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1.1 Prisão preventiva: a alternativa que aprisiona

1.1.3 Hipóteses de decretação da prisão preventiva

Além de devida fundamentação e do preenchimento dos requisitos para a decretação da prisão preventiva, esta não pode ser aplicada de modo generalizado, mas apenas diante de determinadas espécies de infrações penais ou em certas circunstâncias.

O artigo 313 do Código de Processo Penal compila quatro possíveis hipóteses para a admissão da prisão preventiva. Conforme sua redação, a primeira hipótese versa quanto a aplicação desta medida cautelar nos casos de crimes dolosos puníveis com pena privativa de liberdade máxima superior a quatro anos, tendo sido a sua redação alterada pela Lei nº 12.403 de 2011 (BRASIL, 2018a).

Conforme a redação anterior da lei referida e os estudos de Avena (2018), este inciso não mais verifica se o crime será punido com reclusão ou detenção, mas foca no tempo máximo da pena privativa de liberdade que poderá ser aplicada ao crime, devendo, necessariamente, ser superior a 4 (quatro) anos. Ainda, não dá abertura para aplicação nos casos de crimes culposos, mas somente aos dolosos, excluindo, juntamente, as contravenções penais.

Em interpretação ao primeiro inciso, conforme Aury Lopes Jr. (2017), o magistrado, além da análise do princípio da proporcionalidade em lato sensu, estará limitado a aplicar exclusivamente diante de imputação quanto a prática de crime doloso, bem como, em análise taxativa, em situações onde a pena máxima seja superior a quatro anos.

Todavia, é importante enfatizar quanto as ocorrências de concursos de crimes, constantes no Código Penal brasileiro onde os artigos 69, 70 e 71 definem, respectivamente, o concurso material, concurso formal – subdividindo-se em próprio e impróprio – e o crime continuado.

O artigo 69 conceitua o concurso de crime na forma material, trazendo que este ocorrerá quando o agente, por meio de uma ação ou omissão, vem a praticar dois ou mais crimes, idênticos ou não. As penas privativas de liberdade dos crimes incorridos serão aplicadas de modo cumulativo, sendo que, diante de uma pena de reclusão e de outra de detenção, será executada, primeiramente, a reclusão.

Já o artigo 71 afirma que o crime continuado se sucederá quando o agente, mediante um ou mais ações ou omissões, pratica dois ou mais crimes de mesma espécie que, pelas condições de tempo, lugar, modo de execução e demais semelhanças, são tidos como continuações do primeiro. Neste caso, a pena aplicada será de um só crime, se idênticas infrações, ou do crime mais grave, se diversas, aumentada de um sexto a dois terços.

O artigo 70 descreve o concurso de crime formal, que se divide em formal próprio e impróprio. Primeiramente, o agente poderá, mediante uma ação ou omissão, praticar dois ou mais crimes idênticos ou não, acarretando a aplicação de somente uma das penas, sendo a mais grave, se crimes diferentes, e apenas uma delas, se idênticos, aumentada de um sexto até a metade. Nesta situação, ocorrerá um concurso formal próprio, presente na primeira parte do artigo mencionado. A segunda parte traz o concurso formal impróprio, quando o agente, mediante uma ação ou omissão, pratica dois ou mais crimes, de desígnios autônomos, onde se aplicará a soma das penas de cada infração penal.

Diante destas situações, discorre Avena (2018) que, para a aplicação da prisão preventiva, deverão ser analisadas as penas máximas previstas nos tipos penais incorridos. No caso do concurso material, o somatório das penas máximas de todos os crimes imputados deverá superar quatro anos para a decretação da prisão preventiva e igual entendimento é aplicado no concurso formal impróprio.

No concurso formal próprio, deverá o magistrado considerar a pena máxima da infração mais grave, majorada até metade, que é o acréscimo mais gravoso. Superando quatro anos, será cabível a prisão preventiva. Já quanto ao crime continuado, deverá se considerar a pena máxima da infração mais gravosa, majorada em dois terços, para se chegar ao resultado final e visualizar a possibilidade de aplicação de prisão preventiva.

Frisa a doutrina a presença de duas súmulas, a súmula 2437 do Superior Tribunal de Justiça, e a súmula 7238 do Supremo Tribunal Federal, que corroboram com estes entendimentos, trazendo a não possibilidade de utilização benefício da suspensão condicional do processo criminal em situações de concurso material, formal e de crime continuado (AVENA, 2018; LOPES JR., 2017).

Conforme Aury Lopes Jr. (2017), mesmo em se tratando de limites de pena destoantes, deverá se considerar a majoração máxima e a atenuante, no modo mínimo. Deste modo, se a pena máxima auferida for superior a quatro anos, estará adequada a hipótese do inciso primeiro do artigo 313 do Código de Processo Penal.

Ainda, neste sentido, há a possibilidade de haver majorante e minorante na própria pena, devendo sempre se considerar a pena máxima. Neste entendimento, Avena (2018) traz o exemplo da denúncia por prática de furto, onde não haja reincidência: a pena máxima será de quatro anos, não cabendo prisão preventiva. Entretanto, se o fato ocorre em repouso noturno, que majora a pena em um terço, o resultado será superior a quatro anos e, portanto, será possível a aplicação da prisão preventiva.

Não obstante, segue Avena (2018) afirmando que as agravantes e atenuantes não poderão ser consideradas nestes casos, pois não trazem o aumento ou diminuição de forma específica, ou seja, líquida, para o decreto da prisão preventiva, sendo um campo incerto. Entretanto, as qualificadoras, por serem tipos penais derivados e com certa autonomia ao trazerem penas com percentuais distintos, admitem a consideração para prisão preventiva.

Por fim, uma relevante situação é apresentada nos estudos de Lopes Jr. (2017) quanto a acusação de flagrante delito por crimes que tenham pena máxima inferior a quatro anos. Diante deste caso, procede o magistrado com uma medida cautelar diversa, porém o agente vem a descumpri-la: é possível a decretação da prisão preventiva, mesmo com a pena máxima inferior ao culminado no artigo 313, inciso I, ou seja, quatro anos?

7 O benefício da suspensão do processo não é aplicável em relação às infrações penais cometidas em concurso material, concurso formal ou continuidade delitiva, quando a pena mínima cominada, seja pelo somatório, seja pela incidência da majorante, ultrapassar o limite de um (01) ano.

8 Não se admite a suspensão condicional do processo por crime continuado, se a soma da pena mínima da infração mais grave com o aumento mínimo de um sexto for superior a um ano.

Conforme o doutrinador, é plenamente possível, pois neste caso se estará diante da hipótese do artigo 312, parágrafo único, que tem prerrogativa própria e distinta face o artigo anterior mencionado. Entretanto, sempre deverá se prezar, inicialmente, pela cumulação de medidas, em atenção ao princípio da proporcionalidade (LOPES JR., 2017).

Seguindo, o artigo 313, no inciso II, conceitua a hipótese de decretação de prisão preventiva quando o investigado ou acusado comete um novo crime doloso nos cinco anos subsequentes ao cumprimento ou extinção da pena imposta em razão da prática de outro crime doloso anterior. Neste diapasão, Avena (2018) define que a reincidência em crime doloso tornará possível a aplicação de medida cautelar privativa de liberdade, observado que a lei não define a lei se a reincidência deverá ser específica no mesmo tipo penal, mas apenas em outro crime que também tenha natureza dolosa.

Deste modo, o agente poderá ter cometido um crime doloso de pena máxima inferior a quatro anos, vindo a cumprir e tornar a pena extinta, porém, dentro do prazo de 5 (cinco) anos após a sua extinção, conforme trata o artigo 64, inciso I9 do Código Penal, vem a cometer outro crime doloso. Nesta toada, percebe-se que a pena máxima será irrelevante para a aplicação da prisão preventiva. Avena (2018) destaca que, a exemplo, poderá no primeiro crime o agente ter respondido a pena restritiva de direitos ou multa – desde que tenha natureza dolosa, estará caracterizada a reincidência na segunda infração penal.

Não se deve olvidar que para o tempo da reincidência deverá se contar o período de suspensão condicional da pena, bem como o livramento condicional, desde que estes institutos não tenham sido revogados, conforme destaca o artigo. A exemplo, Avena (2018) traz que, se um indivíduo for condenado a pena privativa de liberdade de doze anos e, aos quatro anos de cumprimento obtêm o livramento condicional, sem que este venha a ser revogado, a pena estará extinta em oito anos e, considerando que o período do livramento foi superior a cinco anos, não haverá o que se falar em reincidência se vier a cometer novo delito.

Para Aury Lopes Jr. (2017), o legislador, ao arrolar a hipótese de aplicação à prisão preventiva ao reincidente em crime doloso, estigmatizou o agente em pauta, não devendo se

9 Art. 64 - Para efeito de reincidência: I - não prevalece a condenação anterior, se entre a data do cumprimento ou extinção da pena e a infração posterior tiver decorrido período de tempo superior a 5 (cinco) anos, computado o período de prova da suspensão ou do livramento condicional, se não ocorrer revogação.

justificar a decretação desta medida cautelar pela reincidência, pois se estaria violando o princípio da proporcionalidade.

Isto posto, abordado este inciso, o artigo 313 apresenta a hipótese da decretação da prisão preventiva nos crimes que envolvam violência doméstica e familiar contra a mulher, criança, adolescente, idoso, enfermo ou pessoa com deficiência, a fim de garantir a execução de medidas protetivas de urgência. Neste caso, novamente, a norma processual penal não exige a máxima pena privativa de liberdade, exigindo exclusivamente que o crime se dê mediante violência contra as vítimas elencadas, devendo a prisão preventiva ser aplicada com o intuito de garantir as medidas protetivas.

Nota-se que este inciso é herança da Lei nº 11.340 de 2006, conhecida popularmente como Lei Maria da Penha, que revolucionou o cenário do direito penal ao trazer fortes prerrogativas de proteção da mulher nos casos de violência doméstica e familiar. Todavia, o inciso III do artigo 313 elenca outras vítimas que não estão constantes na lei retrocitada, ampliando a aplicação da prisão preventiva.

Segundo Avena (2018), na leitura do inciso mencionado não há a previsão expressa de que será aplicável somente aos crimes dolosos, podendo levar ao entendimento que seria cabível também nos crimes culposos. Entretanto, conforme a doutrina majoritária, a interpretação deverá prestar enfoque ao implícito constante em crimes praticados com violência, ou seja, a vontade do agente em praticar a conduta e causar danos as vítimas mencionadas, dando a ideia de dolo.

Ademais, a hipótese prevê a possibilidade de aplicação de prisão preventiva em casos que requeiram a garantia da execução de medida cautelar protetiva de urgência. Ora, se pressupõe que se deva assegurar esta medida cautelar, é deduzível a pretensão de coibir que o agente volte a causar danos à vítima e, portanto, agir de forma intencional. Outrossim, se fosse aplicável na situação culposa, onde o agente não tinha a real vontade de causar danos a vítima, estaria se infringindo o princípio da proporcionalidade.

Nesta toada, outro ponto que necessita de análise é quanto a medida cautelar protetiva de urgência suprarreferida que deverá ter sido descumprida ou sofrer um sério risco de descumprimento por parte do agente. Avena (2018) refere que a Lei nº 11.340/2006 prevê

medida cautelares específicas para a proteção da mulher vítima de violência doméstica e familiar, não havendo dúvidas na aplicação da prisão preventiva com base nesta hipótese.

Todavia, quanto as demais vítimas, crianças, adolescentes, idosos, enfermos ou portadores de deficiência, subsistem dúvidas quando estas medidas protetivas. A doutrina majoritária adota o entender de que é prescindível a existência prévia concessão de medidas protetivas de urgência, bastando que haja o perigo real à vítima e que estejam preenchidos os requisitos e fundamentos da prisão preventiva para seu deferimento. Entretanto, há quem entenda que tais medidas cautelares protetivas são essenciais, sejam as constantes no artigo 319 ou de ordenamentos legais específicos, como na hipótese do artigo 13010 do Estatuto da Criança e do Adolescente (AVENA, 2018).

Por fim, o artigo 313 define em seu parágrafo único que é possível a aplicação da prisão preventiva nos casos em que houver dúvida sobre a identidade civil do agente ou quando este não fornecer elementos suficientes para esclarecê-la, devendo, logo após a identificação, o preso ser colocado em liberdade, exceto se houver outra hipótese que recomende sua segregação.

Destaca a doutrina que, embora possa parecer vaga a aplicação da prisão preventiva com dúvida sobre identidade civil da pessoa ou, especialmente, quando não houverem elementos suficientes para seu esclarecimento, é fulcral recordar que a identificação e individualização do agente é imprescindível para a denúncia e a queixa-crime, pois, sem tais elementos, se causaria a nulidade do processo criminal (AVENA, 2018).

Portanto, não havendo este dispositivo e infundadas dúvidas sobre a identificação do agente, permanecendo este em liberdade, causar-se-ia o sentimento de impunidade e inefetividade do poder-dever estatal, aumentando, conforme destaca Avena (2018), a possibilidade de reincidência.

10 Art. 130. Verificada a hipótese de maus-tratos, opressão ou abuso sexual impostos pelos pais ou responsável, a autoridade judiciária poderá determinar, como medida cautelar, o afastamento do agressor da moradia comum. Parágrafo único - Da medida cautelar constará, ainda, a fixação provisória dos alimentos de que necessitem a criança ou o adolescente dependentes do agressor.

Entretanto, para não incorrer no constrangimento ilegal do acusado e a permanência de uma prisão preventiva desnecessária, já traz a norma que, sanadas as dúvidas e fornecidos os elementos suficientes para a identificação do agente, este deverá, imediatamente, ser colocado em liberdade (BRASIL, 2018a).

Para esta devida identificação, que proporcione a posterior soltura do agente, Aury Lopes Jr. (2017) diz que é necessária a interpretação desta hipótese com a Lei nº 12.037 de 2009, que veio a regulamentar o inciso LVIII do artigo 5º da Constituição Federal, dispondo que não é necessária a identificação criminal daquele que é civilmente identificado, podendo esta sua identificação civil ser atestada por carteira de identidade, CTPS e passaporte, a exemplos. Só será imprescindível a identificação criminal se o documento apresentado conter rasuras ou indícios de falsificação, for insuficiente para a identificação, houver documentos conflitantes entre si, entre outras possibilidades semelhantes.

Destarte, se o agente imputado não fornecer nenhuma identificação ou fornecer, mas a identificação apresentar certas peculiaridades como as mencionadas, que deturpem a possibilidade de comprovação, deverá este ser submetido a identificação criminal, por força da própria norma constitucional, sendo passível de decretação de prisão preventiva.

Ainda, menciona Lopes Jr. (2017) que esta hipótese deverá ter leitura minuciosa e ser aplicada em situações que exijam o crime doloso. Contudo, o legislador, ao suprimir a determinação crime doloso do caput do artigo 313 do CPP, deu abertura para aplicação deste inciso nos casos que prevejam crimes culposos. Deste modo, teoricamente, é possível a decretação da prisão preventiva em crimes culposos onde o ofensor, a exemplo, recusa-se a fornecer documentos que o identifiquem ou hajam fundadas dúvidas acerca de sua identificação.

Assim, embora Aury Lopes Jr. (2017) afirme que a prisão preventiva não deverá ser admitida, sob nenhuma hipótese, nos crimes culposos, em primazia ao princípio da proporcionalidade, observada a gravidade da infração penal, o legislador, ao redigir o parágrafo único, não determinou a limitação destes aos crimes dolosos, mas deu margem para a sua aplicação.

Este também é o entendimento da doutrina majoritária, segundo Avena (2018) que discorre que os primeiros dois incisos restringem a aplicação da prisão preventiva somente aos crimes dolosos, apresentando a terceira hipótese uma aplicação implícita somente aos casos de dolo. Entretanto, o parágrafo único conta com uma excepcionalidade, inexistindo impeditivos para decretação aos crimes culposos.

Não obstante, Avena (2018) frisa que esta interpretação não deverá levar ao entendimento errôneo de que caberia também a prisão preventiva nas contravenções penais, quando o agente não é identificado ou subsistam dúvidas acerca de sua identificação, pois o artigo 312 do Código de Processo Penal refere, expressamente, que esta medida cautelar mais gravosa só será cabível nos casos que sejam imputados crimes ao agente.