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A eclesiologia aberta de Jürgen Moltmann

2. A eclesiologia no contexto da práxis

2.1. A dimensão comunitária de uma eclesiologia aberta

A eclesiologia de Moltmann está para além das paredes de um templo. Ela não está pressa a qualquer barreira quer seja espacial quer seja doutrinária. É uma igreja para o mundo, para os povos. Uma eclesiologia aberta não poderia apresentar um conceito espacial de igreja, como um lugar determinado, uma morada definida, mas a

eclesiologia se dá a partir do conceito histórico-temporal, ou seja, embora ela, a igreja,

tenha a sua dimensão geográfica, não significa que não tenha uma dimensão histórica que leve em consideração o tempo em que ela está inserida (MOLTMANN, 1971, p. 374). A eclesiologia desenhada por Moltmann pode ser definida como uma igreja que procura agir, ou seja, ela se define como uma igreja em ação. Assim, para Moltmann age “de maneira unificadora, santificante, evangelizadora, pela libertação do mundo” (MONDIN, 1980, p. 205).

A fim de ter essa dimensão ad extra, a eclesiologia moltmanniana dispõe de um aparato organizacional que favorece a dinâmica ad intra dos participantes da comunidade de fé. Os elementos, que assim compõe sua eclesiologia funcional, se dão a partir dos ministérios – onde pessoas desempenham suas funções como serviço ao outro e ao reino de Deus, sendo a diaconia um tema chave na eclesiologia de Moltmann (MOLTMANN, 1987, p. 14). Além dos ministérios, a proclamação do evangelho, o

batismo, a ceia e o culto, são trabalhados por Moltmann com dimensões de abertura ao

mundo sendo, concomitantemente, elementos característicos da vida da igreja em sua dimensão interna.

Uma vez que a igreja “vive na história que é fundamentada pela ressurreição do Cristo crucificado e cujo futuro é o reino abrangente da liberdade”, ela é energizada pelo Espírito Santo, pois é o “poder presente dessa memória e dessa esperança [que] é chamado poder do Espírito Santo” (MOLTMANN, 2013, p. 259). Pelo poder do Espírito Santo, a igreja é capaz de “entender, na fé em Cristo e na esperança pelo reino,

como comunidade messiânica, [que] ela entenderá corretamente seu presente e seu caminho no presente e no processo do Espírito Santo” (MOLTMANN, 2013, p. 259).

À igreja é dada a oportunidade de proclamação do evangelho, sendo ela mesma originaria da proclamação apostólica do evangelho (MOLTMANN, 2013, p. 270). A

proclamação se dá pela verbalização da mensagem do evangelho que tem como

conteúdo “a história de Cristo e a liberdade do ser humano para o reino que nela se abre” (MOLTMANN, 2013, p. 270). Essa proclamação não pode ser caracterizada por uma linguagem hermética onde a comunidade consome seu próprio discurso, não havendo nenhum impacto em seu contexto vital. A revelação é algo de Deus, que a

igreja atualiza – aqui Moltmann segue a teologia da palavra de Deus de Karl Barth – na proclamação do evangelho ao mundo (MOLTMANN, 2013, p. 272).

A proclamação do evangelho não pode ser um monopólio da comunidade de fé, pelo contrário, a proclamação do evangelho é a revelação do futuro de Deus que a

igreja é chamada a proclamar como promotora do futuro (MOLTMANN, 2013, p. 287).

Compreendendo-se assim, a proclamação de uma igreja aberta tende-se a ser uma

proclamação pública, porque “o evangelho se encontra no ambiente público de uma

sociedade e muda sua forma junto com a mudança do espaço público social” (MOLTMANN, 2013, p. 291).

Ainda na dimensão comunitária de uma eclesiologia aberta, Moltmann trata do

batismo. O ato do batismo “é a chamada para a liberdade do tempo messiânico”. Para

Moltmann o batismo não pode ser algo restrito apenas aos participantes da comunidade como uma maneira de dizer que a partir desse momento há uma fronteira entre os salvo (dentro da igreja) e os perdidos (aqueles que estão fora da igreja). Como o reino de

Deus é a matriz pela qual a igreja atual, com o batismo a igreja “demonstra o início do reino de Deus na vida de uma pessoa e a conversão comunitária para seu futuro”

(MOLTMANN, 2013, p. 294). Quando discute quanto à forma do batismo, Moltmann privilegia o batismo de adultos, defendendo de que o “batismo infantil deveria ser ocupado pela bênção sobre as crianças no culto da comunidade”. O batismo é vocacional, pois com ele “o crente é chamado para a comunidade messiânica e vocacionado para o serviço libertador e criativo do reino”, portanto ele é um evento vocacional de inserção na comunidade e, ao mesmo tempo, de envio ao mundo (MOLTMANN, 2013, p. 307).

Quanto à ceia do Senhor, Moltmann dá a sua contribuição teológica. Enquanto “o batismo é o sinal escatológico da partida realizado uma vez por todas, assim a comunhão periódica e perseverante na mesa do Senhor é o sinal escatológico do caminho” (MOLTMANN, 2013, p. 313). A ceia do Senhor tem a sua conotação escatológica, mas também comunitária. Sendo o batismo um evento vocacional para o serviço ao reino de Deus, a ceia do Senhor é um convite aberto, pois a mesa é de Cristo e é ele quem convida a tod@s, pelo fato de que a igreja “deve sua vida ao Senhor e sua comunhão, à ceia dele” (MOLTMANN, 2013, p. 316).

Tratando da ceia do Senhor como um convite de Cristo aberto a tod@s, Moltmann critica o uso da ceia do Senhor para se praticar a disciplina eclesiástica por entender que antes de qualquer outra coisa, a ceia do Senhor “celebra a presença libertadora do Senhor” (MOLTMANN, 2013, p. 316). Sendo assim, ela não pode ser elemento de controle de quem pode ou não participar da comunhão. Em uma

eclesiologia aberta à celebração da ceia do Senhor “é um convite tão aberto como as

mãos estendidas de Cristo na cruz” (MOLTMANN, 2013, p. 317). A ceia do Senhor em Moltmann se dá na sua abertura irrestrita a tod@s, não importando as “fronteiras confessionais” (MOLTMANN, 2013, p. 318). Assumindo a condição escatológica da

igreja, ou seja, ela participa do futuro de Deus, Moltmann não concebe uma celebração

da ceia do Senhor limitada apenas aos fiéis da comunidade. A ceia do Senhor, no seu entender, “não se trata da refeição das pessoas especialmente justas ou das que se julgam especialmente fiéis, mas das pessoas cansadas e sobrecarregadas que ouviram o chamado para procurar alívio” (MOLTMANN, 2013, p. 332).

O culto “é a festa da comunidade reunida que proclama o evangelho, responde à libertação que é oferecida, batiza pessoas com o sinal do êxodo e antecipa na mesa do Senhor a comunhão no reino de Deus”. Não se trata de uma celebração reservada apenas aos preparados para tal rito, antes é uma festa que celebra a presença de Deus como sinal da esperança messiânica (MOLTMANN, 2013, p. 334).

A configuração do culto, em uma eclesiologia aberta, não se dá como um ritual fechado em suas tradições e símbolos. O culto é visto como festa, “tem afinidade com o lúdico, que é despretensioso e aberto”. Como festa, o culto está aberto às pessoas que dele queiram participar, principalmente as de fora (MOLTMANN, 2013, p. 348).

A dimensão comunitária de uma igreja que tem como característica a abertura, concilia o seu cotidiano como comunidade de fé através dos elementos que a caracteriza, como a proclamação do evangelho, o batismo, a ceia do Senhor e o culto como meio de favorecer a graça de Deus ao mundo. É uma eclesiologia que na sua organização desenvolve a abertura de Cristo ao mundo quando proclama o evangelho da esperança messiânica; quando promove o batismo a partir da vocação para o reino de

Deus; quando celebra a ceia do Senhor como um convite para se assentar-se na mesa do

Senhor como filh@s de Deus; quando o culto não é uma reunião reservada aos membros da comunidade, mas também é uma oportunidade de celebrar uma festa com os que pertencem à comunidade de fé e com aqueles que se achegam para participar da

festa.