recolocar a importância da participação ampliada da sociedade em diferentes níveis e espaços, discutindo diretamente com os problemas do governo representativo, no que concerne à apatia do cidadão e ao seu descontentamento com as instituições. Não obstante o avanço em relação à retomada do político pelo social, a corrente participacionista carece de propostas no campo da conciliação entre sociedade e aparelho do Estado. (ALMEIDA, 2011, p. 93).

Ainda segundo Almeida (2011), esse movimento será feito pela teoria deliberativa, a qual propõe questões importantes do ponto de vista da compatibilização entre participação e complexidade da administração estatal, enfatizando menos a abertura de possibilidades de participação do cidadão e suas virtudes de educação cívica

e mais a qualidade do debate e das discussões na esfera pública. Desta maneira, a discussão dos deliberacionistas sobre a legitimidade democrática é um ponto de inflexão importante na contemporaneidade, na medida em que oferece elementos para se repensar o relacionamento entre Estado e sociedade e a concepção de democracia:

Desse modo, a democracia não se resume a um método para se chegar a decisões políticas, conforme definição schumpeteriana, mas é associada a uma ideia normativa ampla, na qual o valor moral igual dos indivíduos e a inclusão igualitária na esfera pública são ideais a serem perseguidos. (ALMEIDA, 2011, p. 105-106).

Para a teoria deliberativa, a legitimidade democrática é uma qualidade do processo de discussão e decisão, não um atributo exclusivo do voto. O ponto central dos deliberacionistas, que pode contribuir para se pensar a pluralização dos espaços e atores que exercem representação política, diz respeito à mudança na concepção do que constitui uma decisão legítima (ALMEIDA, 2011).

O interesse legítimo não surge de uma técnica agregativa de contar todos igualmente, mas do processo de discussão, ao propor recapturar o forte ideal democrático, segundo o qual o governo deve encarnar a vontade do povo, formada por meio da razão pública dos cidadãos. Deste modo, os deliberacionistas propõem-se a valorizar o processo comunicativo de opinião e formação da vontade que precede o voto, entendendo que o voto em si não resolve os problemas de preferências diversas e não concede a todos direitos iguais de fala em sociedades complexas (BOHMAN, 1996). A ideia é que o debate em fóruns públicos ajuda na formação e mudança de preferências das pessoas, levando o indivíduo a agir de forma mais cooperativa, reflexiva e respeitosa a diferentes visões.

Assim, a força legitimadora da política deliberativa depende da estrutura discursiva de formação da opinião e da vontade (HABERMAS, 1997). Nas palavras de Chambers (2009, p. 241), é “a mudança de uma teoria democrática centrada no voto para outra centrada na fala”.

Respaldando esse pensamento, Cohen (2009) argumenta que em uma participação e deliberação justas e legítimas

[...] as partes são formal e substantivamente iguais. Elas são formalmente iguais uma vez que as regras que regulam o processo não fazem distinção entre indivíduos. Todos aqueles que possuem capacidades deliberativas possuem igual status em cada estágio do processo deliberativo. Cada um pode inserir questões na agenda, propor soluções e oferecer razões para sustentar ou criticar suas propostas. E cada um tem voz igual na decisão. (COHEN, 2009, p. 93).

Dessa foram, os participantes são substantivamente iguais uma vez que a distribuição existente de recursos e poder não determina suas chances de contribuir para a deliberação, essa distribuição não tem poder autoritário em sua deliberação.

Benhabib igualmente pensa que a legitimidade nas sociedades democráticas complexas precisa ser entendida como “o resultado da deliberação pública livre e isenta de constrangimentos a respeito de tudo aquilo que se relaciona a questões de interesse comum” (BENHABIB, 2009, p. 110).

Almeida (2014) conclui ao dizer que

A ideia de que a legitimidade é um processo, ou seja, não está dada, mas é contingencialmente buscada na qualidade do processo representativo, lança nova perspectiva para as análises empíricas sobre as formas de se estabelecer a prestação de contas e a responsividade. Nessa direção, a legitimidade é sempre precária, permanentemente questionada, dependente da percepção social da ação e do comportamento das instituições. (ALMEIDA, 2014, p. 102-103). Quanto à discussão sobre legitimidade, este é um ideal regulatório, não um ponto fixo em uma escala. Nesse sentido, importa falar dos processos de legitimação, nos quais a legitimidade é construída ao longo do tempo por meio do exame crítico da ação política.

Dessa forma, um procedimento legítimo deve oferecer não apenas oportunidade formalmente igual de influenciar as decisões coletivas (por meio do voto ou de debates), mas também deve proporcionar aos cidadãos boas razões para acreditar que seu status igual, como pessoa autônoma, está sendo respeitado. Além disso, a qualidade do que se fala, por meio do conhecimento de seus representantes, é outro fator que deve ser considerado na discussão de uma representatividade considerada legítima.

Assim, contemporaneamente, uma decisão legítima não é mais associada apenas à agregação dos interesses, mas ao processo por meio do qual se chegou à determinada decisão coletiva. Ao incluir no repertório da legitimidade democrática a possibilidade da sociedade não apenas influenciar nas decisões administrativas, mas decidir conjuntamente, outro ponto passa a ser discutido: como a representação pode ser a mais plural possível, discutido no próximo sub-tópico.