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Conteúdos dos estereótipos de género: da bipolaridade à

No documento O Género na Educação Física (páginas 89-110)

5. Os estereótipos de género: recurso sociocultural fundamental na

5.1. Conteúdos dos estereótipos de género: da bipolaridade à

A investigação empírica tem evidenciado uma grande consensualidade social e cultural quanto aos conteúdos dos estereótipos de género e grande estabilidade temporal (Huston, 1983; Deaux, 1984; Amâncio, 1994; Neto, 1989; Neto & Williams, 1989; Williams, Satterwhite, & Best, 1999; Visser, 2002). Contudo, há que referir que, apesar das similaridades em muitos aspectos dos estereótipos de género, nem todas as culturas revelam as mesmas percepções quanto às características e padrões de comportamento que homens e mulheres devem possuir, assim como também existe variabilidade individual

nestas percepções (Williams, Satterwhite, & Best, 1999). Porém, as diferenças são sempre relativamente pequenas se compararmos com as semelhanças (Neto & Williams, 1989).

Apesar das inconsistências conceptuais e metodológicas entre os estudos que pretenderam definir e avaliar os conteúdos dos estereótipos de género, é possível não só apontar alguns tipos de características que, consensualmente, estão associadas a cada um dos grupos de género bem como as suas conotações valorativas.

Num dos primeiros estudos sobre este tema, realizado na Europa por Rocheblave- Spenlé (1964 cit. por Amâncio 1994) com estudantes universitários franceses e alemães, baseado numa lista de cento e vinte e um traços vulgarmente atribuídos a homens e mulheres, verificou-se um grande consenso intercultural e intersexos na percepção comparativa do masculino e do feminino. O estereótipo do masculino encontrava-se associado a dimensões como a estabilidade emocional, o dinamismo, a agressividade e a auto-afirmação, enquanto o estereótipo feminino se caracterizava pelo oposto, ou seja, pela instabilidade emocional, a passividade, a submissão e a orientação interpessoal. Nesta investigação foi também evidenciada a consensualidade no que diz respeito às conotações valorativas dos traços associados aos estereótipos masculino e feminino, com o estereótipo do masculino a reunir mais qualidades do que defeitos comparativamente ao estereótipo do feminino.

Estas conclusões foram reforçadas pelos resultados de um outro estudo realizado nos Estados Unidos por Rosenkrantz e seus colegas (1968), também com o objectivo de analisar os conteúdos e a avaliação dos estereótipos de género. Esta investigação acrescentou um factor importante nesta temática, pois, além de solicitar aos sujeitos que caracterizassem o homem e a mulher, em geral (utilizando para tal uma lista de cento e vinte e dois itens bipolares relativos a comportamentos, atitudes e traços de personalidade), pedia também que os sujeitos se caracterizassem a si próprios, procurando assim analisar a incorporação do estereótipo no seu auto-conceito. Os resultados mostraram que ambos os sexos incorporavam o estereótipo do seu grupo de pertença no seu auto-conceito, com uma clara auto-desvalorização por parte das mulheres. Este questionário foi aplicado noutras populações continuando-se a constatar uma grande consensualidade dos estereótipos de

género quer se considere sujeitos de diferentes níveis de instrução, religião, estado civil ou idade (Broverman et al., 1972). Por outro lado, estas definições dos estereótipos de género pareciam corresponder às imagens ideais e ao perfil psicológico considerado saudável da mulher e do homem (Broverman, et al., 1970 cit. por Amâncio, 1994).

O consenso cultural e a estabilidade temporal dos estereótipos de género foram evidenciados anos mais tarde num estudo comparativo que envolveu vinte e cinco países de quatro continentes e dois momentos de recolha de dados, um em 1972 e outro em 1981 (Williams & Best, 1982 cit. por Neto, 1989). Embora a metodologia desta investigação não utilizasse escalas bipolares, criticadas pela sua possibilidade de indução de respostas diferenciadoras (Constantinople, 1973), mais uma vez o estereótipo do masculino aparecia associado às dimensões independência, auto-afirmação e dominância e o estereótipo do feminino às dimensões expressividade, submissão e orientação interpessoal. Esta caracterização manteve-se inalterada ao longo do tempo.

Os estudos realizados em Portugal com jovens e adultos (e.g. Vala, 1986; Amâncio, 1994, Neto & Williams, 1989) são consistentes com este padrão de definição e avaliação dos conteúdos dos estereótipos de género. Lígia Amâncio (1994), por exemplo, desenvolveu uma investigação com 182 estudantes universitários procurando não só o conjunto de traços psicológicos considerados típicos do masculino e do feminino na sociedade portuguesa, bem como as conotações valorativas que sobre eles eram efectuadas, com base na classificação de defeito ou qualidade no adulto. Os seus resultados confirmaram duas das tendências já reveladas nas outras investigações internacionais sobre estereótipos de género: a maior quantidade de traços associados ao estereótipo do masculino e o maior número de traços positivamente valorizados, quando em comparação com o estereótipo do feminino. Parece-nos oportuno e pertinente apresentar os resultados respeitantes aos conteúdos dos estereótipos sobre os quais se obteve largo consenso, considerando o cruzamento de várias variáveis caracterizadoras dos sujeitos participantes (Quadro 1).

Quadro 1. Os estereótipos de género e suas conotações valorativas11 (Amâncio, 1994: 63) Estereótipo feminino Afectuosa + Bonita + Carinhosa + Dependente – Elegante + Emotiva Feminina Frágil – Maternal Meiga + Romântica Sensível + Sentimental Submissa - Estereótipo masculino Ambicioso Audacioso + Autoritário Aventureiro Corajoso + Desinibido + Desorganizado – Dominador – Empreendedor + Forte + Independente + Machista Paternalista Rígido Sério + Superior Viril

Estes resultados levaram Amâncio (1992, 1994) a inferir que a representação social da categoria masculina parecia reunir competências mais directamente relacionadas com o mundo do trabalho, com o domínio sobre os outros e as situações, constituindo-se como um modelo de referência em relação às qualidades socialmente desejáveis em relação à pessoa adulta em geral. Por outro lado, a categoria feminina é definida por traços mais associados à competência social e relacional num contexto privado das relações afectivas. O ser masculino é representado como universal, enquanto o ser feminino é representado como ocupando uma função específica do sistema social.

Esta investigação permitiu, assim, evidenciar a relação de dominação simbólica que está presente na construção social do masculino e do feminino, visto que a diferenciação vinculada aos significados de masculino e feminino não se resume a um fenómeno meramente perceptivo mas exprime uma hierarquização entre os sexos em relação ao universo simbólico de pessoa adulta que coloca o sexo masculino numa posição dominante e o feminino numa posição dominada (Amâncio, 1994: 68). Sendo um processo que evoca

11 Os traços representados com o sinal “+” representam valorizações positivas (qualidades no adulto),

enquanto os traços representados com o sinal “-“ representam valorizações negativas (defeitos no adulto). Os traços não assinalados com sinal possuem uma conotação valorativa neutra.

automaticamente e, muitas vezes, inconscientemente, os estereótipos de género, tendo subjacente em todas as concepções socioculturais diferenciadoras do género, como os papéis sociais e o estatuto social, possui implicações importantes em toda a dinâmica relacional no seio da estrutura social (Glick & Fisck, 2000).

Ainda em Portugal podemos encontrar estudos sobre o conhecimento dos estereótipos de traços de género em crianças (e.g. Neto, 1989, 1990; Neto & Neto, 1990) os quais revelam que, logo aos 5 anos, as crianças já manifestam uma percepção diferencial do masculino e do feminino, associando ao masculino traços psicológicos como forte, grosseiro, agressivo, cruel, independente e, ao feminino, traços como excitável, emotiva, sensível, meiga, afectuosa, dependente e namoradora12. Esta percepção parece, por outro lado, ser independente do sexo da criança, manifestando o grande consenso inter- sexos que já tinha sido detectado nos estudos anteriores. O facto de as crianças desta idade revelarem um maior conhecimento dos conteúdos do estereótipo do feminino é justificado pelo seu maior relacionamento com mulheres (quer em casa, quer nas creches ou jardins de infância).

A abordagem dos estereótipos de género que apenas considera os traços psicológicos é, contudo, insuficiente, por si só, para um conhecimento completo do conteúdo dos estereótipos de género e dos seus processos mediadores ao nível das atitudes e comportamentos. Assim, além dos traços psicológicos, a análise do conteúdo dos estereótipos de género compreende sistemas mais complexos que também integram a aparência física, os comportamentos e as actividades associadas aos papéis de género (Deaux & Lewis, 1984). Este sistema de componentes tem sido utilizado em investigações sobre a estrutura dos estereótipos de género (e.g. Deaux & Lewis, 1984; Six & Eckes, 1989) e o processo de desenvolvimento dos estereótipos de género ao longo da idade (e.g. Martin, Wood & Little, 1990)

12 A técnica de recolha de dados utilizada nesta investigação com crianças foi a picture story, em que cada

história estava associada a um ou mais adjectivos com significado para a população adulta (Neto & Neto, 1990).

Num conjunto de investigações destinadas a estudar a interacção entre estes componentes dos estereótipos de género, Kay Deaux e Laurie Lewis (1984) verificaram que este sistema de componentes, embora relativamente independentes uns dos outros, operam num sistema de inferências sistemáticas em que um julgamento acerca de um componente ocasiona julgamentos acerca de outro componente, de uma forma que procura manter a consistência entre os componentes relativos a uma determinada categoria de género. As características físicas parecem desempenhar um papel central neste processo, mais ainda do que as características psicológicas; ou seja, quando as pessoas têm acesso à informação acerca dos comportamentos, elas podem por exemplo inferir acerca dos traços psicológicos, e quando têm informação sobre as actividades isso poderá influenciar os seus julgamentos acerca dos comportamentos. Contudo, a aparência física afecta os julgamentos acerca dos outros componentes de uma forma mais forte do que estes em relação à aparência física.

Estas mesmas investigações levaram Deaux e Lewis (1984: 1002) a afirmar que the concepts of male and female are not totally separate stereotypes. Na base desta afirmação encontram-se resultados que levam a admitir que os sujeitos, em face de informação contraditória entre a designação do género e a informação respeitante a um dos componentes, conferem consistência aos componentes sem ter em conta a informação dada quanto ao género. Este processo de inferências vai se consolidando e aperfeiçoando ao longo da infância, primeiro em relação às associações relevantes do seu grupo de género e depois em relação às associações relevante do outro grupo, o que parece acontecer por volta dos 8 anos de idade (Martin, Wood, & Little, 1990).

Apoiados neste modelo de análise multidimensional dos estereótipos de género Bernd Six e Thomas Eckes (1989) comprovaram a existência de uma estrutura subcategorial nos estereótipos de género, representativa da integração perceptiva dos vários componentes. Desta maneira os indivíduos não se fixam apenas em estereótipos relativos às categorias sociais mais vastas, mas formam subcategorias de homem e mulher mais específicas e bem diferenciadas. Numa investigação posterior, Eckes (1994) mostrou que a análise desta estrutura revela complexas inter-relações entre tipos e características,

manifestando os subtipos de homem maior diversidade e heterogeneidade que os subtipos de mulher, o que é consistente com as representações de homem e de mulher, como seres universais e situacionais, evidenciadas no estudo de Lígia Amâncio (1994), atrás referenciado.

Estas investigações, que se debruçaram sobre as análises multidimensionais das subcategorias, também permitiram evidenciar que numa mesma subcategoria pode ocorrer a integração de características tipicamente associadas ao masculino e características tipicamente associadas ao feminino (Eckes, 1994; Deaux & Lewis, 1984). Este estudo das subcategorias de género, pela sua maior riqueza informativa (Eckes, 1994) poderá ser um auxiliar valioso nas investigações que pretendem analisar a forma como os estereótipos de género evoluem e se adaptam às mudanças sociais (López-Sáez, 1994).

Os estudos sobre a evolução do conteúdo dos estereótipos ao longo do tempo apresentam resultados um pouco contraditórios. Enquanto uns salientam a sua grande estabilidade temporal (e.g. Williams & Best, 1982 cit. por Neto, 1989; Visser, 2002), outros demonstram alguma evolução, principalmente em relação aos conteúdos do estereótipo do feminino onde é notória uma atitude mais positiva e flexível (Dieckman & Eagly, 2000; Prentice & Carranza, 2002). No recente estudo de Prentice e Carranza (2002) sobre os conteúdos prescritivos dos estereótipos de género, as mulheres pareciam caracterizar-se não só pela posse de conteúdos concordantes com os seus papéis tradicionais como também por características necessárias para o sucesso em actividades não tradicionalmente femininas. Os conteúdos associados ao estereótipo masculino não apresentaram, ao contrário, evolução equivalente, parecendo muito mais rígidos e estáveis.

Na sua generalidade, embora sustentados numa grande diversidade metodológica, estes estudos incidem sobre a dimensão consciente das percepções sociais. Contudo, a análise da mudança e das adaptações dos estereótipos de género às transformações sociais deve passar, segundo Visser (2002), pelo estudo das percepções inconscientes das imagens do feminino e do masculino. Numa investigação com estudantes holandeses entre os 18 e os 24 anos, levada a cabo em 1995 e em 1999, cujo objectivo era detectar as alterações nas concepções de masculino e de feminino durante este período, Irene Visser concluiu, que,

na generalidade, os protótipos de género permaneceram inalteráveis. Os atributos prototípicos encontrados para a categoria feminina foram “emocional”, “crítica em relação à sua aparência” e “preocupada com a aparência exterior”. No caso da categoria masculina apareceram 2 atributos prototípicos: “orientação para a carreira” e “independente” (este último ainda mais reforçado no segundo momento de recolha de dados). A diferenciação nos protótipos do masculino e do feminino coaduna-se com as percepções tradicionais já evidenciadas por investigações anteriores, em que é visível, no caso da categoria feminina, a ausência de atributos relacionados com o poder, a autonomia e a orientação para o sucesso. A internalização inconsciente destas concepções socioculturais rígidas influencia as atitudes e os comportamentos individuais, dificultando a evolução positiva dos estereótipos de género.

5.2. O desenvolvimento dos estereótipos de género na criança

O processo de desenvolvimento dos estereótipos de género é um processo complexo cuja evolução se encontra directamente relacionada com o desenvolvimento cognitivo e social da criança. Assim como a consciência e o conhecimento dos conteúdos dos estereótipos de género se desenvolvem em conjunto com o desenvolvimento das estruturas cognitivas da criança, também o desenvolvimento da compreensão do género vai influenciando as experiências da criança a nível pessoal e relacional (Bussey & Bandura, 1999; Martin, Ruble & Szkrybalo, 2002).

A investigação indicia que, logo aos 2 anos, a criança denomina correctamente objectos típicos de cada género (Weinraub et al., 1984) e aos 3 anos categoriza brinquedos, roupas, jogos, objectos domésticos e profissões em função do género (Huston, 1983). O conhecimento dos estereótipos de género respeitante às características psicossociais revela- se um pouco mais tarde que os estereótipos associados aos papéis de género, já que estes últimos se reportam a aspectos mais óbvios, concretos, objectivos e mais fáceis de investigar (Martin & Halverson, 1981; Martin, Wood & Little, 1990, Neto & Neto, 1990).

Numa investigação com crianças, realizada em Portugal, Neto e Neto (1990) verificaram que aos 5 anos as crianças já tinham iniciado a aquisição do conhecimento dos estereótipos relativos aos traços psicossociais mais evidentes. Contudo, aos 8 anos esta aprendizagem parecia não estar ainda completa (Neto, 1989), dependendo do meio sociocultural a profundidade e a quantidade de conhecimento dos estereótipos, sendo que as crianças do meio urbano e das posições sociais mais favorecidas pareciam ser as que apresentavam maiores índices de conhecimento dos estereótipos de género (Neto, 1990).

Este desenvolvimento dos estereótipos de género não se processa de uma forma uniforme em relação ao conhecimento do estereótipo do masculino e do feminino (Martin, Wood & Little, 1990). A partir de uma investigação de referência para o estudo do desenvolvimento dos estereótipos de género, Martin, Wood e Little (1990) utilizando uma abordagem multidimensional, sugerem a existência de três estádios de desenvolvimento dos estereótipos de género. Num primeiro estádio (em geral até aos 4 anos), as crianças aprendem características e comportamentos associados directamente a cada género, tais como as preferências por brinquedos de rapazes e raparigas. Neste estádio, as crianças ainda não aprenderam as associações indirectas essenciais à formação dos estereótipos de género. No segundo estádio (em geral dos 4 até aos 6 anos), as crianças começam a desenvolver associações mais complexas e indirectas sobre as características e comportamentos mais relevantes para o seu grupo de género, mas não para o outro grupo de género. No terceiro estádio (que normalmente se inicia a partir dos 6 anos), as crianças aprendem não só as associações mais relevantes para o seu género como também para o outro grupo de género, adquirindo assim a capacidade de começar a realizar julgamentos estereotipados acerca dos homens e das mulheres.

Uma vez formados, os estereótipos tendem a manter-se estáveis, com uma forte consistência interna entre os seus componentes, o que pode, inclusive, provocar distorções quando em presença de informação contraditória. Assim, as crianças (e os adultos) tendem a distorcer a informação que lhes é dada de forma a dotá-la de consistência em relação às associações relevantes que têm construídas para cada género (Ruble, 1988). Este processo cognitivo específico que permite manter o estereótipo, denominado geralmente por

correlação ilusória (Susskind, 2003), actua de maneira a levar as pessoas a percepcionar uma relação entre o género e determinados comportamentos, quando essa relação é inexistente, ou quando a relação não é tão forte quanto a percepção sugere. Num estudo recente, Joshua Susskind (2003) demonstrou, contudo, que as crianças não ignoram a informação contra estereotipada, podendo esse ser um dos meios para diminuir a estereotipia de género, quebrando ou enfraquecendo as correlações ilusórias.

O desenvolvimento do conhecimento dos conteúdos dos estereótipos de género é acompanhado, ao longo da idade, pelo desenvolvimento da flexibilidade na aplicação dos estereótipos (Biernat, 1991). Assim, enquanto as crianças mais novas realizam julgamentos acerca dos outros, fundamentados, principalmente, na informação que possuem sobre os estereótipos de género, os jovens já consideram os desvios individuais em relação a esses mesmos estereótipos. Porém, parece existir uma tendência permanente para se confiar nos estereótipos, quer nas percepções e julgamentos, quer nas predições de comportamentos em relação a outros.

O aumento da flexibilidade foi também comprovado noutros estudos que demonstraram que a classificação baseada no género diminuiu de importância após os 5 anos (Carter & Patterson, 1982) ou os 7 anos de idade (Stoddart & Turiel, 1985; Serbin & Sprafkin, 1986), quando a maior parte dos estereótipos de género estão já aprendidos e o nível maturativo das estruturas cognitivas da criança permite classificações alternativas que tendem a neutralizar respostas diferenciadas em relação aos papéis de género. A flexibilidade dos papéis de género representa, desta maneira, a capacidade para individualizar, reconhecendo que tanto os homens como as mulheres podem ou poderão manifestar comportamentos similares e empenhar-se nas mesmas actividades e que nem todos os homens e mulheres se comportam da mesma maneira (Martin, 1989). Esta flexibilidade parece ser maior em crianças que vivem em contextos familiares onde é frequente os pais desempenharem tarefas tradicionalmente apropriadas para o outro género (Turner & Gervai, 1995).

Segundo Levy, Taylor e Gelman (1995), há que considerar a flexibilidade dos papéis de género como um constructo heterogéneo com duas importantes dimensões de análise: o

objectivo (o que tem sido tradicionalmente considerado na investigação) e a avaliação, ou seja, o aspecto mais afectivo. A evidência recolhida por aqueles autores ia na linha dos estudos anteriores, indicando que, com o aumento da idade, as crianças vão considerando os desvios em relação às convenções sociais dos papéis de género como possíveis e culturalmente relativos. Contudo, os julgamentos avaliativos não parecem tornar-se mais flexíveis com o aumento da idade, isto é, as crianças tendem a avaliar negativamente a transgressão dos papéis de género, sobretudo em relação ao papel masculino.

A persistência dos efeitos dos estereótipos de género ao longo da vida, torna a sua investigação pertinente e necessária a nível educativo. Se bem que, nas crianças, a simplificação de informação seja uma forma de lidar com a complexidade do mundo social, e nos adolescentes e adultos haja capacidade de integrar aspectos mais individualizados, os estereótipos de género podem ocasionar fenómenos negativos como sejam o preconceito e a discriminação. Contudo, tal como acentuam Peter Glick e Susan Fiske (2000: 367) os estereótipos de género não são formados na ignorância, antes reflectem as realidades sociais existentes, o que torna as suas intenções de mudança uma questão não meramente educativa mas sobretudo social e cultural.

6. Abordagens teóricas do desenvolvimento do género

Our understanding of reality is a representation, that is, a “re-presentation”, not a replica, of what is “out there”. Representations of reality are shared meanings that derive from language, history, and culture. (Hare-Mustin & Marecek, 1988:

455/456)

Tal como a citação acima sugere, numa acepção tipicamente construtivista, nós não observamos passivamente a realidade, mas construímo-la activamente, através dos significados que organizam as nossas percepções e experiências. As teorias que procuram

explicar e compreender o desenvolvimento do género são, neste sentido, representações da realidade, organizadas por determinadas estruturas de pressupostos teóricos que reflectem necessidades e interesses socioculturais.

No documento O Género na Educação Física (páginas 89-110)