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A eclesiologia aberta de Jürgen Moltmann como contribuição teológica à Igreja Batista brasileira

2. Contribuições de Jürgen Moltmann à Igreja Batista

2.3. Missão e proclamação

A concepção de vocação influi diretamente na concepção de missão e

proclamação. Como Analzira Pereira do Nascimento (2014) observa, há um

“paradigma dominante na nossa prática missionária [que] considera como vocacionado somente o membro de igreja que sente a inclinação para ser missionário ou aquele que deseja exercer um ministério eclesiástico, especialmente o pastorado”. Entendendo que tod@s são vocacionad@s, há que refletir quanto ao conceito de missão e proclamação, ou seja, a práxis de uma proclamação. As possíveis causas, ou as mais prováveis, já foram pontuadas acima quanto a esse entendimento de “separar certos homens de maneira especial, para o serviço distinto, definido e singular do ministério da palavra” (CBB, 1986, p. 15). Nesse sentido, portanto, a tarefa pastoral se resume na teologia

salvacionista e a igreja passa a ser “composta [por] membros que se separaram do mundo para viverem uma vida de pureza” (FERREIRA, 2001, p. 25). Influenciada pelo pietismo, a eclesiologia batista desenvolve uma espécie de segregacionismo com a

sociedade quando assume um discurso de que “sem santificação crescente, a igreja não se diferencia do mundo, nem se mostra diferente nele” (TORRES, 2009, p. 209). Essa clara dicotomia é explicada por Magali do Nascimento Cunha (2014, p. 113) de que “o fundamentalismo bíblico, o individualismo e o puritanismo levaram à construção de uma presença da igreja negadora da sociedade (o mundo) e afirmativa da igreja como

reduto de proteção e preparação para a passagem para o lar celestial”.

A Declaração Doutrinária da CBB quando trata de evangelização e missões, segue a mesma perspectiva dos demais grupos que compõem o protestantismo(s) de

missão, embora haja diversidade na concepção de missão e atuação em alguns

segmentos do protestantismo(s), a ênfase se dá na evangelização conversionista. A

Declaração Doutrinária reduz o conceito de missão quando diz que “a missão

primordial do povo de Deus é a evangelização do mundo, visando à reconciliação do

homem com Deus” (CBB, 1986, p. 14). O ímpeto missionário se dá na pregação da mensagem do evangelho. A tarefa missionária não é seguida pela questão social e a Declaração Doutrinária entende que “o maior benefício que pode prestar é anunciar a mensagem do evangelho; o bem-estar social e o estabelecimento da justiça entre os homens dependem basicamente da regeneração de cada pessoa e da prática dos princípios do evangelho” (CBB, 1986, p. 14). Essa postura reducionista da práxis da

igreja que a Declaração Doutrinária traz, está sendo criticada por autores

conservadores e progressistas. Roberto do Amaral Silva (2007, p. 189), por exemplo, um autor considerado conservador, questiona: “mas a pregação do evangelho consiste apenas de palavras?”. Ainda que tenha indicações de que a igreja precisa ter uma inserção significativa na sociedade, a Igreja Batista brasileira continua produzindo um

eclesiocentrismo e demonstrando aspectos de uma eclesiologia fechada quando o tema

é igreja e sua inserção na sociedade.

Diante das demandas sociais e o cenário teológico da América Latina, autores

batistas vêm procurado desenvolver uma teologia de caráter mais aberto em que “a

fidelidade aos ensinos do Senhor Jesus chama-nos a viver a missão de forma integral” (TORRES, 2009, p. 203). Na América Latina, a maneira de fazer teologia visando à

integralidade do ser humano conta com importantes nomes e, aparentemente, os batistas estão, de maneira paulatina, se aproximando da teologia da missão integral.

A teologia protestante latino-americana vem produzindo uma teologia holística, denominada de missão integral (SANCHES, 2009, p. 55). Um nome que merece destaque é o teólogo batista equatoriano Carlos René Padilla. Ele vem contribuindo para uma reflexão que ousa ultrapassar o eclesiocentrismo que impera na concepção missiológica da igreja e, de maneira particular, presente na eclesiologia batista. Padilla, por exemplo, vem refletindo uma teologia que enxerga o outro, uma vez que a teologia

salvacionista é dirigida para a alma. Nesse sentido ele conclui:

a missão da igreja, portanto, não pode se limitar a proclamar uma mensagem de salvação da alma: sua missão é fazer discípulos que aprendam a obedecer ao Senhor em todas as circunstâncias da vida diária, tanto no privado como no público [...]. A missão integral só é possível quando há discípulos que têm visão de conseguir a influência dos valores do reino de Deus a todas as esferas da sociedade (apud REIS, 2011, p. 144).

No entanto, a eclesiologia batista é dependente da teologia salvacionista, herança da teologia dos missionários norte-americanos. Como já mencionado nessa pesquisa, os missionários operaram a partir de um distanciamento entre igreja e

sociedade, compreendendo a missão e a proclamação da igreja em termos salvacionistas. Essa teologia tem como pressuposto a ideia de que o pecado se dá

teologia salvacionista é “fruto de uma antropologia mutilada, uma vez que esquece o

ser social do [ser humano] e conduz às ingênuas tentativas voluntaristas de pretender mudar as estruturas injustas unicamente mediante a conversão do indivíduo” (AZEVEDO, 2005, p. 51). Na mesma perspectiva, Lourenço Stelio Rega (2011, p. 370), argumenta que, na eclesiologia batista, “tudo gira em torno do salvacionismo, isto é, tudo é impulsionado, tem significação e é legitimado se é compatível com a salvação da

alma da pessoa”.

Apesar dessa teologia salvacionista que ainda domina a agenda missionária da

igreja, tem havido sinais claros de uma reflexão teológica que procura uma integração

entre igreja e sociedade com uma práxis que tenha relevância no contexto onde a igreja está inserida. Assim, de acordo com Rega (2011, p. 371-372), a práxis da Igreja Batista

brasileira – quando se pretende fomentar uma eclesiologia aberta –, precisa

desenvolver mais “do que atividade eclesiástica”, uma vez que os missionários norte- americanos reduziram “a ação e missão da igreja, pois a vida cristã foi simplificada em trabalho eclesiástico de modo que a práxis protestante-batista (e evangélica) no Brasil se converteu em apenas ao trabalho na igreja”. O ativismo religioso, na interpretação de Rega (2011, p. 372), impede que o participante da comunidade de fé seja despertado “para viver-Cristo-no-mundo encarnando o seu amor”. Se a eclesiologia batista quer ser relevante em seu ambiente vivencial, é preciso desenvolver uma teologia em que valorize o seguimento de Jesus como mediação para a sua práxis. Para isso, é preciso descontruir aquela teologia que não considera a vida e suas mazelas; uma teologia que se mantém como discurso apenas para os iniciados (REGA, 2011, p. 373). Deste modo, será possível “ser cristão-no-mundo”, apenas quando for possível “uma prática evangélica que traspõe as portas de uma igreja” (REGA, 2011, p. 372).

Mesmo com uma Declaração Doutrinária oferecendo elementos reducionistas quanto ao conceito de missão e proclamação da igreja, há autores – e alguns ligados administrativamente à Convenção Batista Brasileira –, que vem procurando modificar a conhecida máxima no universo batista de que convertendo o indivíduo melhora-se a sociedade (CIRINO & GREENWOOD, 2012, p. 47). Uma nova concepção teológica, auxiliada pela teologia latino-americana da missão integral, tem surgido em alguns setores da denominação, havendo uma profícua preocupação em descontruir a ideia de que a missão da igreja se resuma apenas na evangelização (PINHEIRO & GIANASTACIO, 2012, p. 116).

É perceptível o surgimento de uma teologia que vem procurando favorecer o diálogo e a ação da igreja na sociedade, ou seja, uma teologia que impulsiona a igreja a dar “prosseguimento à missão do messias no mundo” (CIRINO & GREENWOOD, 2012, p. 48). Um novo conceito de missão em que a imitação do Cristo é encarnada a partir da concretude da vida (CIRINO & GREENWOOD, 2012, p. 49). Assim, é possível, em raras vezes pensar, segundo alguns autores batistas, que o primeiro interesse não se dê na conversão das pessoas, mas sim na proclamação do evangelho de Cristo por meio do seguimento da sua práxis (CIRINO & GREENWOOD, 2012, p. 49- 50).

Diante desse quadro e diante de nossos objetivos de estabelecer o diálogo, acentuando a contribuição de Jürgen Moltmann à eclesiologia da Igreja Batista

brasileira, podemos articular com essa teologia que surge, que tem como propósito se

desvencilhar de uma concepção salvacionista e eclesiocêntrica, a visão de Moltmann que pode dar a sua contribuição a fim de favorecer percepções para uma eclesiologia

aberta.

Para Moltmann, a missão de Jesus é a missão da comunidade, ou seja, assumindo a missão do Cristo, por meio do seguimento, a igreja “provoca seu conflito com a sociedade na qual vive e provoca conflitos entre os poderes do passado e as forças do futuro, entre opressão e a libertação” (MOLTMANN, 2013, p. 120). Para assumir tal postura, a igreja necessita encarnar a dimensão do seguimento. Isso é possível a partir de uma compreensão do Cristo-práxis, ou seja, conhecer Jesus não significa aprender um dogma cristológico, mas sim o conhecer a partir da práxis do seu

seguimento (MOLTMANN, 2000a, p. 72-73).

A missão da igreja se estende ao mundo, portanto, é missão da igreja se envolver com a cultura, com a economia, com os direitos humanos, com a ecologia (MOLTMANN, 2013, p. 235). A missão não se dá apenas com a conquista de pessoas para aumentar o número de membros de uma igreja, mas sim desenvolver a abertura missionária e diaconal no mundo (MOLTMANN, 2013, p. 293).

A igreja, se favorecer uma dimensão aberta da sua eclesiologia proporcionando diálogo e se comprometendo com o seu contexto, está diante de temas relevantes que demandam atenção de imediato, suscitando reflexões que gerem práxis num futuro bem

próximo. As principais questões que envolvem a igreja e a sociedade podem ser elencadas da seguinte forma:

teologia e direitos humanos, ecologia e missão, ética e cidadania, questões étnicas e raciais, a fé cristã diante da pobreza e da exclusão social, a religião frente ao desafio de um Estado laico e do fortalecimento da democracia, o diálogo ecumênico, a organização eclesial em células, missão no mundo urbano e outras dimensões de uma teologia pública e cidadã (RIBEIRO, 2012, p. 124-125).

Os desafios para a missão e proclamação estão dados, antes é preciso fomentar uma eclesiologia que possa refletir sobre seu meio a fim de gerar uma práxis onde “a

missão da igreja também [seja] ação na sociedade” (PINHEIRO & GIANASTACIO,

2012, p. 116).

Considerações parciais

Com este capítulo, a pesquisa procurou fazer um levantamento das principais características do protestantismo(s) de missão e, em particular, da Igreja Batista

brasileira, em seu aspecto eclesiológico, para em seguida olhá-los à luz da eclesiologia

de Moltmann.

O que norteou este capítulo foi à tentativa de se fazer uma leitura da eclesiologia

batista a partir de fontes bibliográficas, mas, principalmente, trazendo ao debate a Declaração Doutrinária da Convenção Batista Brasileira. O intento foi visualizar

elementos que pudessem caracterizar a eclesiologia batista e refletir sobre ela tendo como principal interlocutor a eclesiologia aberta de Jürgen Moltmann, descrita no segundo capítulo desta pesquisa.

Em diálogo com a eclesiologia moltmanniana, alguns aspectos da eclesiologia

batista são passíveis de coadunação, já em outros temas Moltmann pode contribuir com

sua reflexão eclesiológica a fim de favorecer uma eclesiologia que leve em consideração os temas da contemporaneidade. Isso é possível quando se fomenta uma

Como Moltmann vivenciou o que é ser participante de uma igreja estatal, ele valoriza eclesiologias que sejam livres. Para ele igrejas livres, como é a Igreja Batista

brasileira, deve desenvolver a sua “abertura missionária” (MOLTMANN, 2013, p.

293). A igreja estatal, por outro lado, quando “assumiu o atendimento religioso das pessoas individuais e das famílias”, ela “perdeu sua força crítica e libertadora” (MOLTMANN, 2013, p. 292). Considerando que Moltmann escreve A igreja na força

do Espírito em 1975, ele está vivenciando uma igreja que precisa ser a voz e a força,

por meio do Espírito Santo, para um mundo agonizante, como também para cristãos que sofrem e são atribulados no mundo por causa do evangelho. Não por acaso que Moltmann ao escrever a sua obra eclesiológica além de dedicar ao Conselho Mundial de Igrejas (CMI), dedica aos cristãos perseguidos do mundo.

Uma comunidade que se propõe a ser aberta em sua maneira de ver o mundo, inseparavelmente terá uma ação libertadora em seu contexto. Assim, em uma

eclesiologia aberta “a comunidade se reúne em torno do evangelho e da mesa do

Senhor, ela se torna reconhecível no mundo e inconfundivelmente o povo de Cristo, a comunidade messiânica do reino que está vindo” (MOLTMANN, 2013, p. 420).