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Parte I – ENQUADRAMENTO TEÓRICO

4. A Leitura e os Projetos de Leitura

4.1. A dimensão social da leitura

A leitura só tem sentido humano se servir para criar encontro da interioridade própria com a interioridade de outros, para a solicitar e para a desenvolver como identidade e como integração no grupo ou na sociedade, dando ao leitor uma relação com o meio e incentivando nele capacidades evocativas e argumentativas. (Nascimento, 2006:290)

Consideramos que faz todo o sentido associar a leitura às relações colaborativas porque defendemos que a leitura é ela própria congregadora, plural e possui uma forte componente social. Ora, vejamos o que nos diz a literatura analisada sobre esta temática.

Ler é “uma atividade plural e complexa (…) que envolve uma multiplicidade de mecanismos neurobiológicos e neuro-psicológicos que concorrem para a descodificação, compreensão de mensagens, permitindo ao sujeito uma melhor inserção no mundo intelectual na sociedade considerada civilizada. Portanto, ler não constitui um processo passivo já que envolve, para além da compreensão literal do texto, a sua interpretação e, não raro, a interação do leitor com o que é lido que, por sua vez, se traduz na argumentação e no diálogo com outros textos e/ou vivências do sujeito.” (Veiga, 2000:2) O ato de ler é, também, um processo interativo que, como nos diz Barroco (2004:86) “implica não só aprender a descodificar sinais gráficos, mas também aprender a descobrir sentidos”. Ainda Veiga (2000:2), citando Furtado (2000), acrescenta um conjunto de aspetos que estando relacionados com a leitura a ajudam a definir na sua multiplicidade e na sua complementaridade. Assim, para este autor: ler é uma técnica de descodificação; uma prática social; uma forma de gestualidade; uma forma de sabedoria; um método e uma atividade intelectual.

Nascimento (2006:294) também se refere aos múltiplos aspetos que constituem a leitura e o ato de ler. Aquela começa por ser, para este autor, um exercício de reconhecimento do texto mas não só; a leitura é também aprendizagem de conhecimentos, reconhecimento da identidade do outro, acolhimento da alteridade,

por isso, é exercício de vida cívica, em partilha de juízos e sentimentos. Uma vez que depende de uma escolha, é ainda, segundo o mesmo autor, um juízo relativamente ao que é proposto no texto e a partir desse juízo, e do confronto com o outro, o leitor constrói a sua própria vida interior. E acrescenta também que ler pressupõe responder à solicitação do texto, descobrir a modalidade com que se comunica, enriquecer-se com o modo como outros se dão a conhecer ou como constroem propostas de ver o mundo.

Martins e Sá (2008) referem-se à “transversalidade” da leitura considerando que o ato de ler requer o desenvolvimento de vários processos que contribuem para aprendizagens a vários níveis, com implicações tanto ao nível do sucesso escolar como do sucesso profissional. Menezes (2010:53) considera que a leitura exige compreensão e que para se ser um leitor competente, que compreende o que lê, é necessário que se leia com rapidez e precisão, e que se desenvolva um conjunto de habilidades e destrezas que permitam entender os textos, interagir com eles, manipulá-los e transferir o que se leu para outras situações. No fundo, será necessário: identificar, reconhecer, recordar, interpretar, valorizar, organizar e reorganizar, ações múltiplas e complexas que só se alcançam com o treino e a prática repetida e que exigem motivação e esforço.

De facto, é importante que estejamos conscientes dos benefícios que poderemos retirar da leitura. A sua enumeração constituirá um forte argumento a favor do desenvolvimento da competência leitora. Nesta linha, Veiga (2000:3-4) refere alguns dos benefícios de que o sujeito leitor poderá vir a usufruir. ”Em termos psicocognitivos, a leitura incrementa as capacidades de perceção, de concentração, de aquisição, de inferência e de interpretação de significados. No seu conjunto, estes fatores promovem o crescimento da autonomia, do autoconhecimento, da autoconfiança e do espírito crítico do sujeito.” Mas, o desenvolvimento de hábitos de leitura também proporciona um enorme enriquecimento linguístico; o desenvolvimento sociocultural do sujeito leitor, alargando a sua perceção do mundo; e, a formação de uma sensibilidade estética, através do apuramento dos sentidos.

Todas estas considerações sobre o ato de ler e a leitura apontam para uma nova conceção da leitura, mais complexa, que ultrapassa a simples decifração de um código, pois é um processo de construção de significado e atribuição de sentidos, que realça a importância da interação do sujeito leitor com o que lê e com o modo como lê. Nota-se uma preocupação crescente com a necessidade de se elevarem os níveis de literacia porque para se viver bem em sociedade, e usufruir dos recursos que ela nos pode dar, é necessário dominar a leitura (Martins e Sá, 2008:10). As práticas de leitura e escrita que desenvolvem a literacia são cada vez mais encaradas como fenómenos

sociais. Neste sentido, um estudo nacional, levado a cabo pelo Gabinete de Estatística e Planeamento da Educação, do Ministério da Educação, em 2009, intitulado “A Dimensão Económica da Literacia em Portugal: uma análise”, demonstra que a literacia é um fator determinante para o desenvolvimento económico e para o progresso social e que

“a literacia influencia também a distribuição social de uma série de resultados importantes a nível individual. Os adultos com baixas competências de literacia passam mais frequentemente por episódios de desemprego, recebem salários mais baixos, apresentam muito maiores probabilidades de serem pobres, têm uma saúde mais débil, socialmente são menos empenhados e têm um acesso menos frequente a oportunidades educativas do que os seus concidadãos com mais competências de literacia.” (p.119)

De facto, este estudo vem, precisamente, corroborar a importância que a sociedade atual confere à leitura e às literacias como indispensáveis para o sucesso social, em todas as idades. A leitura transformou-se, nos últimos anos, “numa ferramenta de aprendizagem fundamental para todos” (Martins e Sá, 2008:10) e a sociedade exige, cada vez mais, a aquisição e o desenvolvimento de competências de leitura e escrita para que os cidadãos sejam mais conscientes, independentes e críticos.

É por isso que, no nosso estudo, o que nos interessa, mais do que definir leitura, os seus usos e modalidades, ou analisar o ato de ler, é compreender a importância da leitura na escola e na sociedade, e perceber como é que esta se pode tornar congregadora de práticas, saberes e aprendizagens, motivando professores e alunos para um trabalho e uma aprendizagem em comum. Consideramos assim que a leitura, na sua dimensão social, pode potenciar o aparecimento de relações colaborativas.

4.2. O papel da escola e da biblioteca escolar na formação de