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Perspectiva integradora

No documento O Género na Educação Física (páginas 124-129)

5. Os estereótipos de género: recurso sociocultural fundamental na

6.6. Perspectiva integradora

A multidimensionalidade do género torna difícil a utilização de uma só abordagem teórica para explicar convenientemente e consistentemente o desenvolvimento e a interacção entre todos os domínios de análise do género. O desenvolvimento do género consiste num sistema de componentes, nem sempre correlacionados entre si (Deaux & Lewis, 1984; Turner & Gervai, 1995; Brannon, 2005), que parecem desenvolver-se em diversificados padrões que nem sempre se adaptam às teorias atrás enunciadas; ou seja, todas as teorias possuem pressupostos que são confirmados e pressupostos que não são confirmados pelas investigações empíricas. A relativa contribuição que cada uma das abordagens tem nessa explicação depende de factores como a fase do desenvolvimento cognitivo e social da criança e do adolescente, bem como do aspecto específico do desenvolvimento do género que se está a estudar. Na sequência destas constatações

empíricas, parece actualmente existir um vasto consenso na comunidade científica de que uma completa compreensão do desenvolvimento do género requer uma análise integrada de várias perspectivas (e.g. Gill, 1992; Martin, Ruble & Szkrybalo, 2002).

Na literatura recente sobre o desenvolvimento do género é possível constatar pesquisas que utilizam abordagens integradas, como por exemplo o estudo de Susan McHale e seus colegas (2004) onde se recorre quer à teoria da aprendizagem social, quer às teorias cognitivas, quer ainda a teorias biológicas. Numa investigação longitudinal com raparigas dos 8 aos 15 anos, que pretendia analisar o efeito preditivo de alguns factores biológicos e psicossociais no envolvimento em actividades genderizadas, estes autores realçaram o poder explicativo diferencial das teorias da aprendizagem social e do esquema do género em função da fase de desenvolvimento em análise. Verificando que, de uma forma geral, as raparigas diminuíam a intensidade do envolvimento em actividades tipicamente femininas entre os 8 anos e a pré-adolescência para voltarem a intensificar o envolvimento em actividades próprias do seu género durante a adolescência, os investigadores interpretaram os resultados recorrendo a uma abordagem integradora destas duas teorias. Assim, enquanto a diminuição dos padrões de comportamento tipificados desde os 8 anos até à adolescência parece ser melhor explicada sob o ponto de vista da teoria do esquema de género, em que o nível de desenvolvimento cognitivo alcançado permite comportamentos alternativos mais flexíveis, a intensificação dos padrões de comportamento específicos do género que voltam a emergir com a entrada na adolescência será melhor compreendida com o recurso à teoria da aprendizagem social, altura em que o encorajamento e o reforço dos agentes de socialização se revelam fundamentais para o desenvolvimento da identidade pessoal e social da adolescente. Os factores biológicos como os níveis de testosterona parecem também interagir com estes factores psicossociais, explicando alguma variabilidade individual no envolvimento em actividades femininas, principalmente no início da puberdade.

As concepções biológicas necessitam também de ser incorporadas na análise integrada do desenvolvimento do género (Huston, 1983; Martin, Ruble & Szkrybalo, 2002). As características físicas e as capacidades motoras deverão ser consideradas

elementos dinâmicos fundamentais nas abordagens psicossociológicas do desenvolvimento do género, sobretudo na área da actividade física e desporto (Gill, 1992). Contudo, o estudo da relação entre factores físicos ou biológicos e factores sociais ou psicossociais é ainda uma área a explorar, embora seja já possível referenciar alguns estudos que trouxeram um contributo importante para esta problemática (e.g. Berenbaum & Snyder, 1995, Udry, 2000; McHale et al., 2004)

Partilhamos a perspectiva de que o progresso no estudo do género passa pela integração de várias abordagens, não só das que descrevemos neste capítulo, mas de outras que são desenvolvidas em outras áreas disciplinares, cada uma deixando o seu contributo específico mas também questões em aberto que necessitam esclarecimento. Os estudos de género assumem-se, assim, cada vez mais, como uma área de investigação transversal, cruzando fronteiras entre uma multiplicidade de domínios disciplinares e integrando uma grande riqueza e diversidade epistemológica e metodológica.

CAPÍTULO II

A INVESTIGAÇÃO SOBRE O GÉNERO

NA EDUCAÇÃO FÍSICA

1. Introdução

Este capítulo pretende rever a investigação produzida sobre as dinâmicas mediadoras do género no processo de ensino e aprendizagem da Educação Física e sobre os processos de construção individual e social do género através da Educação Física, em particular, e das actividades físicas e desportivas, em geral. Partiremos da discussão da problemática mais lata referente ao currículo oculto, no qual o género emerge como um dos seus principais conteúdos, e prosseguiremos com a análise dos estudos que nos podem ajudar a compreender a forma como o género se constrói através da aulas de Educação Física, e como as atitudes, as percepções, os comportamentos e as interacções que nelas ocorrem poderão ser influenciadas pelo género.

Embora conscientes da poderosa influência mediadora do género, veiculada geralmente de uma forma tácita e inconsciente, recusamos adoptar uma perspectiva determinista e pessimista, explorando estudos que dão conta da resistência e das possibilidades que a Educação Física pode ter na transformação das ideologias de género,

promovendo vivências significativas para todos os alunos e alunas. Trataremos ainda da questão, naturalmente associada, da coeducação e da equidade de género na Educação Física, referenciando principalmente a investigação produzida sobre as aulas em regime misto. Finalmente, e tendo em conta os objectivos que norteiam o estudo empírico que desenvolvemos, exploraremos a temática referente à investigação sobre as percepções da apropriação ao género das actividades físicas e sobre as percepções do desempenho motor, analisando as suas sinergias e as suas implicações pedagógicas e educativas.

No documento O Género na Educação Física (páginas 124-129)