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A diferenciação de género na participação e interacção social

No documento O Género na Educação Física (páginas 139-142)

3. A construção social do género na Educação Física

3.1. A diferenciação de género na participação e interacção social

O conjunto de estudos de Patricia Griffin (1983, 1984, 1985a, 1985b) constitui uma das primeiras referências para a investigação sobre a construção do género no contexto da Educação Física. Através de observações das aulas e de entrevistas a professores, Griffin categorizou os padrões de participação de rapazes e raparigas, do 7º ao 9º ano de escolaridade, em aulas de ginástica e de desportos colectivos, salientando nas suas conclusões a grande variabilidade comportamental, tanto entre os dois grupos de género como no seio de cada grupo. Os estilos de participação pareciam ser influenciados pela

natureza da actividade e por factores contextuais e individuais como as características relacionais e pessoais (dimensões corporais e nível de habilidade).

Nas aulas de desportos colectivos, cenários em que ocorre grande complexidade de interacções sociais, foram identificados seis estilos de participação nas raparigas (Griffin, 1984): i) “Athletes” – raparigas com elevados níveis de habilidade motora, que são reconhecidas como tal pelos outros alunos e alunas, que revelam grande empenhamento na actividade e que se impõem nas interacções com os rapazes; ii) “JV Players” – raparigas com nível de desempenho motor médio ou fraco e com participação instável (umas vezes activas e outras passivas), embora pareçam apreciar o jogo. Durante o jogo são muitas vezes ignoradas mesmo quando se encontram desmarcadas e solicitam que lhes seja passada a bola; iii) “Cheerleaders” – raparigas com nível de desempenho motor geralmente fraco mas que gostam de jogar e que incentivam os colegas, parecendo aceitar o seu estatuto, rindo-se dos seus erros e oferecendo-se para ficar de fora sempre que há jogadores a mais; iv) “Lost souls” –raparigas com um nível de desempenho motor muito fraco e uma participação em jogo muito escassa ou mesmo nula. São geralmente ignoradas em jogo e raramente falam com os outros colegas ou com o professor; v)“Femme fatals” – raparigas que não se empenham no jogo nem manifestam qualquer interesse pela actividade, comportando-se como se o jogo e a Educação Física fossem uma perda de tempo e revelando apenas preocupação com a aparência física e vi) “System beaters” – raparigas que encontram sempre uma desculpa para não participar na aula.

Entre os rapazes, foram identificados cinco estilos de participação nestas mesmas aulas de desportos colectivos (Griffin, 1985a): i) “Machos” – rapazes com grande nível de desempenho motor e grande entusiasmo pelo jogo, sendo os que se revelam bastante activos ocupando as posições chave no jogo e detendo a bola por mais tempo. Colocam, por outro lado, bastantes questões ao professor, discutem estratégias de jogo e interessam- se bastante pelo resultado. São geralmente reconhecidos como líderes pelos seus colegas e tendem a ser autoritários nas interacções com os outros alunos, criticando frequentemente as acções das raparigas em jogo; ii) “Junior machos” –rapazes com comportamento bastante similar aos “Machos”, mas que se distinguem não só pelas dimensões corporais

(mais pequenos) como também pelo nível de desempenho motor (ligeiramente inferior) e pelas interacções com as raparigas, aceitando aquelas que revelam mais sucesso; iii) “Nice Guys” – rapazes cujo nível de desempenho motor varia entre o superior e o médio e que apreciam o jogo e asseguram posições de liderança em conjunto com os “Machos”. Contudo, consideram as raparigas numa posição de igualdade, passando-lhes a bola e encorajando-as, tal como a outros rapazes menos hábeis; iv) “Invisible Players” – rapazes que parecem envolvidos no jogo mas que, na realidade, não participam. Deslocam-se no sentido do jogo, mas não tomam parte nas suas acções, sendo geralmente ignorados pelos colegas: v) “Wimps” –rapazes que têm níveis de habilidade motora muito inferiores comparativamente aos outros rapazes e que assumem no jogo papéis muito periféricos. Os “Machos”, os “Junior machos” e mesmo algumas raparigas tratam-nos com ironia e desprezo.

Embora as interacções entre os alunos diferissem com base nos estilos de participação atrás descritos, as acções mais agressivas dos rapazes e o comportamento pouco assertivo das raparigas foram os padrões característicos mais frequentemente observados (Griffin, 1983, 1984, 1985a). Enquanto as interacções entre rapazes tendiam a assumir uma forma física e competitiva, as interacções entre raparigas assumiam uma forma verbal com conteúdo geralmente do âmbito privado, sendo também mais cooperativas. Os exemplos de resistência, por parte de algumas raparigas com maior nível de desempenho motor, aos padrões de dominação masculina, não impediram que o jogo colectivo misto fosse dominado pelos rapazes (Griffin, 1984; 1985a), reproduzindo as relações de género tradicionais observadas em outros contextos educativos (Francis, 1997). Também no contexto dos jogos colectivos em grupos mistos, Piéron (1986) constatou a frequente exclusão das raparigas pelos rapazes, o seu retraimento nas situações de finalização, o menor número de contactos com a bola e um estatuto hierárquico inferior nos episódios de organização e de formação de grupos.

As aulas de jogos e desportos colectivos são, com toda a certeza, um dos meios privilegiados para o estudo da construção do género na Educação Física. Segundo Dawn Penney (2002) os jogos desportivos colectivos são uma das matérias do currículo oculto

que reproduzem noções convencionais das diferenças de género, mais do que qualquer outro elemento do currículo.

Estes padrões comportamentais e relacionais são similares em crianças mais novas, onde são desenvolvidas outras matérias de ensino da Educação Física. O estudo de Clersida Garcia (1994), no jardim-de-infância, observando sessões de aprendizagem das habilidades motoras fundamentais, documentou que as raparigas interagiam entre si de forma cooperativa e afectiva, enquanto os rapazes interagiam de maneira mais competitiva, individualizada e egocêntrica. Em situação de grupo misto (como por exemplo em actividades de manipulação de bola em grupo), ambos os géneros mantinham o mesmo estilo de interacção, ou seja, as raparigas continuavam a manifestar espírito de partilha e de ajuda e os rapazes a procurar apoderar-se da bola o mais tempo possível e a superar o desempenho dos seus parceiros, ocasionando, por vezes, situações de intimidação das raparigas. O tempo de empenhamento motor das raparigas na actividade, nestes grupos mistos, era assim mais reduzido. Nas suas conclusões, a autora afirma que o estilo de interacção social das raparigas pode tornar-se um factor limitativo na aprendizagem das habilidades motoras fundamentais, sempre que a individualização ou a competitividade se tornam os componentes de sucesso da actividade.

3.2. A diferenciação de género na relação pedagógica professor - aluno

No documento O Género na Educação Física (páginas 139-142)