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2.1. Deslocamento como estratégia de reprodução social das famílias de elite

2.1.4. A diáspora na família Venâncio dos Santos

Na família Venâncio dos Santos, optamos por destacar a descendência de dois filhos de Jeremias Venâncio dos Santos. Esses dois filhos, de um total de oito, herdaram do pai a atuação política. Orlando Venâncio dos Santos foi prefeito, assim como sua esposa, Neusa Bezerra dos Santos. Osvaldo Venâncio dos Santos foi vereador. Dos cinco filhos de Orlando, nenhum reside atualmente em Cuité, ainda que Péricles Venâncio dos Santos, o filho mais novo, tenha sido vereador e candidato derrotado à prefeito. Todos os cinco filhos de Orlando têm curso superior: direito, engenharia, psicologia, gastronomia e artes plásticas. Atualmente, residem em Natal (RN) e Porto Alegre (RS). Dos seis filhos de Osvaldo Venâncio dos Santos, Osvaldo Filho (Bado) foi prefeito em duas legislaturas, além de vice-prefeito e vereador, mantendo sua residência em Cuité. Max Weber (Quinho) é vereador e servidor do INSS, também residindo em Cuité. Dos outros quatro filhos, dois residem em Cuité e duas filhas residem em Campina Grande e João Pessoa (DIAGRAMA 9).

Diagrama 9: Diáspora dos descendentes da Família da Venâncio dos Santos– Cuité PB

A partir desta família, que dominou a política cuiteense nos anos mais recentes, é possível perceber que a manutenção do vínculo com o município passa diretamente pelo desempenho da atividade política. Na linhagem que perdeu influência política, a diáspora foi completa. Já na linhagem que manteve o acesso aos cargos políticos, a maior parte dos descendentes continua a residir na cidade. A quarta geração, contando a partir de Jeremias Venâncio dos Santos, porém, tem poucos de seus membros ainda residindo na cidade, seja na descendência de Orlando68 ou de Osvaldo.

Em entrevista com Péricles Venâncio dos Santos, realizada em Cuité, ela narrar a trajetória diaspórica da família:

Quando papai trabalhava em Natal, na época passava a semana fora. Na segunda-feira, viajava, e voltava na sexta-feira. Então, sexta, sábado e domingo a casa praticamente era, não era nossa, a casa era do povo, né. (...). A casa era a casa à moda antiga, tipo essa aqui que era a sala, os quartos dando para sala, então quando você acordava já tinha vinte (pessoas) sentados no sofá, (risos), você ia tomar café, almoçar não tinha lugar na mesa, era aquela coisa meio à moda antiga. Hoje você não vê quase isso na casa de político, né. Que mais daquela época, eu era muito pequeno, então minhas lembranças são poucas. Em 74, 75 foi a nossa mudança para Natal. Eu acho que foi mais por questões financeiras mesmo. Então papai...E as meninas que já estavam chegando ...precisavam fazer... iam entrar no segundo grau, as irmãs, e aí resolveu se mudar pra Natal porque na época ele trabalhava lá. É...no começo lá, era... foi bem complicado, né. Papai nunca foi uma pessoa muito ligada a... é, é nunca valorizou a questão financeira, nem material, então pra ele tendo o que comer, o pão de cada dia, para ele estava resolvido. Então ele teve muitos momentos de aperto mesmo lá, grande e vinha sempre a Cuité e não se desligou da política, continuava sendo a liderança política, né, apesar de tá afastado mais era quem dava, na minha opinião, era quem dava as cartas. E a gente, ele..., a gente vinha pouca aqui nessa época. Ele que vinha praticamente todo final de semana. Ele vinha, tinha algumas ações, alguns processos, ações judiciais que ele advogava, na maioria das vezes de graça, nunca cobrou, quase não cobrava pelo menos do pessoal de Cuité, ele não cobrava, o pouco que ele recebia era de ações de outros municípios, mas aqui da região não cobrava. (Péricles Venâncio dos Santos, entrevistado em agosto de 2018)

Ao ser indagado sobre a saída e volta à cidade de Cuité e sobre sua trajetória escolar, contou:

A gente chegou em Natal e aquela questão financeira que eu tinha falado que a situação financeira era, da família, de papai no caso, né, não era muito boa, ele era um funcionário público e na época ele era procurador do antigo INAMPS.

Eu acho que pela época ele, salvo engano, ele entrou no serviço público em 1963, eu acho que foi nomeação, conseguiram politicamente, nunca perguntei isso, não sei, mas, pela época, eu acho, não sei se tinha isso aí. Ele entrou, trabalhou um tempo em João Pessoa, depois foi para Campina Grande e depois pediu transferência pra Natal como procurador. Começou tudo antes do INAMPS, era o IAPAS. Eu sei que era o instituto de previdência que hoje se transformou em INSS, né. Mas, ele foi pro INAMPS e na época o salário não era um salário compatível como é hoje o que ganha a mesma função de procurador que hoje tá nivelado, né, que o que hoje mamãe ganha de pensão, salário de procurador federal, então tá nivelado, então na época não era um salário porque eu me lembro que a gente morava em uma casa bem simples lá em Natal e que minhas irmãs foram estudar em um colégio particular porque já estavam mais perto do vestibular e eu e meu irmão estudávamos em colégio público (...) A opção era essa: “vocês ainda têm mais tempo e as meninas têm que estar em um colégio melhor porque elas vão fazer vestibular”. Então, Graça, Isabele e Ítala foram pro colégio das Neves e eu e meu irmão, Lando, fomos pra colégio público pertinho da casa em que a gente foi morar. Eu continuei na escola pública até a faculdade, eu fiz, quando eu terminei o ensino fundamental, naquela época no caso ginasial, eu fiz a seleção para escola técnica, passei na escola técnica, fiz escola técnica, o IF que é hoje e depois emendei com a universidade. Lando, ainda, terminou o ginasial nessa escola pública e depois foi para um colégio particular, o Imaculada Conceição e as meninas continuaram no colégio das Neves até entrar na universidade, na faculdade. Nesse período teve um aperto grande lá em casa, eu tenho umas cenas, assim, que eu não esqueço nunca, papai precisando de dinheiro pra vir aqui em Cuité por conta de política mesmo e não tinha um centavo. (Péricles Venâncio dos Santos, entrevistado em agosto de 2018)

Ele tratou também das implicações políticas e familiares ao retornar para o município e da sua ruptura com a família por disputas políticas com o primo Osvaldo Venâncio dos Santos Filho:

A minha volta pra cá é, é acho que foi aquela coisa de ... primeiro a decepção com a profissão, tinha terminado engenharia, tinha trabalhado uns quatro anos em algumas construtoras lá, tinha trabalhado por conta própria e pegou um momento de crise muito grande da economia e, então, praticamente não tinha emprego pra engenheiro. O emprego que eu consegui que o salário era tão baixo que eu me recusei a aceitar, mesmo, como eu não precisava na época me dei ao luxo de recusar e ficar desempregado e, aí coincidiu com a eleição de Bado a prefeito aqui, a prefeito de Cuité, né. Ele me chamou pra eu trabalhar com ele e eu vim na maior das boas intenções (...) na campanha de deputado, deixar a gente do PT fazer a nossa campanha, ele fazia a campanha dele, o candidato a deputado dele mas, passado a campanha ia tá todo mundo no mesmo grupo de novo e , aí na campanha foi... terminou que virou uma campanha pessoal de Carlos Bezerra contra o candidato dele na época que eu acho que era Olenka Maranhão, e aí quando terminou a campanha, antes de terminar a campanha eu fui lá no gabinete dele e disse que estava de saída, que estava saindo da prefeitura e que não concordava com um monte de coisa e que não ia ficar, aí terminou a campanha, saiu minha exoneração e, aí começou o racha mesmo do grupo, do PT com o PMDB, e politicamente meu com ele, então a família partida no meio. (Péricles Venâncio dos Santos, entrevistado em agosto de 2018)

De acordo com Péricles, quem comandava a família após a morte de seu pai era sua tia:

A família é, na época quem dava as cartas era tia Elita, né. Tia Elita era aquela questão do tradicional, a família Venâncio, aquela coisa, está acima tudo. (...) A família era sinônimo ou pelo menos se autodenominava como honesta, ética, tudo na política (...). Eu acho né, que foi um dos maiores atritos meus com a família, foi que eles tomaram partido de Bado, eles, a grande maioria, a parte da família Venâncio(...), ela fez uma opção e a opção mais cômoda era por ele que já era prefeito, que era o nome da família que tinha retomado o poder depois de vinte anos, que tinha perdido a prefeitura de Cuité. Então, fez uma opção por ele, e aí foi assim, o meu afastamento não achava que fosse diferente não até porque eu rompi com a família e em uma eleição seguinte eu me juntei com o adversário da vida toda da família, né, que, era aquela coisa você fazia um bicho papão, enquanto você estava de um lado você tinha pessoas como demônios da política, tudo que há de mais podre e mais ruim era o outro lado (...). (Péricles Venâncio dos Santos, entrevistado em agosto de 2018)

Péricles falou também da sua ligação e de seus irmãos com a cidade:

A gente saiu muito cedo, muito cedo de Cuité. Eu, pelo fato de ter voltado, minha ligação ficou maior, voltou, né, eu...reascendi isso mas a ligação das meninas, eu acho, é muito mais a família do que a cidade, o que a família representava, existia uma união muito grande. Hoje você não vê famílias grandes, poucas famílias grandes, como era a nossa (...) que eram sete ou oito irmãos só na casa de papai e cada um com quatro, cinco filhos, então a quantidade de primos era grande demais e sempre estavam se reunindo pelo menos duas, três vezes por ano, se reunia apesar de já morar muita gente, por exemplo, em João Pessoa, Campina, alguns aqui, a gente lá em Natal mas, sempre se reunia no carnaval, o carnaval, por exemplo, era momento de interação, de integração de reunião da família, impressionante com a história do carnaval, dos blocos, o Loves Band69, tinha até a disputa política entre o

Loves Band e Loucos do ritmo e o Loves band era o bloco da família Venâncio, Loucos do ritmo era o bloco da família Pereira e tinha alguns, algumas ovelhas negras, tanto de um lado quanto de outro, por exemplo, um exemplo aqui o pessoal lá de seu Martinho, Ilka e Miriam, mesmo sendo da família Pereira elas sempre foram do Loves band, né, mas isso na época era um Deus nos acuda, né, porque a disputa política era tão grande que você não podia nem ter amizades dentro do outro lado, então tinha essa ligação muito forte da família mesmo. Os primos sempre foram muito, muito unidos, né, é, quando eu tomei a decisão política lá em casa foi inicialmente, tinham muito é... me chamando de doido, maluco, olharam, visualizaram a coisa pelo lado familiar, nunca pelo lado político, a questão de convicção política de, de... só que ao longo do tempo, eu consegui é, é ... convencer. (Péricles Venâncio dos Santos, entrevistado em agosto de 2018)

69 “O bloco carnavalesco LOVE´S BAND foi fundado no ano de 1971, pela jovem Cláudia Furtado que com

vigor de sua juventude, conseguiu unir em torno de seu projeto os jovens que, em sua maioria, estudavam fora da cidade, pois era com grande entusiasmo que se reuniam para passar férias em Cuité.” (VENÂNCIO e VENÂNCIO, 2004, p. 187)

Uma passagem do livro Ao nosso querido Orlando, no capítulo Seus pais, escrito em 1979 por sua irmã Maria Elita dos Santos Fonseca, ao falar do pai ela diz:

(...)JEREMIAS VENÂNCIO DOS SANTOS serviu a sua terra e a sua gente, constituindo-se num modelo de dedicação e carinho. Os cuiteenses o venerarão e jamais será esquecido, visto ter sido ele, para sua terra, o amor que constrói, o carinho, a dedicação que enobrece e as criaturas e vivifica o ser humano. Cuité para ele era sua própria razão de ser. (VENÂNCIO, 2010, p 15)