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A diferença entre a prisão definitiva e a prisão preventiva

1.1 Prisão preventiva: a alternativa que aprisiona

1.1.4 A diferença entre a prisão definitiva e a prisão preventiva

A pena privativa da liberdade, definida como prisão pena, está arrolada nos artigos 33 e seguintes do Código Penal e 674 e seguintes do Código de Processo Penal, quando, transitada em julgado a sentença condenatória que impõe pena privativa de liberdade, estará o réu condenado a cumprir o mandado de prisão (BRASIL, 2018a; BRASIL, 2018b).

Assim, a prisão pena será possível somente após todo o trâmite processual penal, que decreta que o réu é culpado, diante do trânsito em julgado da sentença condenatória proferida pelo juízo. Por conseguinte, lhe é imputada a autoria do crime em pauta, devendo o réu dar uma resposta ao Estado, através do cumprimento de sua pena, de modo definitivo.

Neste viés, Fernando da Costa Tourinho Filho (2003) define que esta prisão pena marca o fim de todo o processo criminal, sendo a retribuição do réu pela sua prática de infração penal. Ademais, afirma o autor que não se pode negar que esta pena será uma busca de resposta, como um castigo, pelo mal executado pelo agente, embora deva ter também caráter ressocializador, visando reintegrar, posteriormente, o acusado a sociedade, embora, em realidade prática, o seu fim maior acaba por ser a busca pela punição e vingança pelo ato criminoso.

Acentua Fernando Capez (2012) que este tipo de pena não terá caráter cautelar ou natureza processual, mas sim de satisfação da pretensão punitiva impetrada pelo poder-dever

Estatal diante de ocorrência infracional após a conclusão do curso processual, diferindo-se completamente da prisão sem pena, também dita prisão processual ou provisória, onde se elenca a prisão preventiva.

A prisão sem pena irá ter uma natureza exclusivamente cautelar, ou seja, de provisoriedade, conforme visto, não visando a execução de pretensão punitiva, pois não há o que se falar, nesta fase da persecução penal, em punição, vez que o agente é considerado inocente. Porém, diante dos requisitos, fundamentos e hipóteses, em vista da garantia do processo e do risco que o agente, em liberdade, imputaria ao meio social, este deverá ser mantido em segregação processual.

Segundo Capez (2012), diante dos casos vistos, é notável a necessidade de que, em determinadas situações, o agente venha a ser segregado antes do término processual, sendo inevitavelmente privado de sua liberdade, posto que representaria um perigo relevante se solto, inclusive para futura execução da prisão pena, quando há a grande possibilidade que este incorra em fuga.

Portanto, a prisão sem pena, como a prisão preventiva estudada, não viola o artigo 5º, inciso LVII da Constituição Federal de 1988, que traz que ninguém poderá será culpado até que assim seja dito no trânsito em julgado da sentença penal condenatória, pois o seu caso exige a segregação cautelar, sem ser óbice para uma posterior sentença penal absolutória, julgando improcedente a pretensão delitiva e declarando sua inocência.

Isto posto, de acordo com Tourinho Filho (2003), a aplicação da prisão preventiva é medida drástica decretada pelo magistrado, podendo caracterizar, inclusive, uma injustiça cometida pelo Estado, devendo ser evitada até o último instante e, como prega o artigo 282, §6º do Código de Processo Penal, apenas quando não for cabível nenhuma outra medida cautelar.

Além disso, Avena (2018) ressalta que é fundamental, para a aplicação de uma prisão preventiva - que se trata de uma prisão sem pena - que o magistrado observe o princípio da presunção da inocência, previsto constitucionalmente, para que não caracterize a ocorrência de uma prisão pena antecipada, que somente pode ser impetrada em condenação ao fim do processo.

Visto os fatos mencionados, observa-se que está consagrada a excepcionalidade da medida cautelar privativa de liberdade estudada, que não poderá ser utilizada como punição prévia, sob pena de constrangimento ilegal do investigado ou acusado, mas em situações singulares, devidamente amparada pela presença do periculum libertatis e do fumus comissi delicti, devendo ser a ultima ratio de todas as medidas cautelares que o processo penal dispõe em seu ordenamento legal.

2 A SELETIVIDADE DA SELETIVIDADE: A MULHER PRESA PREVENTIVAMENTE NO CRIME DE TRÁFICO DE DROGAS

Como visto, a prisão preventiva deverá ser a ultima ratio das medidas cautelares no processo penal, eis que traz grave restrição à liberdade do indivíduo, privando-o de ir e vir, sem que haja trânsito em julgado de sentença penal condenatória. Em vista disso, deverá preservar a presunção da inocência do acusado, posto que é direito fundamental deste, assegurado pela Constituição Federal de 1988, somente sendo possível decretá-la se alcançados os pressupostos e fundamentos e o caso concreto não dê outra alternativa ao magistrado que não sua imposição.

Todavia, justamente por ser uma medida cautelar que encarcera o acusado, frente tantas discussões quanto ao sobrecarregado e defasado sistema carcerário brasileiro, se debate se a racionalidade iluminista mencionada anteriormente, enaltecida por Cesare Beccaria, que discutiu acerca dos direitos humanos dos indivíduos nas sedes das prisões, está presente na figura da prisão preventiva.

Primeiramente, cabe ressaltar que, mesmo diante do progresso da racionalidade no decorrer dos períodos, com a grande discussão e enaltecimento dos direitos humanos, principalmente após a Segunda Grande Guerra, ainda hoje há uma forte onda de repressão aos direitos humanos na seara criminal. Para Luiz Luisi (2003), questões como a relevância de pequenas infrações, o combate direto de violações de direitos com o direito penal e o defasado sistema carcerário apenas propiciam um cenário de constante violações dos direitos dos apenados, principalmente, do direito à liberdade, como ocorre no caso da ampla utilização da prisão preventiva.

Nesta discussão, Eugênio Raúl Zaffaroni (2011) refere que a visão social do indivíduo que cometeu fato típico, ilícito e culpável como um “estranho” nunca foi superada, mesmo em tempos contemporâneos, vez que a sociedade, em sua grandiosa maioria, vê este como um inimigo, irrecuperável, que deve ser combatido e, de tal forma, excluído do meio de convivência. Conforme refere o doutrinador, o agente ofensor deixa de ser considerado pessoa e, combatido com violência, é privado da liberdade de ir e vir, como se animal irracional o fosse. Para ilustrar a situação, Zaffaroni (2011, p. 18) afirma que esta atuação “trata-se de uma espécie de enjaulamento de um ente perigoso”, sem relevância a suas prerrogativas e direitos.

Não obstante, questiona-se: há efetividade em “enjaular” o inimigo? E ainda, em enjaulá-lo preventivamente, quando não há certeza absoluta da materialidade e de sua autoria? Nesta toada é importante, conforme roga Michel Foucalt (1987, p. 134) que se tenha uma visão do que, de fato, a prisão representa, posto que para o doutrinador, a prisão é:

Incapaz de responder à especificidade dos crimes. Porque é desprovida de efeito sobre o público. Porque é inútil à sociedade, até nociva: é cara, mantém os condenados na ociosidade, multiplica-lhes os vícios. Porque é difícil controlar o cumprimento de uma pena dessas e corre-se o risco de expor os detentos à arbitrariedade de seus guardiães. Porque o trabalho de privar um homem de sua liberdade e vigiá-lo na prisão é um exercício de tirania.

Em paralelo as palavras de Foucalt, o Brasil presencia uma grave e séria situação carcerária, como nunca antes vivenciou: a superlotação. Isto porque as superlotações prisionais tornam impossível a ideia da pena como recuperação e ressocialização do indivíduo ofensor, visto que a prisão sequer assegura o mínimo para garantir condição digna de vida aos aprisionados, tratando-se de um sistema falho e decadente (BRASIL, 2017a)

Neste sentido, Supremo Tribunal Federal decretou, em 2015, na Arguição de Descumprimento Fundamental nº 347/DF requerida pelo Partido Socialismo e Liberdade (PSOL), que o sistema carcerário brasileiro vive o “Estado de Coisas Inconstitucional”. Esta expressão é uma inovação jurisprudencial inspirada no direito colombiano, para determinar uma situação de graves e reiteradas violações de direitos fundamentais, de forma generalizada.

Conforme o relatório da ADPF nº 347/DF, o “Estado de Coisas Inconstitucional” tem o intuito de obrigar que o Poder Público tome medidas urgentes para garantir a efetividade dos direitos fundamentais no sistema carcerário, dando prioridade para afastar e banir as violações a estes direitos, uma vez que o direito a dignidade humana de centenas de milhares de aprisionados e aprisionadas está em jogo. No julgamento, também restou destacado e reconhecido o abuso da utilização de prisão preventiva e a necessidade de se reduzir este número expressivo, extinguindo a “cultura do encarceramento” e os excessos do poder judiciário nos momentos cautelares do processo penal (BRASIL, 2015b).

Isto posto, o Sr. Ministro Ricardo Lewandowski, presidente no julgamento, salientou o acolhimento do “Estado de Coisas Inconstitucional” quanto ao sistema carcerário brasileiro, diante das evidentes e numerosas violações de direitos fundamentais dos indivíduos em seu cerne, enfatizado que a superlotação carcerária e as condições desumanas da custódia, bem como as falhas da estrutura do próprio cárcere, respaldam em uma violação em massa de direitos fundamentais (BRASIL, 2015b).

Nas palavras do Ministro Celso Mello na ADPF nº 347/DF (BRASIL, 2015b, p. 159):

Há, efetivamente, no Brasil, um claro e indisfarçável “estado de coisas inconstitucional” resultante – tal como denunciado pelo PSOL – da omissão do Poder Público em implementar medidas eficazes de ordem estrutural que neutralizem a situação de absurda patologia constitucional gerada, incompreensivelmente, pela inércia do Estado que descumpre a Constituição Federal, que ofende a Lei de Execução Penal e que fere o sentimento de decência dos cidadãos desta República.

Neste repudiante e indigno quadro, a superlotação de aprisionados, causada principalmente pelas exorbitantes prisões preventivas, banaliza o princípio da não culpabilidade, expresso no inciso LVII, do artigo 5º da Constituição Federal de 1988. Nesta toada, é possível visualizar o sistema carcerário como um funil, consoante Augusto Thompson (2002), uma vez que a entrada se dá aos borbotões, enquanto a saída é em conta- gotas – ou seja, diversos indivíduos adentram este cenário, enquanto poucos saem.

Nesta conjuntura de abarrotamento carcerário é que a maioria das prisões preventivas decretadas acabam por se alongar no tempo, diante da morosidade do processo penal e das diversas violações de direitos fundamentais dos aprisionados. Neste viés, Thompson (2002) critica que a perpetuação no tempo destas prisões preventivas pode levar ao cumprimento de período superior inclusive ao que seria devido ao acusado se tivesse sentença penal condenatória, observado que, se não condenado, terá cumprido sendo inocente.

Entretanto, embora se alonguem no tempo, seja prisão-pena ou prisão preventiva, não poderá a punição ter caráter perpétuo, conforme veda a própria Constituição Federal de 1988, em seu artigo 5º, inciso XLVII, alínea b. Portanto, subsiste a certeza de que o indivíduo, em dado momento, irá retornar ao convívio social. Logo, se a prisão sequer consegue garantir o

básico para subsistência digna daqueles que aloca, como é possível que garanta a ressocialização do acusado para o posterior retorno em sociedade?

Em observância, a ineficácia do sistema carcerário está conectada a dois cernes específicos, quais sejam: que este sistema não é competente para a ressocialização dos indivíduos encarcerados, tornando-se ambiente de ócio, sem atendimento suficiente de trabalho e estudo, bem como, que não é apto para garantia de direitos fundamentais dos aprisionados (BITENCOURT, 2018).

Em contrapartida, a Lei 7.210 de 1984, Lei de Execução Penal, em seu artigo 3º destaca que, com exceção dos direitos atingidos pela sentença ou pela lei, como o direito à liberdade, todos os demais direitos serão assegurados ao indivíduo aprisionado, e ainda em seu artigo 10º, caput, que o objetivo primordial do sistema carcerário deverá ser a assistência ao aprisionado, de modo a “prevenir o crime e orientar o retorno à convivência em sociedade”, lhe garantindo assistência material, de saúde, jurídica, educacional, religiosa e social, sendo dever do Estado assegurá-las - embora a realidade, em verdade, seja outra.

Em análise a realidade prática, conforme o Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias, popularmente conhecido como INFOPEN, de 2017, que traz os dados das penitenciárias brasileiras atualizados até junho de 2016, 40% da população em condição de privação da liberdade estão nesta situação sem condenação. Em 2000, o Brasil já contava com 35% das pessoas de seu sistema carcerário em condição prisional provisória. Atualmente, este número mostra que a maior parte dos presos estão em prisão provisória, frente a 38% dos condenados sentenciados ao regime fechado (BRASIL, 2017).

Destes 40% em situação de prisão provisória, o gráfico 8 do INFOPEN 2017 aponta que, das 45% das unidades prisionais no Brasil que forneceram as informações quanto aos aprisionados sem condenação, 47% destes indivíduos estavam aprisionados há mais de noventa dias. Esta é uma visão geral. Entretanto, em análise a cada estado, é possível visualizar que Sergipe conta com 100% dos aprisionados provisórios presos há mais de noventa dias. Em Alagoas, 91%, Paraná, 84%, e o Rio Grande do Sul, 56% - uma média menor, porém ainda superior ao total nacional (BRASIL, 2017a).

Precipuamente, destaca o INFOPEN (BRASIL, 2017a) que, do total de 726.712 aprisionados nas penitenciárias brasileiras, 292.450 são presos sem condenação, ou seja, em situação provisória, ultrapassando um terço no número total. Em contrapartida, o INFOPEN Mulheres (BRASIL, 2017b), demostra que nas prisões femininas, houve um crescimento de mulheres encarceradas de 656% do ano de 2000 até 2016, visto que o número de 6 mil mulheres encarceradas atualmente é superior a 42 mil aprisionadas. Outrossim, destas mulheres, 45% estão presas sem condenação, ou seja, também em situação de prisão provisória.

Ocorre que, ainda consoante o INFOPEN (BRASIL, 2017a), além do encarceramento em massa provisório, há a incidência de um crime específico como o delito que mais leva ao aprisionamento: dos homens aprisionados, 26% estão nesta situação pelo registro de prática de crime ligado ao tráfico de drogas, sendo a maior incidência, juntamente ao crime de roubo. Todavia, este número torna-se ainda mais assustador ao se analisar as prisões que encarceram mulheres: 62% das aprisionadas estão nesta situação pela acusação de prática do crime de tráfico de drogas.

Três em cada cinco mulheres estão no sistema carcerário em virtude do envolvimento com tráfico de drogas: é conclusivo que a maior parte das mulheres encarceradas no Brasil encontram-se em situação de prisão provisória em virtude do envolvimento com o crime de tráfico de drogas, sendo que, o levantamento “torna evidente a expansão do encarceramento de mulheres pelos crimes ligados ao tráfico de drogas, em detrimento dos crimes praticados contra a vida” (BRASIL, 2017b, p. 55).

Com isso, observado que os números auferidos em sistema carcerário são reflexos da guerra contra às drogas instaurada em território brasileiro e da ampla utilização das prisões preventivas na tentativa de combate contra estas substâncias entorpecentes ilícitas, é fulcral, para adentrar a este universo que permeia a seara penal, conhecer a atual Lei de Drogas, dita Lei nº 11.343 de 2006.