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Teoria do esquema de género

No documento O Género na Educação Física (páginas 113-117)

5. Os estereótipos de género: recurso sociocultural fundamental na

6.3. Teoria do esquema de género

A teoria do esquema de género procurou solucionar algumas das insuficiências da teoria do desenvolvimento cognitivo surgindo na literatura como uma extensão desta, mas divergindo em dois aspectos fundamentais: primeiro, a aquisição da completa constância

13 Figurativamente, o raciocínio de uma criança, segundo a teoria da aprendizagem social, seria semelhante a

este: desejo ser recompensado(a), sou recompensado(a) quando me comporto como um(a) rapaz (rapariga), é por isso que desejo ser rapaz (rapariga). Por outro lado, segundo a teoria do desenvolvimento cognitivo, o raciocínio desta criança seria: sou um(a) rapaz (rapariga), por isso tenho que fazer o que os (as) rapazes (raparigas) fazem e isso traz-me recompensas. Marcus e Overton (1978: 443) conjugam a contribuição destas duas teorias, relacionando as componentes do desenvolvimento cognitivo com os factores do envolvimento social e sugerem um raciocínio como o seguinte: eu sou um(a) rapaz (rapariga) e serei sempre; então eu posso fazer coisas de rapaz ou de rapariga pois serei sempre rapaz (rapariga). Contudo, fazer coisas de rapaz (rapariga) é mais aceitável e além disso, a oportunidade de fazer coisas de rapaz (rapariga) traz-me recompensas.

de género não é considerada necessária para motivar e guiar o comportamento da criança associado ao género e; segundo, é dado mais destaque que na teoria de Kohlberg às funções de processamento de informação dos esquemas de género. Nesta teoria destacam- se as contribuições de Sandra Bem (1981), que se debruça especialmente sobre as diferenças individuais, e de Carol Martin e Charles Halverson, Jr. (1981), no que diz respeito às questões do desenvolvimento. O conceito de esquema, central nesta teoria é definido por estes investigadores da seguinte forma:

Schema is a cognitive structure, a network of associations that organizes and guides an individual’s perceptions. (Bem, 1981: 355).

Schemas are naive theories that guide information processing by structuring experiences, regulating behaviour, and providing bases for making inferences and interpretations. (Martin & Halverson, 1981: 1120)

Neste sentido, os esquemas de género são organized networks of mental association representing information about themselves and the sexes (Martin, Ruble, & Szkrybalo, 2002: 911) que influenciam o processamento da informação e o comportamento do indivíduo. Os esquemas são ainda entendidos como representações dinâmicas que se desenvolvem através das interacções entre o indivíduo e o seu meio envolvente e que se modificam em resposta a variações situacionais.

A teoria do esquema de género pressupõe que as crianças desenvolvam comportamentos associados ao género não apenas como o resultado do desenvolvimento cognitivo mais geral, mas, sobretudo, porque ocorre o desenvolvimento de esquemas específicos, os esquemas de género, que processam a informação relacionada com o género e regulam o comportamento.

Nesta abordagem, a explicação para o desenvolvimento dos esquemas do género repousa em vários princípios teóricos (Martin, Ruble & Szkrybalo, 2002). O primeiro é a tendência para os humanos organizarem e classificarem a informação que recebem do meio em categorias relevantes, como o género. O segundo refere-se à coerência interna das categorias, ou seja, ao pressuposto de que os membros de uma dada categoria partilham

entre si características essenciais. O terceiro é que a categorização promove o pensamento indutivo, isto é, é possível que, face à informação disponível sobre o membro de uma categoria e na falta de experiências directas relevantes, seja realizado um conjunto de inferências em direcção a uma estrutura de conhecimento mais alargada. O quarto princípio relaciona-se com as consequências cognitivas da categorização que promovem um desenvolvimento mais vasto das estruturas de conhecimento. A categorização encoraja os indivíduos a fortalecer as semelhanças intra-grupo, a exagerar as diferenças entre grupos, tal como Tajfel (1981/1982) demonstrou, ou até mesmo, a criar diferenças ilusórias entre grupos.

A formação dos estereótipos de género é, desta forma, entendida como uma consequência natural do uso dos esquemas de género, já que a tendência para interpretar informação estruturada em esquemas pode levar a concepções exageradas e simplistas acerca do que é apropriado e aceitável para cada género.

Segundo Martin e Halverson (1981) os esquemas de género são de dois tipos. O primeiro contém toda a informação de que as crianças necessitam para categorizar objectos, comportamentos, traços e papéis como sendo para homens, para mulheres ou para ambos; e o segundo, uma versão mais restrita e mais detalhada do primeiro, alberga a informação específica do seu próprio género. Nesta teoria as funções dos esquemas de género são as seguintes:

 a regulação de comportamentos, a qual fornece as bases para a sua antecipação, para a definição de objectivos, para a realização de planos e para o desenvolvimento de rotinas de comportamento que possibilitem a implementação desses planos;

 a organização e controlo da informação, que determina o tipo de informação que é tratada, codificada e memorizada. Através do uso de esquemas, a informação consistente com eles é tornada saliente e armazenada enquanto a informação inconsistente é ignorada. A grande resistência à mudança que caracteriza os estereótipos de género é explicada por este processo, no qual apenas a informação

consistente com os conteúdos dos estereótipos que estão armazenados é percepcionada e recordada, mesmo perante uma evidência contraditória;

 a estruturação de inferências e interpretações, visto que, quando a informação é insuficiente ou ambígua, os esquemas permitem ao indivíduo fornecer a informação em falta baseando-se na informação que já existe nos esquemas.

À semelhança da teoria do desenvolvimento cognitivo, a teoria do esquema de género assume que a criança desempenha um papel activo no seu desenvolvimento de género, através do processamento construtivo que faz da informação e através da sua motivação para adoptar comportamentos concordantes com as normas de género, um dos meios de atingir a consistência da identidade de género.

Esta abordagem teórica considera que a capacidade para se classificar a si próprio e aos outros com base no critério género é condição suficiente para a formação dos esquemas de género (Martin & Halverson, 1981; Fagot, Leinbach, & Hagan, 1986), o que pode explicar o facto de as crianças adoptarem tão cedo comportamentos apropriados ao género. Assim, as crianças com esquemas bem desenvolvidos estarão mais propensas do que as crianças com esquemas menos desenvolvidos a empenhar-se em actividades apropriadas ao género e a evitar aquelas que não são apropriadas ao género. A flexibilidade dos papéis de género ocorre apenas após um certo nível de desenvolvimento cognitivo, quando a criança é capaz de associar os esquemas de género a outros esquemas cognitivos (Martin & Halverson, 1981). Estes processos cognitivos parecem ser semelhantes em crianças de várias culturas, o que confere validade intercultural a esta teoria (Brannon, 2005).

Na teoria do esquema de género realçam-se mais os mecanismos de processamento da informação do que propriamente o conteúdo dos esquemas de género (Bem, 1981). Porém, embora os esquemas de género sejam estruturas cognitivas, são as experiências individuais da criança no seu meio social que os enformam e lhes dão sentido (Serbin & Sprafkin, 1986). Em consequência, o estudo dos factores socioculturais é fundamental para se compreender o processo de construção dos esquemas de género bem como a influência destes no controlo e regulação dos comportamentos individuais. Esta é precisamente uma

das limitações desta teoria que, embora heurística, dá mais atenção aos processos internos do que aos factores sociais e mesmo biológicos.

Outra limitação prende-se com a própria natureza dos esquemas de género, associados a representações, difíceis de definir e de medir. Além disso, parece existir mais esforço em tentar compreender a consistência do desenvolvimento de género do que a sua variabilidade (Martin, Ruble, & Szkrybalo, 2002).

Esta teoria conseguiu um poder explicativo razoável sobre alguns processos cognitivos como a memória, atenção e inferências acerca de outros (Martin, Ruble, & Szkrybalo, 2002). Porém, não conseguiu estabelecer uma relação consistente entre os processos cognitivos que são descritos e os comportamentos associados ao género evidenciados pelas investigações empíricas (Bussey & Bandura, 1992; 1999; Martin, Ruble, & Szkrybalo, 2002). Assim se percebe que Bussey e Bandura (1992; 1237), autores de uma teoria alternativa tenham explicitado as suas reservas a esta teoria da seguinte forma:

Both cognitive-developmental theory and gender schema theory have focused on gender conceptions, but neither devotes much attention to the translation of gender-linked conceptions to gender-linked conduct.(...) Knowing a stereotype does not necessarily mean that one strives to behave in accordance with it.

No documento O Género na Educação Física (páginas 113-117)