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Considerações iniciais

2. Trilogia da esperança: uma leitura eclesiológica

2.3. A eclesiologia no O Deus crucificado

A discussão sobre a igreja na obra O Deus crucificado se dá no primeiro capítulo. Nesta clássica obra, Moltmann procura trabalhar a teologia da cruz e sua relação com o sofrimento. Essa obra ficou amplamente conhecida, principalmente na América Latina, depois da tragédia com os seis jesuítas em San Salvador em 1989. No triste fato, conforme Moltmann relata, “o corpo do padre Ramón Moreno foi arrastado pelos soldados para dentro do quarto de Jon Sobrino que não estava presente no local. No seu sangue, foi encontrado um livro caído. Tratava-se de El Dios crucificado” (MOLTMANN, 2004, p. 187). Um livro que procura tratar a cristologia a partir da cruz e sua relação com Deus. O texto é sua teologia da cruz.

Quanto à eclesiologia, Moltmann trata no prólogo e no capítulo primeiro. Como o seu tema não é a igreja, mas sim Cristo, ele levanta algumas questões como a necessidade da igreja ser mais relevante, com sua teologia, no contexto social, deixar de pertencer ao gueto e ser uma comunidade para fora: “para mim, a igreja e a teologia cristã adquire importância quando mostra os problemas do mundo moderno unicamente revelando o ‘núcleo duro’ de sua identidade com Cristo crucificado e deixando-se questionar por ele juntamente com a sociedade em que se vive” (MOLTMANN, 2010, p. 25). Para o autor, Jesus precisa estar sendo evidenciado na vida da igreja, ou seja, se a

igreja toma o nome de Jesus e professa fé nele, algumas atitudes, comportamentos, precisam ser evidenciados para dar credibilidade a essa assertiva. Nesse sentido, Moltmann está dizendo que a igreja precisa tomar consciência de que ela está ligada a Jesus e, portanto, é preciso estar ciente das implicações que o crucificado traz.

No capítulo primeiro, Moltmann trata da “identidade e relevância da fé”. A teologia, mas principalmente a igreja, se torna irrelevante no contexto atual quando, por exemplo, tentam afirmar a identidade a partir dos dogmas, ritos e padronização moral. No entender do autor é aí que cresce a sua irrelevância e falta de credibilidade (MOLTMANN, 2010, p. 29). Quais as razões que levam a essa irrelevância e falta de credibilidade? Como a obra está em um contexto pós-guerra, Moltmann quer colocar a questão a partir do que seja importante ou não para a igreja. Para o autor, “quando esta igreja, que somente se preocupava em conservar a mesma estrutura e ideologia até o momento, chegou ao ponto de perder o contato com a realidade científica, social e política do seu ambiente” (MOLTMANN, 2010, p. 30). A igreja, pelo seu acrisolamento, se fechou em si mesma e, de algum modo, se manteve afastada das questões que a sociedade estava discutindo e passando, principalmente com crises políticas e sociais. É por isso, que para Moltmann (2010, p. 30),

muitos abandonam o estudo teológico, seus cargos de pastores, o sacerdócio e suas congregações, e se põem a estudar sociologia e psicologia, ou a promover a revolução e a trabalhar nos bairros miseráveis de nossas cidades, convencidos de que assim contribuem mais eficazmente para a solução dos conflitos desta sociedade desgarrada.

A questão levantada pelo autor é quanto à relevância da teologia e, consequentemente da igreja, para o contexto atual quando algumas iniciativas estão sendo tomadas, ou seja, quando a teologia e a igreja não estão tendo relevância exatamente por não discutir temas relevantes. A consequência disso é o não engajamento social que era esperado da igreja, uma vez que ela se identifica como seguidora de Jesus. Moltmann (2010, p. 31) pontua que

muitos se fixaram nos sofrimentos dos oprimidos e abandonados do mundo, descobrindo a paixão do compromisso social e político. E os que optaram por este caminho se viram com frequência obrigados a

abandonar as igrejas existentes por não encontrar em suas instituições nenhuma possibilidade de realizar seu compromisso.

A crise da igreja se dá pelas disputas internas, desfigurando o evangelho de Cristo e sua práxis, esquecendo-se da dimensão política-profética da igreja. A relevância da igreja no cenário social seria possível mediante o ajuntamento ecumênico, e não propriamente o dogmático, para superar a falta de identidade com Cristo e a crise interna das igrejas. Moltmann ressalta de que a morte de Jesus teve a sua dimensão política, por isso a “fé no crucificado é, em sentido político, testemunho público em prol da liberdade de Cristo e o direito da graça frente às religiões políticas dos povos, frente a impérios, raças e classes” (MOLTMANN, 2010, p. 175). A igreja necessita recordar de que a fé que ela professa é no seguimento de Jesus, portanto uma “fé sem seguimento se reduziria a mera aceitação de doutrinas e participação em cerimonias” (MOLTMANN, 2010, p. 85). Outra obra cristológica em que o autor amplia o tema do

seguimento como práxis é O caminho de Jesus Cristo (2000a). Aqui Moltmann começa

discutindo a questão do messianismo e seus desdobramentos, sendo para ele, o conceito

messiânico uma chave hermenêutica importante. Ele trata dessa categoria, messiânico,

em sua obra eclesiológica, mas em O caminho de Jesus Cristo ele amplia a partir da

práxis de Jesus emergindo uma cristologia que não olhe apenas para o céu, mas sim

“uma cristologia para homens e mulheres que caminham e buscam orientações diante dos conflitos e da história” (MOLTMANN, 2000a, p. 11). Nesse sentido, a igreja é

continuadora dessa dimensão messiânica.

Uma leitura eclesiológica da obra O Deus crucificado se faz a partir da estreita relação entre Jesus e a igreja, entre a sua práxis e a postura da igreja. Ocorre que, no entender de Moltmann, a crise de irrelevância está em não levar em consideração as dimensões da cruz, e uma delas é o seu aspecto político-social.

A fim de sustentar epistemologicamente a concepção de uma eclesiologia

aberta, é importante pontuar alguns aspectos da hermenêutica moltmanniana.

A proposta desse capítulo é procurar mostrar que a eclesiologia está presente na obra de Moltmann e o autor tem, além da sua principal obra A igreja no poder do

Espírito, outras contribuições valiosas quando o tema é igreja. A delimitação foi a partir

do seu principal livro sobre igreja, já citado, e as duas obras que o projetaram mundialmente no cenário teológico, Teologia da esperança e O Deus crucificado.

Diante disso, importa finalizar este capítulo introdutório elencando alguns aspectos da hermenêutica de Jürgen Moltmann que serviram para fundamentar sua eclesiologia, tema que será trabalhado no próximo capítulo dessa dissertação.