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De trás das grades: uma análise acerca da mulher presa preventivamente pelo crime de tráfico de drogas

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Academic year: 2021

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UNIJUÍ - UNIVERSIDADE REGIONAL DO NOROESTE DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL

NATALIA LETÍCIA MENDONÇA

DE TRÁS DAS GRADES: UMA ANÁLISE ACERCA DA MULHER PRESA PREVENTIVAMENTE PELO CRIME DE TRÁFICO DE DROGAS

Três Passos (RS) 2019

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NATALIA LETÍCIA MENDONÇA

DE TRÁS DAS GRADES: UMA ANÁLISE ACERCA DA MULHER PRESA PREVENTIVAMENTE PELO CRIME DE TRÁFICO DE DROGAS

Monografia final do Curso de Graduação em Direito, objetivando a aprovação no componente curricular Trabalho de Conclusão de Curso – TCC.

UNIJUÍ – Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul.

DCJS – Departamento de Ciências Jurídicas e Sociais.

Orientadora: MSc. Márcia Cristina de Oliveira

Três Passos (RS) 2019

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Dedicado a todas as mulheres, mães, gestantes e responsáveis encarceradas.

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AGRADECIMENTOS

A todos os professores que fizeram parte da minha trajetória de educação até aqui: do fundamental a graduação, meu muito obrigada.

À minha orientadora, pela paciência, dedicação e por compartilhar do mesmo amor pelo direito penal que eu.

À minha família, aos amigos e ao meu companheiro, que acreditaram em mim e me deram forças para tornar tudo isto possível.

Ao meu filho de quatro patas, Lucky, por todas as madrugadas compartilhadas em que sua companhia me amparou.

Por fim, a todas as positivas energias do universo que me rodeiam, meu muito obrigada.

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“O que a sociedade ganha trancando essas mulheres por anos consecutivos? O que representa, no volume geral do tráfico, a quantidade de droga que cabe na vagina de uma mulher? Que futuro terão crianças criadas com mãe e pai na cadeia?

Quantas terão o mesmo destino?”

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RESUMO

O presente trabalho de pesquisa monográfica, através de uma análise exploratória em dados bibliográficos físicos e de rede de computadores, incluindo estudos jurisprudenciais em casos concretos julgados e material cinematográfico sobre o tema, com base no método hipotético-dedutivo, explora o uso desmedido do instituto da prisão preventiva diante da acusação das mulheres à prática do crime de tráfico de drogas. Em matéria de prisão preventiva na persecução penal brasileira, aborda os requisitos, fundamentos e hipóteses para sua decretação de modo pormenorizado. Em seguida, discute acerca do crime de maior incidência carcerária, principalmente no âmbito da prisão preventiva, qual seja o delito do tráfico de drogas, perpassando pelo histórico da Lei de Drogas, até a consolidação da Lei nº 11.343/06, em vigor nos dias atuais, assim como quanto a deficiência do Estado brasileiro em diferenciar usuários e traficantes, o que compatibiliza com discriminações no tocante ao tratamento pelo processo penal a diferentes classes sociais. Por fim, mediante lições doutrinárias e jurisprudenciais, discorre quanto às soluções para o combate ao encarceramento em massa feminino ocasionado pela decretação excessiva de prisões preventivas na acusação da prática do crime de tráfico de drogas, discorrendo quanto a necessidade de erradicação da prisão preventiva, da legalização das drogas e das políticas públicas em prol das mulheres encarceradas.

Palavras-chave: Direito Penal. HC nº 143.641. Mulheres Aprisionadas. Prisão Preventiva. Tráfico de Drogas.

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ABSTRACT

The present work of monographic research, through an exploratory analysis in physical bibliographic data and computer network, including jurisprudential studies in concrete cases judged and cinematographic material on the subject, based on the hypothetical-deductive method, explores the unlimited use of the institute of pre-trial detention on the charge of women with drug trafficking. Regarding preventive custody in the Brazilian criminal prosecution, it addresses the requirements, elements and hypotheses for a detailed manner decree. It then discusses about the crime of higher prison incidence, especially in the context of pre-trial detention, which is the crime of drug trafficking, going through the history of the Drug Law, until the consolidation of Law n. 11.343 /2006, in force on these days as well as the Brazilian State's deficiency in differentiating users and traffickers, which makes it compatible with discriminations regarding the treatment of different social classes through criminal proceedings. Lastly, through doctrinal and jurisprudential lessons, it discusses solutions for combat female incarceration caused by the excessive enactment of preventive detention for the prosecution of the crime of drug trafficking, as well as the need to eradicate pre-trial detention, legalization of drugs and public policies for the benefit of incarcerated women.

Keywords: Criminal Law. Drugs trafficking. HC n. 143.641. Incarcerated Women. Preventive Custody.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ... 9

1 MEDIDAS CAUTELARES NO PROCESSO PENAL ... 12

1.1 Prisão preventiva: a alternativa que aprisiona ... 27

1.1.1 Os princípios na prisão preventiva ... 32

1.1.1.1 Princípio: Necessidade, adequação e proporcionalidade... 33

1.1.2 Requisitos e fundamentos para a decretação da prisão preventiva ... 38

1.1.3 Hipóteses de decretação da prisão preventiva ... 45

1.1.4 A diferença entre a prisão definitiva e a prisão preventiva ... 52

2 A SELETIVIDADE DA SELETIVIDADE: A MULHER PRESA PREVENTIVAMENTE NO CRIME DE TRÁFICO DE DROGAS ... 55

2.1 Lei nº 11.343/06: “A Lei de Drogas” ... 59

2.1.1 Traficante x Usuário: A (ausência de) diferenciação entre consumo e tráfico ... 65

2.2 O encarceramento preventivo feminino em massa pelo tráfico de drogas: o que leva estas mulheres para detrás das grades? ... 78

2.2.1 HC 143.641: Da prisão preventiva para a domiciliar ... 86

2.2.2 Um olhar de humanidade pelo (des)encarceramento: As políticas e medidas alternativas ... 91

CONCLUSÃO ... 100

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INTRODUÇÃO

A presente monografia operou como objeto de seu estudo o encarceramento em massa feminino no sistema carcerário brasileiro agravado pelo reiterado uso da medida cautelar privativa de liberdade da prisão preventiva, empregada, na maioria dos casos, na acusação da prática do crime de tráfico de drogas, justificando-se a pesquisa diante do cenário crítico das prisões brasileiras em tempos contemporâneos e da disseminação da desigualdade no tratamento dispendido às mulheres, restando demonstrada a necessidade de adoção de medidas alternativas diante destes casos.

Diante de tais fatos, sob as égides dos direitos humanos, consagrados na Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, o ordenamento jurídico brasileiro garante o direito à liberdade de ir e vir como direito fundamental dos indivíduos. Todavia, em mesma redação, autoriza o instituto processual da prisão cautelar, decretando a restrição à liberdade de indiciado ou acusado antes que haja o trânsito em julgado da sentença penal condenatória, consentido que, diante de um sistema carcerário fadado à ruína, prisões em massa se perpetuem por tempos infindáveis, principalmente em se tratando do crime constante no artigo 33 da Lei 11.343 de 2006, qual seja, o crime de tráfico de drogas.

Neste panorama de tragédia grega, diante de um sistema carcerário em “Estado Inconstitucional das Coisas”, problematizam-se as diversas prisões preventivas mantidas, utilizadas de forma desmedida, especialmente na acusação pelo envolvimento em crime de tráfico de drogas praticado pelas mulheres, sendo o incidente penal que mais as leva para o universo de trás das grades. Destarte, a figura feminina, subjugada há séculos pela cultura machista e o poderio patriarcal, sofre dupla punição: por ter se envolvido com o universo da traficância e por ser mulher.

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Assim sendo, discute-se o papel histórico das prisões, de sua consagração no período medieval até sua permanência em dias atuais, e a necessidade de manutenção de um sistema condenado e inefetivo, observando a impossibilidade de ressocialização dos indivíduos encarcerados, posto que os estabelecimentos prisionais não fornecem o mínimo para a existência humana de forma adequada, bem como não atendem as especificidades do gênero feminino, enquanto que medidas cautelares alternativas à prisão poderiam ser empregadas na maioria dos casos concretos.

Na construção do trabalho, objetiva-se identificar as hipóteses de cabimento da prisão preventiva, assim como seus fundamentos e requisitos, nos termos do Código de Processo Penal; abordar a aplicação em massa da prisão preventiva nos crimes que envolvem a acusação ao tráfico de drogas; analisar a situação da mulher presa preventivamente suspeita de envolvimento com o tráfico de drogas e, por fim, discutir as medidas alternativas desencarceradoras aplicáveis à estas mulheres suspeitas de envolvimento com tráfico de drogas, prezando pela proteção do devido processo legal e da presunção da inocência das acusadas em situação preventiva.

Destarte, a análise da prisão preventiva das mulheres nos casos de tráfico de drogas far-se-á em dois capítulos. Primeiro, é desenvolvido um estudo doutrinário quanto ao surgimento do instituto da prisão na persecução penal, assim como da prisão preventiva, regulada a partir do ano de 2011, constante no Código de Processo Penal brasileiro, que é tida como a ultima ratio das medidas cautelares, só devendo ser admitido seu deferimento diante do respeito aos princípios da necessidade, adequação e proporcionalidade e de específicos requisitos e fundamentos.

Em um segundo capítulo, ocupa-se a pesquisa em pormenorizar o histórico da Lei nº 11.343 de 2006, atual “Lei de Drogas”, no sentido de observar seu desenvolvimento até a redação atual, destacando a deficiência da lei em fixar critérios objetivos e claros para a diferenciação entre usuários e traficantes, assim como a errônea utilização do direito penal para o combate direto da problemática das drogas, eis que questão de saúde pública.

Ademais, analisam-se os dados do encarceramento em massa feminino, alavancado exponencialmente após a aprovação da “Lei de Drogas”, no ano de 2006, e as discriminações

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de gêneros sofridas pelas mulheres, demasiadamente agravadas no sistema prisional, perpassando pelo avanço jurisprudencial proposto no Habeas Corpus nº 143.641, impetrado de forma coletiva, em favor de todas as mulheres gestantes, puérperas, mães ou responsáveis com crianças de até 12 (doze) anos de idade ou pessoa com deficiência, que em sua decisão decretou a substituição destas prisões preventivas por prisões domiciliares.

Por fim, se discorre acerca das alternativas desencarceradoras para as mulheres presas preventivamente pela acusação do tráfico de drogas, proporcionando um olhar de humanidade sobre o cárcere, fomentando a discussão quanto a necessidade do debate referente à descriminalização das drogas, da extinção da prisão preventiva no direito processual penal e a promoção de políticas públicas em prol das mulheres aprisionadas.

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1 MEDIDAS CAUTELARES NO PROCESSO PENAL

O direito brasileiro está constituído sobre as égides dos direitos humanos, sendo que a Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, especialmente em seu artigo 5º, os consagrou como garantias fundamentais dos cidadãos. Em assim sendo, diante do notório fato de que todos estão sob a igualdade formal da lei, sendo vedado o subjulgamento a qualquer espécie de distinção, deve-se garantir o direito à liberdade de locomoção, sem distinções, observado que este direito é o âmago de discussão quando se tratada da aplicação de pena privativa de liberdade ou, como se verá a seguir, das prisões processuais, como a prisão preventiva.

Destarte, se de um lado há a garantia de proteção a um polo que teve seu direito à vida, à liberdade, à honra, à imagem ou outros direitos violados, em contrapartida, há um direito à liberdade de outrem que poderá ser restringido. Para definir os limites desta restrição, de modo que não se torne uma tirania contra o cidadão, o artigo 5º da Constituição Federal de 1988 traz em seu inciso LIV que nenhum indivíduo poderá ter sua liberdade tolhida ou a restrição de seus bens sem o devido processo legal.

Todavia, alguns passos a diante, é possível identificar que o inciso LXI do artigo mencionado institui a possibilidade da prisão em flagrante delito ou a partir de ordem escrita e fundamentada de autoridade judiciária competente, com ressalva das situações desencadeadas por transgressão militar ou crime militar, definidos em lei. Logo, a partir desta premissa tem-se a autorização para, em algum momento anterior ao trânsito em julgado de uma tem-sentença penal condenatória, operar-se a restrição da liberdade de ir e vir de um indivíduo.

Todavia, embora a Constituição Federal autorize o que se chama de prisão processual, que será discorrida com maior aprofundamento a posteriori, esta também afirma que é inadmissível que o indivíduo, tendo sua liberdade restringida antes do trânsito em julgado da sentença, absolutória ou condenatória, seja considerado culpado, vez que sua inocência deve ser presumida até que se decrete o contrário.

Nesta matriz, os direitos fundamentais se entrelaçam com as disposições penais e processuais penais em busca de uma persecução penal que seja justa para ambas as partes envolvidas, mas que, principalmente, garanta ao acusado que este seja submetido a um

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julgamento não arbitrário, justo e que lhe assegure a presunção de sua inocência até o trânsito em julgado da sentença.

Isto posto, entrando na seara da discussão da teoria garantista no âmbito penalista, esta tese traz que, entre as diversas contendas entre garantistas e antigarantistas, o objetivo primordial do ordenamento jurídico brasileiro deverá ser o de assegurar a efetiva proteção dos direitos fundamentais de todos os indivíduos, inclusive daqueles indiciados, investigados, acusados e condenados. Destarte, conforme o doutrinador Luciano Feldens (2012), a teoria garantista, que só consegue se desenvolver plenamente em um Estado Constitucional de Direito, tem o intuito puro e sério de tornar os direitos fundamentais, teóricos, uma realidade prática, exigindo a implementação dos deveres de zelo do Estado para com a população.

Precipuamente, é importante referir que, de maneira histórica, a sociedade, em se reconhecendo como um aglomerado de pessoas com diferentes ideologias e pensamentos, estabeleceu suas próprias formas de resolução de litígios. Conforme os estudos de Cezar Roberto Bitencourt (2018), a maneira consagrada em tempos primitivos de solução de litígio foi a autotutela, onde os indivíduos exerciam a justiça pelas próprias mãos, uns contra os outros, por meio de punições que visavam atingir a integridade física do agente ofensor, dado que, somente com o surgimento da figura do Estado se consolidou a heterocomposição.

A heterocomposição caracterizou-se como o momento em que o Estado avocou para si a jurisdição e o direito de punir, onde, em havendo violação a um direito, os indivíduos poderiam se socorrer aos aparatos estatais para a concretização da justiça, de maneira a garantir a paz e o bem-estar da sociedade e o equilíbrio entre os cidadãos. Desta forma, segundo Bitencourt (2018), a população, ao ter sua liberdade, de certa forma, restringida pelo poderio estatal, também depositou neste a confiança para a regência des suas relações sociais e, consequentemente, de sua proteção diante da ocorrência de atitudes que causassem riscos à sociedade.

Isto posto, vez que o Estado passou a ser o detentor do jus puniendi – direito de punir – fez-se necessário que o ordenamento legal se adequasse a esta prerrogativa, impondo, nos limites da lei, as sanções correspondentes as ações ou omissões maléficas a sociedade, em um nível em que as outras atuações do direito, por si só, não seriam suficientes para combater tais problemáticas. Consoante Bitencourt (2018), como ultima ratio, surgiram o direito penal e o

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processo penal como meios legitimados para punir o agente causador de fato típico, punível e culpável (BITENCOURT, 2018).

Da selvageria da autotutela, da punição pelo castigo físico, da pena morte e da vingança, houve uma transição histórica para a expansão da influência da Igreja Católica na Idade das Trevas, como restou conhecido o período da Idade Média. Neste período, uma forma de punição passou a ganhar grande relevância no meio punitivo, sendo esta a figura das masmorras, que, em regra, antecediam uma sanção mais severa, normalmente a condenação à morte, ou se estendiam de modo perpétuo na vida do condenado (BITENCOURT, 2018).

Como herança católica, as punições provenientes da Idade das Trevas ficaram conhecidas como penitência; as prisões, como penitenciárias - sendo que em dias atuais não é incomum referir-se ao sistema carcerário como sistema penitenciário. Para Cezar Roberto Bitencourt (2018), o Direito Canônico da Igreja foi crucial para a forma atual de pena privativa de liberdade, visto que foi o primeiro ordenamento que verdadeiramente legitimou a prisão como modo de punição.

Diante disso, a racionalidade que surge no Século das Luzes, período iluminista posterior a Idade Média, não extingue a figura da prisão, mas faz decair a utilização de outras formas de pena, como a pena de morte e a tortura, eis que, conforme Luiz Luisi (2003), os penalistas iluministas passaram a criticar, veementemente, as punições bárbaras do período anterior, instituindo inovadores princípios penalistas.

Ad interim, Cesare Beccaria foi figura central para a revolução do direito penal: notório jurista italiano do período iluminista, acabou por revolucionar o cenário penalista, especialmente no ano de 1764, ao lançar sua célebre obra “Dos delitos e das penas”, fazendo duras críticas a estrutura penalista da época, sua utilização e seus meios de efetivação, principalmente quanto as penas utilizadas (LUISI, 2003).

Para Beccaria (2015), as penas aplicadas eram absurdamente desproporcionais se comparadas aos delitos tipificados, assim como a própria figura da prisão seria desmedidamente injusta diante da ausência de tratamento humanitário. Deste modo, defendia que a prisão deveria ser aplicada em última hipótese, com extrema cautela, quando não houvesse nenhuma outra medida que pudesse ser aplicada pelo magistrado:

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Os nossos costumes e as nossas leis retardatárias estão bem longe das luzes dos povos. Ainda estamos dominados [inclusive em tempos contemporâneos] pelos preconceitos bárbaros que no legaram os nossos povos, os bárbaros caçadores do Norte. (BECCARIA, 2015, p. 32).

Para os juristas iluministas, como Beccaria (2015), a prisão ainda está eivada da mentalidade “olho por olho, dente por dente” herdada da Lei de Talião, ou seja, da vingança. O que se enaltece é a punição primitiva, enraizada no desejo de ver o ofensor sofrer não apenas a punição, mas tantas outras barbáries quanto forem possíveis no sistema prisional. Para Luisi (2003), infelizmente, ainda em dias atuais se busca combater as barbáries criticadas no Século das Luzes, observado que, da era cristã até o momento atual já se decorreram mais de oitocentos anos e o pensamento de Beccaria, do Século XVIII, ainda é incrivelmente contemporâneo.

Para Ferrajoli (2002), reconhecido por ser o pai da teoria garantista penal no Brasil, para o combate destas barbáries é crucial que os princípios da legalidade, lesividade dos delitos, materialidade, contraditório e ampla defesa, presunção da inocência e responsabilidade pessoal sejam garantidos no processo penal, de forma que este seja regido pela racionalidade e justiça do juízo, limitando-se o poder punitivo estatal para que o acusado não seja submetido às arbitrariedades. Em concordância, nas palavras de Feldens (2012, p. 54), “a configuração de um direito de liberdade mediante a imposição de limites ao seu exercício é condição necessária à sua integração em um ambiente de coexistência de liberdades”.

Desta forma, conforme Ester Hauser (2006), a própria história da humanidade vem a se emaranhar à história do instituto penal, refletindo a evolução humana e o pensamento da época, afetado pela cultura, pelo meio social, econômico e político. Isto posto, ao se utilizar da repressão penal, embora o exercício da sanção caiba ao monopólio estatal, o indivíduo reflete a sua forma de relação para com o outrem.

Isto posto, objetivando garantir o devido processo legal, bem como para evitar possível risco concreto ao trâmite investigativo ou processual, o modelo atual de processo penal brasileiro, regido pelo Decreto-Lei nº 3.689, de 3 de outubro de 1941, dito Código de Processo Penal, dispõe de diversos instrumentos a seu serviço para a tutela da prova e dos

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elementos informativos ou garantia da presença da parte passiva na persecução criminal, denominando estes instrumentos de medidas cautelares.

Assim sendo, as tutelas cautelares poderão ocorrer durante o curso da investigação ou da ação penal, restringindo a liberdade do indivíduo em algum grau, tendo duas principais subdivisões: medidas cautelares alternativas à prisão e medidas cautelares privativas de liberdade, como a prisão preventiva do agente.

Até o ano de 2011, vigorava no processo penal a bipolaridade das medidas cautelares, que contava, de um lado, com a prisão processual, intitulada prisão administrativa, e de outro, com a liberdade provisória, conforme ditava a redação original do artigo 319 e seguintes do Código de Processo Penal de 1941. Neste sentido, estava restrito o magistrado a manter o acusado ou investigado sob prisão processual ou concedê-lo a liberdade provisória, com ou sem fiança (BRASIL, 2018a).

Consoante Aury Lopes Jr. (2012), o sistema da bipolaridade cautelar foi abandonado para dar lugar ao sistema da multicautela, que, além da prisão ou da liberdade provisória, dá a possibilidade de o agente responder em liberdade, porém com algum ou alguns encargos, sendo estes espécies de restrições à liberdade, como a decretação de medidas cautelares diversas da prisão, conforme pregoado no artigo 310 do Código de Processo Penal, o que trouxe riqueza as hipóteses de medidas cautelares que, até então, eram defasadas no processo penal.

Inicialmente, tem-se que na liberdade provisória o agente irá responder a persecução penal sem restrições de sua liberdade. Embora o delito possa prever a pena de prisão, o sujeito não se encaixa nos requisitos de uma prisão provisória ou de alguma medida cautelar alternativa e, portanto, não pode o acusado ou investigado ser condicionado a estas.

A Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 alude em seu artigo 5º, inciso LXVI, que “ninguém será levado à prisão ou nela mantido, quando a lei admitir a liberdade provisória, com ou sem fiança”, estando em consonância o artigo 321 do Código de Processo Penal ao referir que a decretação da liberdade provisória, diante da ausência dos requisitos para decretação da prisão preventiva, será uma obrigação do magistrado.

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Neste diapasão, Renato Brasileiro de Lima (2014) define que, na liberdade provisória, o investigado ou acusado, sem nenhum tipo de restrição, irá responder as acusações em liberdade pessoal absoluta, desde que não tenha sido condicionado a cumprimento de alguma outra condição, como a cumulação com alguma medida cautelar alternativa à prisão ou fiança. Ainda, é mister destacar que nada irá impedir que o magistrado, verificando a presença das condições, requisitos e fundamentos que o autorizem, venha a revogar a liberdade provisória.

Em concordância está Fernando Capez (2012) ao discorrer que esta liberdade poderá ou não ser condicionada a alguma exigência, contudo, não deverá ser condicionada a nenhuma medida cautelar privativa de liberdade, devendo ser absoluta e não podendo ser negada ao acusado de crimes que não preveem pena privativa de liberdade ou para autor de infração de menor potencial ofensivo. Ademais, deverá ser imediatamente concedida quando não couber prisão preventiva, sendo inconstitucional que o juiz não conceda a liberdade provisória diante da ausência de fundamentos para esta prisão.

Ainda, o Capítulo VI do Código de Processo Penal é nomeado de “Da liberdade provisória, com ou sem fiança” e, consoante o artigo 3221 e seguintes de lei supracitada, define que poderá o acusado ser posto em liberdade provisória com a condição de prestação de uma fiança. Deste modo, esta fiança será um valor arbitrado, pela autoridade policial ou pelo juiz, para que o acusado pague e possa responder o trâmite processual em liberdade, desde a prisão em flagrante até o trânsito em julgado da sentença.

O valor da fiança que será fixado pela autoridade, a depender do tipo de infração, pode ser minorado – e até extinto - ou majorado, a depender da condição financeira do agente, bem como de sua vida pregressa, condições de periculosidade e importância de prováveis custas do processo até seu julgamento, conforme artigo 325 e 326 do Código de Processo Penal2 (BRASIL, 2018a).

1 Art. 322. A autoridade policial somente poderá conceder fiança nos casos de infração cuja pena privativa de liberdade máxima não seja superior a 4 (quatro) anos (BRASIL, 2018a).

2 Art. 325. O valor da fiança será fixado pela autoridade que a conceder nos seguintes limites: I - de 1 (um) a 100 (cem) salários mínimos, quando se tratar de infração cuja pena privativa de liberdade, no grau máximo, não for superior a 4 (quatro) anos; II - de 10 (dez) a 200 (duzentos) salários mínimos, quando o máximo da pena privativa de liberdade cominada for superior a 4 (quatro) anos. § 1o Se assim recomendar a situação econômica do preso, a fiança poderá ser: I - dispensada, na forma do art. 350 deste Código; II - reduzida até o máximo de 2/3 (dois terços); ou III - aumentada em até 1.000 (mil) vezes.

Art. 326. Para determinar o valor da fiança, a autoridade terá em consideração a natureza da infração, as condições pessoais de fortuna e vida pregressa do acusado, as circunstâncias indicativas de sua periculosidade, bem como a importância provável das custas do processo, até final julgamento.

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Para o pagamento da fiança, que será definitiva, o acusado deverá pagar com dinheiro, pedras, metais ou objeto preciosos, conforme o artigo 330 da lei anteriormente referida, podendo pagar com títulos de dívida pública ou hipoteca inscrita em primeiro lugar. O artigo 336 ainda traz uma importante redação ao referir que, diante de condenação, o pagamento da fiança será utilizado para quitar as custas processuais, indenização dos danos, multa e prestação em pecúnia.

Para saber quem poderá conceder a fiança, o artigo 322 define como parâmetro que, no caso de houver sido imputada infração com pena privativa de liberdade máxima não superior a quatro anos, a própria autoridade policial poderá conceder. Do contrário, somente o juiz concederá, após requerimento, devendo proferir sua decisão em até quarenta e oito horas.

Ademais, o acusado que se encontra em liberdade provisória concedida através de fiança está vinculado a certa condições para que esta última não seja rescindida e, por consequência, que a sua liberdade não venha a ser revogada, como a obrigatoriedade em comparecer aos atos do processos, ao ser intimado, exceto se por motivo justo, a obrigação de não praticar ato que obstrua o andamento processual, o não descumprimento de medida cautelar concedida cumulativamente a liberdade com fiança, a não prática de nova infração penal dolosa e a não resistência, injustificada, a ordem judicial, nos termos do artigo 341 do CPP.

Deste modo, se o acusado vier a quebrar a fiança, sem motivo justo, o juiz poderá impor-lhe novas medidas cautelares ou, se necessário e adequado, decretar a prisão preventiva, conforme o artigo 343. Logo, pode-se falar que o agente irá responder em liberdade provisória sem condições durante o trâmite do processo até o trânsito em julgado da sentença, com ou sem fiança, podendo este instituto ser revogado a qualquer momento pelo magistrado, se verificado os fundamentos e requisitos para esta revogação.

É de grande valia destacar que algumas espécies de infrações não admitem fiança e são tidas pela redação do artigo 323 do CPP como inafiançáveis, estando neste rol a prática do racismo, a tortura, tráfico ilícito de entorpecentes, drogas e afins, o terrorismo, os crimes hediondos, e a ação de grupos armados, sejam civis ou militares, contra a ordem constitucional e do Estado Democrático. Nota-se que esta previsão não é somente do direito

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processual penal, mas constitucional, conforme os incisos XLII, XLIII e XLIV do artigo 5º da Constituição Federal de 1988.

Destarte, conforme dito, as medidas cautelares alternativas à prisão não figuravam na redação original da lei. Todavia, a Lei nº 12.403 de 2011, que alterou a redação do artigo 319 do Código de Processo Penal, elencou nove hipóteses de cautelares alternativas à prisão, impondo certas condições ao acusado, tais como o comparecimento periódico em juízo, a proibição de acesso ou frequência a certos locais, a proibição de contato com pessoa determinada, a proibição de ausentar-se da Comarca, o recolhimento domiciliar em período noturno ou de folga, a suspensão de exercício de função pública ou atividade econômica ou financeira, a internação provisória, a fiança, e, por fim, a monitoração eletrônica.

Estas medidas cautelares não privativas de liberdade deverão preencher os requisitos do artigo 282 do Código de Processo Penal, que dispõe dos requisitos da necessidade da aplicação da lei para seguridade da investigação ou instrução processual ou para evitar a prática das novas infrações penais e a adequação da norma ao caso concreto, levando-se em conta a gravidade do crime, circunstâncias do fato e condições pessoais do acusado ou indiciado.

No dizer de Avena (2018), como se tratam de medidas cautelares, deverá o magistrado verificar o periculum in mora e o fumus boni iuris, sendo que estes são, na seara penal, respectivamente, o risco que a liberdade absoluta do acusado ou investigado poderá significar ao trâmite processual, à aplicação da pena e à sociedade, e a verificação de indícios consistentes de materialidade do crime e da autoria.

Estas medidas cautelares não privativas de liberdade poderão, no curso da ação penal, serem decretadas pelo juiz, de ofício, ou a requerimento das partes e na investigação criminal, poderão serem requisitadas pela autoridade policial ou Ministério Público, nos termos do artigo 282, §2º do Código de Processo Penal. Ademais, o artigo seguinte, em seu parágrafo primeiro, define que as medidas cautelares apenas serão possíveis de serem aplicadas se o crime a que estiver respondendo o indivíduo preveja pena privativa de liberdade, ou seja, tenha um maior grau de lesividade.

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Em espécie, indica-se, primeiro, a medida cautelar de comparecimento em juízo, no prazo e nas condições a serem fixadas pelo juiz, para informar e justificar atividades, com fulcro no inciso I do artigo 319 do CPP. De acordo com Avena (2018), esta medida cautelar define que o indivíduo terá a obrigação de provar ao juízo que está a sua disposição para atos do processo criminal, em sua liberdade provisória, e também a obrigação de prestar informações acercas de suas atividades desenvolvidas.

Esta cautelar não tem fixada, na norma legal, a sua periodicidade, que ficará a cargo do juiz determinar antes da aplicação da medida descrita. Outrossim, embora não tenha trazido de forma expressa em sua redação, o comparecimento referido deverá se dar de forma pessoal pelo acusado ou investigado.

Em sequência, o inciso II traz a possibilidade de o indivíduo responder em liberdade provisória condicionado a proibição de acesso ou frequência a determinados lugares quando, por circunstâncias relacionadas ao fato, deverá o indiciado ou acusado permanecer distante desses locais para evitar o risco de novas infrações, sendo que a frequência remete que o acusado ou investigado não poderá ir mais de uma vez, enquanto o acesso, com maior rigor, já significa uma única ida até o local, estando sempre ligado as circunstâncias do fato.

Nesta toada, conforme discorre Avena (2018), têm-se como exemplo o sujeito que impetrou lesões corporais graves a outrem, estando embriagado, e, portanto, vem a ser proibido pelo magistrado de frequentar bares onde haja a venda de produtos com teor alcoólico. Entretanto, consoante o doutrinador, a fiscalização nestes casos é difícil de ocorrer, se não impossível, principalmente em se falar em capitais e grandes cidades, restando a medida cautelar inexitosa, parecendo medida positiva apenas em se falar de pequenas localidades.

Por conseguinte, o inciso III do artigo 319 do CPP traz que o indivíduo poderá ter decretada a proibição de manter contato com pessoa determinada quando, por circunstâncias relacionadas ao fato, deva o indiciado ou acusado dela permanecer distante. Nesta situação, a hipótese mais comum encontra-se na situação de lesão corporal e da intimidação de vítimas e testemunhas, a exemplo, sendo uma herança da Lei 11.340 de 2006, Lei Maria da Penha, que trouxe a possibilidade de decretação de cautelar em vistas de proteger a mulher de violência doméstica e familiar impetrada pelo agressor.

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Alude Lima (2014) que a aplicação desta medida cautelar visa não apenas proteger a integridade física do indivíduo com o qual o acusado ou investigado terá decretada a proibição de manter contato, contudo, a proteção das provas a serem juntadas e da intimidação que poderá afetar o trâmite processual, a exemplo, na influência do testemunho de quem presenciou os fatos. Nesta senda, é possível que esta medida não seja decretada somente em favor do ofendido, mas também de terceiro, a depender da necessidade do caso. Avena (2018) discorre que, deste modo, parece razoável a aplicação de medida que prive não somente o contato pessoal, mas através de qualquer meio de comunicação, como via online, ligações, e-mails, e outras formas possíveis.

Em seguida, proibição de ausentar-se da comarca quando a permanência seja conveniente ou necessária para a investigação ou instrução está prevista no inciso IV e define que o indivíduo que tiver esta medida decretada não poderá sair da Comarca sem autorização prévia do juízo, desde mudanças de endereço à viagens.

Neste sentido um questionamento se faz possível: poderá o acusado ou investigado alterar sua residência para outro município, sem comunicar, desde que permaneça na mesma Comarca? Para solução desta indagação, Avena (2018) afirma que, em vista do fato de que a norma busca a garantia da presença do indivíduo perante a autoridade policial e ao juízo, deverá este comunicar alteração de residência, mesmo se dentro da mesma Comarca, porém bastando a mera comunicação.

O inciso posterior, V, abarca a possibilidade da medida cautelar de recolhimento domiciliar no período noturno e nos dias de folga quando o investigado ou acusado tenha residência e trabalho fixos. Isto posto, traz como requisitos a existência de residência fixa e trabalho fixo do acusado ou investigado, de forma devidamente comprovada, devendo o seu labor ser exercido em período diurno.

Não poderá haver a sua extensão se, por ventura, o acusado ou investigado laborar em período noturno, sendo restringido ao recolhimento domiciliar em período diurno, vez que a aplicação penal não poderá privá-lo de sua liberdade não havendo previsão normativa, devendo o magistrado optar por outra medida cautelar, se necessária e adequada (AVENA, 2018).

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A suspensão do exercício da função pública ou de atividade de natureza econômica ou financeira, quando houver justo receio de sua utilização para a prática de infrações penais, está prevista no inciso VI do artigo 319 do CPP, sendo aplicável quando o agente, funcionário público ou indivíduo que exerça alguma atividade de natureza econômica ou financeira, vem a se prevalecer de suas prerrogativas ou vantagens de sua função para a prática do delito.

Logo, não bastará a prática do crime em comento, mas a prevalência do indivíduo da condição que lhe aufere vantagem, conforme disposto no inciso descrito. Assim, se decreta para que o agente não continue se prevalecendo de sua condição e venha a continuar praticando as infrações.

Por fim, destaca que se trata de suspensão, e não perda de direito a praticar a referida função ou atividade de natureza econômica ou financeira, não podendo ser privado de receber seus respetivos vencimentos, visto que se refere à medida cautelar, não definitiva, havendo somente a presunção de que o indivíduo poderia continuar a se prevalecer destas vantagens para delinquir, porém sem a certeza e, ainda, partindo da premissa de que, até o trânsito em julgado de sentença que diga o contrário, o agente é inocente.

O inciso VII trata da medida cautelar de internação provisória do acusado nas hipóteses de crimes praticados com violência ou grave ameaça, quando os peritos concluírem ser inimputável ou semi-imputável e houver risco de reiteração criminosa. Desta maneira, o inimputável e o semi-imputável poderão sofrer medida cautelar de internação, previsão diversa da internação após trânsito em julgado da sentença constante na Lei de Execuções Penais.

Neste diapasão, a Lei de Execução Penal, revogou, de forma expressa, os artigos 378 a 380 do Código de Processo Penal, que referia como medida de segurança provisória a internação do inimputável e semi-imputável – em condição ao tempo do fato e não em incapacidade superveniente - antes do trânsito em julgado da sentença condenatória, trazendo como condição para aplicação desta medida o trânsito em julgado. Logo, houve uma lacuna na norma processual quanto a estes indivíduos, diante dos requisitos para a impetração de medida cautelar e a falta desta (BRASIL, 1984).

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À vista disso, a Lei 12.403 de 2011 veio a suprimir esta lacuna para que as pessoas que não se encontrem em plenas faculdades mentais e que não podem ser recolhidas ao presídio não fossem constrangidas ilegalmente à medidas incabíveis e não previstas, diante da ausência normativa. Portanto, resta autorizada a internação de inimputáveis e semi-imputáveis, desde que presentes os demais requisitos, como a violência ou grave ameaça e o risco de reiteração criminosa. Lima (2014) considera que o legislador previu uma aplicação limitada do dispositivo, vez que, deverá o caso apresentar a ocorrência de violência ou grave ameaça e quando houver risco de reiteração, ou seja, diante de crimes e situações concretas graves.

Outra pontuação da doutrina é que o inciso traz, especificamente, que a medida cautelar referida caberá, tão somente, ao acusado, e não ao inimputável ou semi-imputável que seja investigado, deixando lacuna normativa novamente. Nesta situação, se o juiz verificar as condições para decretação da prisão preventiva, deverá proceder com esta, porém, em virtude do estado de sanidade mental do investigado, a medida acabará por se converter em internação, culminando em um mesmo resultado (AVENA, 2018).

Logo, impossibilitado de aplicar qualquer outra medida cautelar alternativa ao inimputável ou semi-imputável, se sobrevier ao magistrado a presença de requisitos e fundamentos para prisão preventiva, deverá decretá-la, culminando, consequentemente, em sua conversão para medida de internação, o que demonstra a falta de zelo legislativo na construção da norma em pauta.

Em seguida, o inciso VIII do artigo 319 do CPP traz a possibilidade de decretação da medida cautelar de fiança, nas infrações que a admitirem, para assegurar o comparecimento a atos do processo, evitar a obstrução do seu andamento ou em caso de resistência injustificada à ordem judicial. Nesta hipótese, se não houver a vedação expressa na norma legal de que o crime é inafiançável, caberá a fiança, posto que, conforme destaca Avena (2018), não há parâmetro de quantidade de pena para obstar a imposição de fiança, como havia no Código de Processo Penal em período anterior a 2011, que determinava só seria cabível aos crimes com pena mínima superior a dois anos de reclusão.

A fiança, consoante determinado pelo inciso, será decretada para que se assegure o comparecimento do acusado ou do investigado aos atos do processo, para que não pratique ato

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ou que não resista injustificadamente a ordem judicial, ou seja, quando necessária para a ação penal, diferindo da fiança constante na liberdade provisória, que será utilizada na fase de investigação criminal, sendo uma condição para a liberdade (BRASIL, 2018a).

Por fim, o inciso IX, e último do rol de medidas cautelares não privativas de liberdade, traz a possibilidade de decretação da monitoração eletrônica. Este é o instituto cautelar processual mais recente na esfera criminal. Com esta diligência, o legislador buscou controlar os movimentos do indivíduo na persecução penal, trazendo da Lei de Execução Penal, que já previa a concessão de monitoração eletrônica para presos condenados, para o Código de Processo Penal, como medida cautelar.

Este controle judicial sobre o acusado ou investigado será mediante dispositivos de pulseiras ou tornozeleiras que deverão encaminhar à um sistema a localização exata do indivíduo, permitindo que haja um controle judicial sobre o agente para além do cárcere. Segundo Lima (2014), esta medida cautelar alternativa a prisão detém extrema importância e relevância, se aplicada de maneira correta, eis que evita o contato do agente com cárcere.

Ademais, embora não haja referência expressa, entende-se que é necessário o consentimento do agente acusado para a aplicação desta medida, não sendo cabível a sua imposição diante da recusa daquele a que é imputado o delito, eis que isto somente levaria ao posterior descumprimento da restrição e a deturpação de seu uso, que passaria a violar a liberdade do indivíduo, bem como a presunção de sua inocência e do devido processo legal (LIMA, 2014).

Por fim, embora não previsto no rol do artigo 319, o artigo seguinte traz outra medida cautelar, que implica na proibição de ausentar-se do país, que, ao ser decretada pelo magistrado, obrigará o acusado ou investigado, em vinte e quatro horas, a entregar o seu passaporte, sendo alternativa cautelar que deverá ser sopesada frente à prisão preventiva (BRASIL, 2018a).

Observe que não há no Código de Processo Penal um dispositivo que preveja ou determine o prazo máximo de duração das medidas cautelares referidas. Nesta toada, o artigo 282, §5º, visa trazer certa limitação, ao estabelecer que o magistrado poderá revogar a medida se verificar que não estão mais presentes os requisitos que levaram a sua decretação, bem

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como poderá operar a sua substituição. Portanto, subsistindo a situação, deverá permanecer a medida, contudo, alterando-se as circunstâncias, deverá haver a substituição ou revogação.

Quanto a estas medidas cautelares alternativas à prisão, parcela da doutrina entende que o artigo 319 apresentaria um rol exemplificativo, com amparo nos incisos do artigo 282 do Código de Processo Penal, que, ao versar quanto a necessidade e adequação da medida cautelar, refere que o juiz deve se moldar a realidade prática do caso concreto para aplicar a medida cautelar.

Consoante os estudos de Rodrigo Iennaco (2011), defensor do rol não exaustivo, o magistrado não deve ser impedido de determinar medidas diversas das expressas na norma legal, desde que sejam similares, se observada a possibilidade no caso julgado e a impossibilidade ou inadequação de aplicação das medidas cautelares previstas, trazendo como exemplos a suspensão da Carteira Nacional de Habilitação, bloqueio de bens e de remuneração na função pública. Outrossim, o §6º do artigo 282 prevê que a prisão preventiva deverá ser aplicada como ultima ratio, somente quanto não for cabível a aplicação de outra medida cautelar, o que autorizaria a imposição de medidas diversas das previstas no ordenamento legal.

Contudo, no entendimento majoritário, como traz Aury Lopes Jr (2017) não há, no processo penal, liberdade para o magistrado decidir a bel-prazer, sem se ater, estritamente, a forma prevista em lei. Deverá, neste contexto, respeitar as determinações do processo penal, vez que o rol de medidas cautelares é taxativo e, tão somente, aplicar a prisão provisória em último caso, visto que é medida cautelar mais severa.

Em consonância se encontra Norberto Avena (2018), ao narrar em sua doutrina que o artigo 319 deverá ser lido de forma taxativa, e não extensiva, visto que, mesmo em se tratando de medidas cautelares, estas impõem restrições as liberdades do indivíduo, devendo ser prezada a liberdade do agente, evitando-se constrangimentos ilegais.

Nesse interim, o entendimento do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, como se vê em decisão recente, encontra-se de acordo com este posicionamento, consoante ementa colacionada:

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HABEAS CORPUS. EXTORSÃO. ALEGAÇÃO DE AUSÊNCIA DE REQUISITOS PARA A PRISÃO PREVENTIVA AFASTADA. SUBSTITUIÇÃO DA PRISÃO POR MEDIDA CAUTELAR ALTERNATIVA. IMPOSSIBILIDADE. ANÁLISE PROBATÓRIA. INVIABILIDADE. 1. O modus operandi do paciente, que teria praticado o delito de extorsão, mediante grave ameaça, exigindo pagamento em dinheiro em troca da entrega de uma motocicleta objeto de furto, revela a sua periculosidade e ousadia a justificar o decreto da prisão preventiva como forma de garantia da ordem pública. [...] 4. A aplicação de cautelar diversa da prisão revela-se insuficiente, pois nenhuma das medidas elencadas no rol taxativo

do art. 319 do Código de Processo Penal seria hábil a garantir a ordem pública.

5. Inviável, na estreita via de conhecimento do habeas corpus, a análise da tese de negativa de autoria, valendo ressaltar que, para o decreto de prisão preventiva bastam indícios de autoria e materialidade, presentes na espécie. ORDEM DENEGADA. (RIO GRANDE DO SUL, 2018, grifo nosso).

Este também é o entendimento do Superior Tribunal de Justiça, como é possível verificar na decisão ao Recurso Ordinário em Habeas Corpus Nº 56.961 de 2015, que concedeu liberdade provisória cumulada com medidas cautelares para Elisa Sanzi, Igor Mendes da Silva e Karlayne Pinheiro, em deferimento de liminar, que haviam sido submetidos à prisão preventiva pelo suposto descumprimento de medida cautelar anterior (BRASIL, 2015a).

No entendimento do Ministro Sebastião Reis Júnior, relator, o tribunal de origem decretou aos recorrentes medida cautelar não prevista na redação do artigo 319 do Código de Processo Penal, sendo esta medida a proibição de participação em manifestações ou protestos. Ocorre que, conforme versou o relator, estariam os recorrentes restritos a exercer direito que lhes é assegurado constitucionalmente, incluindo, até mesmo, a restrição a uma manifestação por melhorias acadêmicas, a exemplo. Ademais, tal terminação não está prevista em lei processual penal, e, portanto, não é cabível face a taxatividade do artigo 319 (BRASIL, 2015a).

Outrossim, conforme destaca Aury Lopes Jr. (2012), a utilização de medidas atípicas deturpa o processo penal, tornando-o inseguro e ferindo o devido processo legal, desta forma, não se deve admitir que o juiz tenha poder geral de cautela, podendo optar entre medidas que, ao seu bom ver e própria valoração, pareçam “adequadas”, sem se ater, fielmente, a lei. Nesta toada, estará o magistrado estritamente vinculado ao ordenamento jurídico e ao processo, valendo-se, tão somente, do princípio da legalidade, posto que discutem-se, na seara criminal, direitos fundamentais daquele que é acusado, não se devendo admitir restrições a estes por analogia.

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Portanto, conforme estudo dos casos e da doutrina majoritária, é possível constatar que tanto a doutrina quanto a jurisprudência têm acolhido a tese do rol taxativo quanto as medidas cautelares, dando maior seguridade ao processo penal e prezando pelo não abuso na restrição da liberdade do acusado, sempre estimando pela necessidade e adequação a situação concreta na aplicação destes institutos.

Vistos os fatos mencionados, conclusivo é que deverá o magistrado estimar, em primeiro lugar, pela liberdade provisória do acusado, sem nenhuma espécie de condição. Não sendo possível, será observada a concessão ou não de fiança e o condicionamento ao cumprimento de medida cautelar não privativa de liberdade. Apenas, em última hipótese, deverá ser decretada a prisão preventiva do indivíduo.

1.1 Prisão preventiva: a alternativa que aprisiona

Além das possibilidades de medidas cautelares não privativas de liberdades discorridas, o magistrado poderá, diante do caso concreto, verificar o melhor cabimento de aplicação de medida mais coercitiva, como a prisão provisória, prevista no Código de Processo Penal como ordem imposta em período anterior ao trânsito em julgado da sentença condenatória.

Destarte, o instituto da prisão provisória está de acordo com a Constituição da República Federativa Brasileira de 1988 quando esta dispõe no artigo 5º, inciso LIV, que ninguém será privado da liberdade sem o devido processo legal, assim como no inciso LXI do artigo supracitado que também refere que ninguém será preso senão em situação de flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada por autoridade judiciária competente, salvo nos casos de transgressão militar ou crime propriamente militar, conforme a lei.

O caput do artigo 283 do Código de Processo Penal de 1941 traz redação semelhante ao afirmar que:

Ninguém poderá ser preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada da autoridade judiciária competente, em decorrência de sentença condenatória transitada em julgado ou, no curso da investigação ou do processo, em virtude de prisão temporária ou prisão preventiva.

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Por conseguinte, em interpretação a redação de ambos os dispositivos, têm-se que o acusado ou investigado poderá, antes do trânsito em julgado da sentença condenatória, ser preso em situação de flagrante delito, prisão temporária ou prisão preventiva.

Inicialmente, a doutrina majoritária entende que na prisão em flagrante não há mais cautelaridade, eis que o artigo 310 do Código de Processo Penal determinou que neste tipo de prisão processual, após o recebimento do auto de prisão, deverá o magistrado proceder com o relaxamento se verificadas ilegalidades, conceder liberdade provisória, com ou sem fiança ou converter em prisão preventiva (AVENA, 2018).

Com efeito, Avena (2018) elucida que a prisão em flagrante, diante do fato de que não pode ser mantida, devendo ser relaxada, revogada ou convertida em prisão preventiva, não terá o intuito de garantir o trâmite processual, não podendo manter o indivíduo em custódia. Posto isto, a sua natureza será necessária até o recebimento do auto de prisão em flagrante pelo juiz, quando o magistrado estará obrigado a adotar uma das medidas constantes do artigo 310 do CPP. Nesta toada, a Lei nº 12.403/2011 definiu, ao dar nova redação ao artigo retro mencionado, que a prisão em flagrante tem natureza de prisão precautelar, servindo somente para efetivar a prisão, tendo uma duração limitada e efêmera no tempo.

Em contrapartida, há outra espécie de prisão que é a prisão temporária. Esta possui uma certa autonomia legal ao dispor de lei própria, sendo que a Lei 7.960 de 1989 a define e classifica. Nos artigos 1º e 2º da lei referida, é definida como uma prisão provisória em vistas de possibilitar a efetiva investigação do inquérito policial quanto aos crimes graves, devendo ser imprescindível a sua decretação, só podendo ser aplicada pela autoridade judiciária (BRASIL, 1989).

Ademais, define o artigo 2º da Lei de Prisão Temporária que, em regra, a prisão temporária só poderá ser decretada pelo prazo de cinco dias, prorrogáveis por igual período. A exceção ocorre nos casos de crimes hediondos que a Lei nº 8.072 de 1990 define que poderão ter uma prisão temporária de trinta dias, prorrogáveis por igual período.

Prevalece o entendimento pela doutrina majoritária, conforme trazem Capez (2012) e Avena (2018), de que a prisão temporária só poderá ser decretada nos crimes constantes no inciso III do artigo 1º da Lei 7.960/89, como no homicídio doloso, sequestro e cárcere

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privado, estupro e outros, devendo, juntamente a ocorrência, estar presente o requisito do inciso I, que traz a imprescindibilidade da prisão para a investigação pela autoridade policial ou o requisito do inciso II, que refere que caberá a prisão temporária quando o indiciado não tiver residência fixa ou não tiver fornecido elementos necessários para esclarecimentos de sua identidade.

Outrossim, o artigo 2º da lei da prisão temporária afirma que esta não poderá ser decretada de ofício, mas somente com representação da autoridade policial ou requerimento do Ministério Pública. Logo, embora deva ser decretada pela autoridade judiciária, só poderá após o impulso judicial.

Enfim, findo o prazo da prisão temporária, somente será possível a sua prorrogação diante de necessidade extrema e comprovada, do contrário, deverá o acusado ou indiciado vir a responder em liberdade. Contudo, em havendo os requisitos necessários, poderá o magistrado convertê-la em prisão preventiva.

Por último, analisa-se a medida cautelar mais gravosa: a prisão preventiva. Precipuamente, é mister frisar que este instituto sofre de diversas críticas, inclusive quanto a necessidade de sua existência, entretanto, por primeiro, tomar-se-á uma abordagem doutrinária, acerca de reconhece-lo, nos termos do Código de Processo Penal brasileiro.

Isto posto, o artigo 3113 do Código de Processo Penal versa que a prisão preventiva será cabível em qualquer fase da investigação ou da ação penal, podendo ser decretada de ofício quando no curso da ação penal, ou a requerimento do Ministério Público, do querelante, do assistente ou, ainda, por representação da autoridade policial, na fase de investigação criminal.

Consoante Avena (2018), esta espécie de prisão será uma segregação provisória do acusado para manter a seguridade da investigação/ação ou tutela da sociedade, ou seja, irá presumir o risco do agente que, se mantido em liberdade, poderá significar à sociedade e da

3 Art. 311. Em qualquer fase da investigação policial ou do processo penal, caberá a prisão preventiva decretada pelo juiz, de ofício, se no curso da ação penal, ou a requerimento do Ministério Público, do querelante ou do assistente, ou por representação da autoridade policial.

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eficácia do andamento do processo e das investigações acerca do crime que lhe é imputado, sendo medida excepcional, conforme o artigo 282, §6º do CPP determina.

Segundo o artigo 312 do Código de Processo Penal (BRASIL, 2018a), a prisão preventiva poderá ser decretada diante de necessidade de garantir a ordem pública, ordem econômica, por conveniência da instrução criminal ou para assegurar que a lei seja aplicada, diante de amplo indício de autoria e prova de que o crime efetivamente ocorreu, observado que tais indícios deverão ser consistentes e eivados de grande probabilidade, com fatores concretos, para que não se caracterize o constrangimento ilegal do acusado ou indiciado, violando a presunção de sua inocência.

Nesta toada, surge questionamento acerca da presunção da inocência, se estaria prejudicada em virtude da decretação da medida cautelar de prisão preventiva. Segundo Capez (2012), diante do fato de que a própria Constituição autoriza a prisão provisória, inclusive a prisão preventiva, no artigo 5º, LXI, como já discorrido, não há o que se falar em violação a presunção da inocência. Portanto, presentes os requisitos e fundamentos para imposição da prisão preventiva, esta não afetará a presunção da inocência do acusado ou indiciado.

Não obstante, como destaca em seu próprio nome, a prisão preventiva é espécie de prisão provisória, portanto, deverá respeitar a sua provisoriedade, não devendo se alongar no tempo para não se confundir com uma prisão definitiva que, antes da condenação, violaria os direitos do acusado, tais como da culpabilidade, presunção da inocência, devido processo legal, in dubio pro reo, entre outros, culminando em atentado contra a dignidade da pessoa humana e a liberdade de ir e vir.

Nesta toada, Aury Lopes Jr (2017, p. 24) discorre que:

É imprescindível um juízo sério, desapaixonado e, acima de tudo, calcado na prova existente nos autos. A decisão que decreta a prisão preventiva deve conter uma fundamentação de qualidade e adequada ao caráter cautelar. Deve o juiz demonstrar, com base na prova trazida aos autos, a probabilidade e atualidade do periculum

libertatis. [...] O desprezo pela provisionalidade conduz a uma prisão cautelar ilegal,

não apenas pela falta de fundamento que a legitime, mas também por indevida apropriação do tempo do imputado.

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Portanto, além do magistrado estar condicionado a aplicar a prisão preventiva apenas em casos que estejam nos moldes da lei, conforme prevê o Código de Processo Penal, em suas hipóteses e fundamentos, com devidos requisitos, deverá este se ater a provisionalidade da medida e, portanto, o fato de que esta, obrigatoriamente, não poderá ser uma prisão definitiva antecipada, transcendendo a culpabilidade e presunção de inocência, sob pena de caracterizar constrangimento ilegal da prisão.

Avena (2018) afirma que não é incomum o pedido de revogação da prisão preventiva diante do excesso de prazo da prisão e, neste sentido, questiona quando é possível verificar este excesso. Discorre que para encontrar a solução desta problemática, é fundamental voltar-se aos entendimentos do Supremo Tribunal Federal e do Superior Tribunal de Justiça: segundo os Tribunais Superiores, é essencial que se observe um juízo de razoabilidade, ou seja, se houver justificativa para a demora processual, poderá ser mantida a prisão. Ademais, se houver o alargamento da instrução por provocação tão somente da defesa, a súmula 64 do STJ4 entende que a prisão poderá ser mantida sem ser caracterizado o constrangimento ilegal.

É necessário ainda enfatizar que a prisão preventiva também imprescinde de ordem judicial para ser decretada, sendo que somente o magistrado estará legitimado para sua decretação, seja em fase de investigação policial ou no curso do processo penal. Conforme traz Lima (2014), fulcral é se ater a peculiaridade da fase anterior ao processo penal, vez que, não havendo impulso de autoridade policial ou requerimento Ministério Público, não poderá o juiz determinar de ofício, se não em prisão em flagrante ou em situação de descumprimento de medida cautelar diversa, pois se caracterizaria uma violação do sistema acusatório e parcialidade do magistrado.

Ademais, o artigo 316 do Código de Processo Penal define que o magistrado poderá revogar a prisão preventiva face verificada falta do motivo que levou ao seu decreto, bem como decretá-la novamente diante de justo motivo ou reiteração da razão de anterior decreto. Deste modo, Avena (2018) coloca que esta situação poderá ocorrer quando, decretada a prisão para garantir a efetividade da instrução criminal, esta finda e inicia a fase processual, extinguindo, juntamente, o justo motivo para a segregação do indiciado que passou a ser acusado.

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Outrossim, embora o artigo traga a denominação “poderá”, o magistrado estará condicionado e, portanto, obrigado a revogar a medida da prisão preventiva se, por ventura, os motivos de sua decretação subsistirem, não lhe sendo um faculdade, posto que a prisão preventiva é medida utilizada somente em última hipótese, quando não for possível o cabimento de nenhuma outra medida cautelar ou da liberdade provisória do acusado ou indiciado, devendo ser revogada assim que possível (AVENA, 2018).

Conhecido o instituto da prisão provisória e, principalmente, da prisão preventiva, crucial é esclarecer os princípios que norteiam esta última, bem como fundamentos, requisitos e hipóteses de sua aplicação, conforme se verá a posteriori, diante da peculiaridade e singularidade desta medida cautelar que poderá ser determinada pelo juízo criminal.

1.1.1 Os princípios na prisão preventiva

A prisão provisória, prevista no Título IX do Código de Processo Penal, intitulado “Da prisão, das medidas cautelares e da liberdade provisória” não tem como fim a punição do indivíduo, mas sim assegurar o efetivo trâmite do processo e evitar possíveis prejuízos a este com possíveis atos a serem impetrados pelo polo passivo, principalmente em se tratando da prisão preventiva.

Conforme Capez (2012), a Lei 12.403 de 2011 definiu que medidas cautelares, como a prisão preventiva, imprescindem de necessidade, adequação e proporcionalidade para sua aplicação, devendo serem medidas excepcionais decretadas pelo Juízo.

Ademais, a prisão preventiva só deverá ser aplicada quando não houver nenhuma outra medida cautelar alternativa que possa garantir os objetivos buscados, como a efetividade da persecução penal. Destarte, crucial se faz a abordagem de três principais princípios que regem a prisão preventiva, para que esta seja decretada com a legalidade e a legitimidade devida.

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1.1.1.1 Princípio: Necessidade, adequação e proporcionalidade

O artigo 2825 do Código de Processo Penal traz como princípios norteadores das medidas cautelares, bem como da medida cautelar de prisão, a necessidade e adequação do instituto. Isto posto, a prisão preventiva, como providência que deverá ser tomada em casos de extrema indispensabilidade, requisita estes princípios com maior ênfase e seriedade que as demais, visto que se trata de medida processual mais severa quanto a liberdade de ir e vir do acusado ou investigado.

Com ênfase, em conformidades aos estudos de Avena (2018), a necessidade está estritamente vinculada ao evidente risco proveniente do caso concreto durante a investigação policial ou trâmite do processo judicial, ligado aos fundamentos desta exigência da prisão preventiva prevista no artigo 312 do CPP.

Em consonância, Luciano Feldens (2012) define que a necessidade será a evidência da exigibilidade, devendo-se, ao aplicar este princípio, sempre se visualizar, por primeiro, a forma menos gravosa das medidas possíveis de utilização para atingir o fim desejado, preservando os direitos fundamentais do indivíduo.

Deste modo, esta análise de necessidade irá trazer a constatação do magistrado a existência e possibilidade de aplicação ou não de outras alternativas de medidas ou se tão somente a maneira mais lesiva irá alcançar o objetivo buscado. Nota-se que, como nas palavras de Feldens (2012, p. 153-154), “significa dizer que essa análise está a depender de um juízo que envolva a realidade social em suas coordenadas locais e temporais.”

O inciso I do artigo 282 do Código de Processo Penal traz ainda a valia de observar a necessidade por três aspectos, sendo, respectivamente, para a aplicação da lei penal, para a investigação ou instrução penal e, em casos expressamente previstos, em vistas de evitar a prática de infrações penais. Portanto, se o princípio da necessidade se verificar nestas hipóteses no caso concreto, será possível a aplicação de medida cautelar, inclusive da prisão preventiva.

5 Art. 282. As medidas cautelares previstas neste Título deverão ser aplicadas observando-se a: I - necessidade para aplicação da lei penal, para a investigação ou a instrução criminal e, nos casos expressamente previstos, para evitar a prática de infrações penais; II - adequação da medida à gravidade do crime, circunstâncias do fato e condições pessoais do indiciado ou acusado.

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Tópico a tópico, Avena (2018) desenvolve que, na situação de aplicação da lei penal, o magistrado deverá analisar se, no caso em comento, há risco de fuga. Em havendo, deverá ponderar a decretação da prisão preventiva, em vistas de garantir que a lei penal possa ser efetivamente aplicada.

Quanto a aplicação para investigação ou instrução criminal, o objetivo é a garantia da efetiva colheita de provas, inclusive dos elementos informativos na fase de investigação criminal, período que antecede o processo penal. Esta hipótese está estritamente vinculada ao dispositivo do artigo 312 do Código de Processo Penal que prevê a decretação da prisão preventiva nos casos em que a exijam para conveniência da instrução criminal.

Ademais, a fim de evitar a prática de infrações penais, desde que seja nos casos expressamente previstos em lei, corresponderá a decretação da prisão preventiva para a garantia da ordem pública, também constante no artigo 312, ou seja, casos que preveem a custódia em lei para assegurar que o acusado ou investigado não incorra em reiterados crimes.

Destarte, para a decretação na prisão preventiva, deverá o artigo 282 do CPP ser combinado ao 312 da norma legal referida, que agrega ainda a possibilidade de decretação da medida cautelar em face de garantia da ordem econômica, sempre baseada no princípio da necessidade extrema da aplicação desta medida cautelar privativa da liberdade.

Isto posto, junto ao princípio da necessidade, deverá estar presente o princípio da adequação, presente no inciso II do artigo 282 do Código de Processo Penal, que define que a adequação é indispensável para o decreto da medida cautelar, devendo o magistrado sopesar a gravidade do crime, as circunstâncias do fato e as condições pessoais do acusado ou investigado.

Neste sentido, Feldens (2012) salienta que a adequação estará ligada a idoneidade da medida tomada para atingir a finalidade legítima. Desde modo, será adequado quando o meio utilizado atingir o fim almejado de forma idônea, ou seja, com aptidão e capacidade legítima para um objetivo legal.

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