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1. PARTICIPAÇÃO SOCIAL NO BRASIL DEMOCRÁTICO: A CONSTRUÇÃO

1.1 A PARTICIPAÇÃO SOCIAL NO MARCO DEMOCRÁTICO

1.1.1 A democracia representativa

A visão contemporânea de teóricos da democracia representativa alicerça-se na “igualdade política”, referindo-se à existência do sufrágio universal: um homem, um voto. Refere-se, outrossim, ao fato da igualdade de oportunidades de cada cidadão poder concorrer ao cargo eletivo, bem como de se ter acesso para influenciar aqueles que tomam as decisões por meio de processos eleitorais, pelos quais diferentes grupos de eleitorado conseguem fazer com que suas reinvindicações sejam ouvidas.

Entretanto, de acordo com Held (1987), o governo representativo não se originou como prática eminentemente democrática, mas como artifício pelo qual os governantes não democráticos (principalmente os monarcas) poderiam pôr as mãos em valiosos rendimentos e outros recursos que desejavam, especialmente para fazer as guerras. Nos países em que já existia o costume de eleger representantes, os reformadores democráticos não viram nenhuma necessidade de rejeitar o sistema representativo, apesar do sufrágio restrito e exclusivo – apenas para homens livres. Alguns viam na representação uma alteração profunda que atenderia aos objetivos democráticos. Em essência, o processo de ampliação – tanto territorial quanto populacional - levou a um governo representativo fundamentado em um demos inclusivo, ajudando a atingir a concepção moderna da democracia (DAHL, 2001).

Com a disseminação do sufrágio (nos séculos XIX e XX), o crescimento populacional e a expansão territorial, tornou-se necessário criar um aparato de associações políticas, os partidos, às quais dedicaram-se à organização da representação. A extensão da participação, pelo aumento da população, significava a disseminação das associações políticas para organizar o eleitorado cujos interesses, na maior parte das vezes, eram fragmentados e divididos.

Principal mentor da teoria democrática denominada de competitiva elitista, uma das vertentes da teoria representativa, Max Weber (1864-1920) teceu algumas razões para explicar porque o governo parlamentar seria vital: primeiro, como um foro para debater política publicamente, ele asseguraria a oportunidade para a expressão de ideias e interesses competitivos; segundo, o parlamento proporcionaria espaço para negociações sobre posições arraigadas, podendo tornar visíveis alternativas para indivíduos ou grupos com interesses conflitantes e criar uma possível oportunidade de

compromissos. Assim, o parlamento seria um mecanismo essencial para a preservação da competição de valores, inclusive partidários.

Para Weber (1993), os modernos partidos políticos reforçariam a importância da liderança, que é necessária tanto para organizações de grande escala, quanto essencial para a passividade da massa do eleitorado, tendo em vista que o povo tem poucas oportunidades de participar da vida institucional, ou seja, sem poder suficiente para que tal participação valha a pena. Assim, o alemão retrata a democracia como um campo de testes para líderes em potencial.

A obra de Weber inspirou o pensamento de Schumpeter (1883-1950), que criou a corrente pluralista. Na visão de Schumpeter (1984), na democracia elitista competitiva, o cidadão seria retratado como isolado e vulnerável em um mundo marcado pelo embate competitivo das elites. Quase nenhuma atenção era dada a grupos intermediários, tais como associações comunitárias, grupos religiosos, sindicatos que conectam essas instituições à vida das pessoas. Os pluralistas tentaram remediar esta deficiência, examinando a dinâmica da “política de grupos” e dando ênfase no processo resultante da combinação dos esforços dos indivíduos que se unem em grupos e instituições para competir pelo poder.

Por democracia, Schumpeter referia-se a um método político, ou seja, “uma estrutura institucional para chegar a decisões políticas (legislativas e administrativas) investindo certos indivíduos com o poder de decidir sobre todas as questões como consequência de sua dedicação bem sucedida à obtenção do voto popular” (SCHUMPETER, 1984, p. 321). A vida democrática seria a luta entre líderes políticos rivais, organizados em partidos e com mandato para governar, implicando, assim, no fato de que o destino do cidadão democrático era o direito de escolher e autorizar periodicamente governos para agirem em seu benefício.

Para este economista, a democracia poderia servir para vários fins, como, por exemplo, a promoção da justiça social. Mas era importante não confundir estes fins com a própria democracia. As decisões políticas tomadas eram uma questão independente da forma correta de tomá-las: as condições de legitimidade das decisões e das pessoas encarregadas de tomá-las era resultado da eleição periódica de elites políticas concorrentes:

A democracia não significa e não pode significar que o povo realmente governa em qualquer sentido óbvio dos termos “povo” e “governo”. A democracia significa apenas que o povo tem a oportunidade de aceitar ou recusar os homens que governam. Um

aspecto disso pode ser expresso dizendo-se que democracia é o governo do político. (SCHUMPETER, 1984, p. 356).

Schumpeter (1984) defendia, assim, que a democracia deveria ser compreendida como um método político no qual as pessoas, como eleitores, escolhem legítima e periodicamente representantes entre possíveis grupos de líderes. Por este método requerer que todos, em princípio, fossem livres para competir pela liderança política, ele era visto pelo economista como o método mais adequado, funcional e apropriado a ser seguido. Por isso, seus líderes precisam ser ativos e possuir iniciativa e decisão.

A competição entre os líderes pelos votos constitui o elemento democrático característico nesse método político. Na sua teoria, o único meio de participação aberto ao cidadão seria o voto para o líder. A participação, assim, não tem um papel especial ou central. Um número suficiente de cidadãos participa para manter a máquina eleitoral funcionando de modo satisfatório.

As pessoas seriam livres para se organizar, teriam a oportunidade de tentar impor demandas de grupos de interesses e gozariam do direito de votar para remover de seus cargos os governos, caso julgassem necessário. Os pluralistas também acreditavam que uma extensa participação poderia facilmente levar ao aumento de conflitos sociais, distúrbios indevidos e fanatismo. A falta de envolvimento político poderia, assim, ser interpretada de forma positiva: ela poderia se basear na confiança naqueles que governam.

Por conseguinte, a função da participação nessa visão de democracia contemporânea e representativa é de proteção: a proteção do indivíduo contra decisões arbitrárias dos líderes eleitos e a proteção de seus interesses privados. Para conservar a estabilidade do sistema, o nível de participação da maioria não deveria crescer acima do mínimo necessário a fim de manter o método democrático, ou seja, a máquina eleitoral (DAHL, 2001).