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A eclesiologia aberta de Jürgen Moltmann

2. A eclesiologia no contexto da práxis

2.3. A tarefa missionária da igreja: abertura ao reino de Deus

“Já que a esperança significa ter força de vida, e já que a vida é vivida em relações abertas, o reino de Deus será apresentado não de modo abstrato, mas concretamente nas relações vivas do cristianismo” (MOLTMANN, 2013, p. 14). Ser apresentado nas relações vivas do cristianismo significa dizer na práxis da ação

missionária da igreja. A ação missionária da igreja se dá em relações abertas, pois a missão para Moltmann não é expandir o “império cristão, a civilização cristã ou os

valores religiosos ocidentais” (MOLTMANN, 2002a, p. 28). Quando a tarefa

missionária da igreja esteve atrelada ao expansionismo, o cristianismo ficou marcado

por cisões e conflitos. A lógica que Moltmann propõe é outra, porque para ele missão é “o convite ao futuro de Deus e à esperança pela nova criação de todas as coisas” (MOLTMANN, 2002a, p. 29). Ele aposta de que uma vez seguindo essa concepção de

missão, ou seja, “quando a paixão pelo futuro de Deus tomar o lugar da expansão da

igreja”, não haverá mais razões para cismas e expansionismo denominacional, uma vez que a premissa será “a esperança do reino de Deus” (MOLTMANN, 2002a, p. 29).

A eclesiologia aberta de Jürgen Moltmann é uma eclesiologia comprometida com o reino de Deus. O que significa afirmar isso? Significa que o elemento essencial do discurso e da práxis da igreja é o reino de Deus. Daí que a tarefa do teólogo, não é produzir “uma dogmática eclesial nem uma doutrina de fé, mas fantasia em prol do

reino de Deus no mundo e em prol do mundo no reino de Deus” (MOLTMANN,

2002b, p. 14). O reino de Deus deve ser a paixão da teologia como um todo. Deve haver teologia do reino de Deus na vida da igreja, uma vez que ela “se experimenta na força do Espírito Santo como comunidade messiânica a serviço do reino de Deus” (GIBELLINI, 1998, p. 297).

A teologia missionária desenvolvida por Moltmann vai além da concepção reinante sobre missões. Ideia de que a igreja envia alguns, como se somente esses fossem vocacionados para a tarefa missionária e o restante da igreja não. É nesse sentido que Moltmann entende de que “toda a comunidade tem um dom ‘espiritual’ e carismático, não só o ‘profissional espiritual’ [...] toda a comunidade e cada pessoa individual nela estão com todas as forças e possibilidades na missão do reino de Deus” (MOLTMANN, 2013, p. 29). Daí que a teologia missionária moltmanniana procura inserir a igreja à sociedade, tornando-a, desta forma, em uma igreja aberta que participa dos sofrimentos do povo e propõe esperança. A característica missionária da igreja é essa abertura ao mundo. Quando a igreja compreende que é continuadora do projeto do

reino de Deus, ela se desdobra na esfera pública com comprometimento e solidariedade,

porque não há uma promoção de si mesma, antes é a promoção do reino de Deus. Sua

missão, por estar aberta ao mundo, é levar avante a história de Deus com o mundo

(MOLTMANN, 2013, p. 30). Esse pensamento de Moltmann, Richard Bauckham (1995, p. 145) definiu bem ao afirmar que “sempre foi um princípio básico da teologia de Moltmann que a igreja existe como uma realidade provisória para servir como meio para a vinda do reino universal de Deus no mundo, ou, dito de outra forma, que a igreja existe em missão”.

Em Diaconia no horizonte do reino de Deus (1987, p. 27), a missão da igreja toma consciência teológica de que é a continuadora do projeto (reino de Deus) de Jesus por meio do seguimento. O seguimento implica em agir no mundo, principalmente entre os pobres e marginalizados. Moltmann concebe uma igreja em que há uma dimensão inclusiva, porque, para ele, a “promissio do reino fundamenta a missio do amor no mundo” (MOLTMANN, 2003, p. 265). A missão da igreja está totalmente atrelada ao conceito de reino de Deus porque apenas por meio dela, a igreja, o futuro pode ser construído. A missão da igreja, portanto, está entre a promessa dada na ressurreição de Jesus e seu cumprimento no futuro escatológico. Por meio da missão da igreja, o mundo já é afetado na antecipação da nova criação em direção da promessa de transformação escatológica, assim, a igreja participa da missão de Deus no mundo (MOLTMANN & BASTOS, 2011b, p. 131).

Uma eclesiologia aberta à relação igreja e reino de Deus não sofre uma fusão e nem mesmo é confundido um com o outro. Moltmann atrela a igreja ao reino de Deus e esta, a igreja, se torna expressão do reino de Deus quando passa a ser anunciadora da

esperança que foi confirmada pela ressurreição de Jesus Cristo. O reino de Deus é o

real fundamento da teologia da igreja, pois à igreja é dada uma obrigatoriedade

missionária, pois ela está ligada à sociedade e compartilha com ela os sofrimentos desta

época, formulando esperança em Deus para as pessoas (MOLTMANN, 2004, p. 13). A

igreja, neste sentido, é “uma comunidade na qual o fiel vive continuamente e não

ocasionalmente; uma comunidade de fé, esperança e fraternidade que se torna fermento de vida para todo o mundo” (MONDIN, 1980, p. 201). Isso ocorre quando ela assimila conscientemente de que é a antecipação, o sinal do reino de Deus. Jesus, com sua

missão e ressurreição, trouxe o reino de Deus para a história, a igreja é a sua antecipação; portanto, é o povo do reino de Deus (MOLTMANN, 2003, p. 386).

Está dada a dimensão futurológica da igreja na tarefa missionária quando cada cristão compreende sua função na missão (MOLTMANN, 2013, p. 30). A esperança do futuro reino de Deus é tarefa da igreja quando assume concretamente a sociedade em que está inserida dando um horizonte de esperança, justiça, vida, humanidade (MOLTMANN, 1987, p. 25). Isso só é possível com a proclamação do evangelho (promessas de Deus sobre a nova criação que vem da ressurreição de Cristo). A missão é a proclamação de uma esperança viva, ativa e apaixonada pelo reino de Deus e seus valores vivenciados por Jesus conforme os evangelhos (MOLTMANN, 2000a, p. 144).

Cabe à igreja ter uma consciência ética e responsável pelo seu contexto social (MOLTMANN, 2012, p. 76-77). Contar com o comprometimento de tod@s na missão ao mundo, tornando patente seu plano de amor pelo mundo; incentivar o uso das

vocações para a transformação da sociedade por meio dos valores do reino de Deus;

procurar ser a sinalização da graça de Deus, pois ela é a consciência mais profunda do manifestar de Deus; tornar realidade, nela mesma, a presença amorosa de Deus por meio do cuidado fraterno; alimentar a fé de um mundo melhor por meio da esperança; celebrar a chave do futuro, a ressurreição de Cristo; ser uma igreja que consiga fazer uma leitura de seu contexto de maneira aberta com uma pastoral acolhedora, favorecendo com que a comunidade seja instrumento de Deus pela paz, pelas mudanças sociais onde ela está inserida; buscando viabilizar a vida e sua dignidade; contribuindo na luta pela preservação do meio ambiente e sua biodiversidade com uma teologia comprometida com a criação (BASTOS, 2009, p. 251).

Considerações parciais

Com este capítulo, a pesquisa intenta pontuar os principais elementos que promovem uma eclesiologia aberta. O sistema teológico moltmanniano contempla uma série de áreas, sendo a eclesiologia uma delas que está ligada aos outros temas do autor.

A fim de construir uma base teológica para uma eclesiologia aberta, que abordamos os principais temas que perpassa a teologia sistemática do autor. Com uma visão da sua sistemática, foi possível desenvolver conexões com a sua eclesiologia. Deste modo, foi ressaltado o aspecto do seguimento na cristologia moltmanniana como condição para seguir o crucificado que é o ressuscitado. Quanto à pneumatologia do autor, é perceptível de que sem o Espírito Santo não há o impulso necessário da igreja para o mundo e a nova criação na esperança da promessa. Como a igreja vive em função do Cristo, a principal mensagem deste precisa ser também a principal

proclamação da igreja, o reino de Deus. Uma igreja aberta está envolvida com aquilo

que Deus está fazendo e ainda fará, portanto, a criação é um tema em que a igreja deve se preocupar, uma vez que ela, a igreja, é agenciadora do futuro de Deus. Como modelo comunitário, Moltmann apresenta a trindade em que a relação entre as pessoas não há hierarquia ou grau de importância, mas há companheirismo e mutualidade nas relações.

Esses elementos que favorecem a abertura da igreja dão condições para que a igreja desenvolva a sua práxis no mundo. A sua abertura é concretizada quando há

proclamação do evangelho; quando os participantes da comunidade sentem-se vocacionad@s para o reino de Deus desde o batismo; e o culto não é um mero encontro,

mas sim uma festa, antecipando o banquete do reino de Deus. Isso é possível porque a igreja é energizada pelo Espírito Santo e sua tarefa missionária tem como foco a inserção na vida das pessoas com suas necessidades e carências sociais, políticas e espirituais.

A eclesiologia de Moltmann, com suas dimensões de abertura para Deus, para o ser humano e para o reino de Deus, contribui com o atual cenário que vive a sociedade com o avanço tecnológico, com as mudanças culturais, com os problemas ecológicos e o capitalismo e sua campanha ininterrupta para o consumo, a teoria teológica de Moltmann suscita reflexões. As categorias que Moltmann trabalha e sua leitura

inovadora quanto aos principais temas eclesiológicos, o coloca como um teólogo extemporâneo no assunto.

A igreja, de fato, precisa se encarnar a fim de se fazer percebida no atual contexto social.

A eclesiologia aberta de Moltmann foca duas direções, a comunidade de fé e sua organização que visa, por meio de seus elementos operacionais, focar no mundo, na sociedade, dentro da perspectiva da nova criação. Com essas categorias, a sua

Três

A eclesiologia aberta de Jürgen Moltmann como