• Nenhum resultado encontrado

9. RESÍDUOS SÓLIDOS E SUA MULTIDISCIPLINARIDADE

9.1 A Dimensão Sociocultural na Geração de Resíduos

Em relatório da UNESCO intitulado “Ter mais ou viver melhor?” (2012) observa-se que o crescimento populacional mundial, especialmente localizado nas

76 cidades, atinge níveis alarmantes, a população global gira em torno dos 7 bilhões de indivíduos, 50% nas cidades (Gráfico 1). O Brasil supera a média de concentração urbana, como já visto aqui, são em torno dos 84%. O volume populacional, a concentração nas cidades e especialmente o constante crescimento demográfico demonstram uma matemática que traz resultados, como definidos por Figueiredo (2004), estratosféricos de resíduos sólidos.

O caminho para minimizar o impacto na geração de resíduos, passa, portanto, por uma transformação de valores, onde o consumo assuma uma nova postura na vida social, bem como a percepção que o fim destinado aos resíduos sólidos pode impactar de maneira preponderante outros meios sociais (THE WORLDWATCH INSTITUTE, 2013; UNESCO, 2012; TRIGUEIRO, 2012; GUATARRI, 1990).

Gráfico 01. Crescimento Populacional Global

Fonte: Adaptado pelo autor de: Graph: Springer-Verlag, Berlin, Heidelberg, New York. New Scientist, 2000

Uma primeira proposta de aproximação entre estilo vida e efeito ambiental é a “Pegada Ecológica” (VEIGA, 2013) que estimam a pressão antrópica na natureza, fazendo um paralelo entre hábitos, recursos necessários e área (em hectares) necessária para garantir aquele hábito, por indivíduo. (WORLDWATCH INSTITUTE, 2013)

O estudo recente do Worldwatch Institute (2013) demonstrou que hoje, vive-se uma super exploração de 50% a mais de recursos naturais, renováveis/não renováveis e, principalmente, no que diz respeito ao descarte e assimilação de resíduos.

77 A UNESCO (2012) corrobora com a análise anterior, ao constatar que, um dos fatores problemáticos que somados ao crescimento populacional é a ideia envolta do consumismo, definindo-o como “a tendência que leva as pessoas a buscarem o significado da vida e aceitação dos outros principalmente por meio do que consomem” (UNESCO, 2012, p 5). Aqui se considerar a dimensão do indivíduo, que consome sem pensar na relação pós-consumo, ou seja, de descarte. Gonçalves (2003) associa a relação do consumo e descarte na lixeira, como uma “relação mágica” ironizando o comportamento daqueles que não conhecem o processo pós-consumo.

A UNESCO (2012) trabalha a relação cultural do consumo e a educação ambiental, contudo, já se sabe que qualquer mudança operada a partir das políticas de educação, levam gerações, “a mudança de paradigmas culturais é um processo longo que não leva anos, e sim décadas para acontecer” (UNESCO, 2012, p 7). Por outro lado a ideia do consumo consciente é, segundo Trigueiro (2012), uma alternativa de redirecionar o comportamento social não desejado.

Neste momento, em relação à consciência social, pesquisas realizadas pelo Ministério do Meio Ambiente (MMA, 2012) e pelo instituto AKATU (2010), compilam dados importantes e, esclarecedores, sobre o Brasil.

A pesquisa do MMA (2012) investiga a percepção da população brasileira acerca de questões concernentes à temática ambiental. Um primeiro dado importante diz respeito ao conhecimento do conceito de desenvolvimento sustentável (oficial da ONU). O resultado foi: 53% das pessoas afirmaram nunca ter ouvido, dentre os 47% que já haviam ouvido, apenas 27% responderam o que de fato significa. Logo, percebe-se que mesmo o termo sendo foco de debate desde a década de 1980, ainda não há sua apreensão para a maior parte da população brasileira.

Um segundo dado, constatado pela pesquisa, que aponta uma tendência otimista em relação à população no que diz respeito aos resíduos sólidos. Trata-se primeiro da constatação que 28% da população respondeu que “Aumento no volume de lixo” se destacou como um problema tanto em nível mundial, como em nível nacional. Segundo os organizadores da pesquisa;

“Olhando para a série, a preocupação com o lixo aumentou significativamente, ganhando destaque enquanto problema mundial no ano de 2006. Já no âmbito nacional, a preocupação aparece na pesquisa de 2012, fato que pode ser ter relação com o sucesso da divulgação da Política Nacional de Resíduos Sólidos, iniciada em 2010”. (MMA,2012, p 22)

78 Figura 06. Evolução da percepção do lixo como problema mundial

Fonte: Elaboração própria do autor, adaptado do Ministério do Meio Ambiente (2012)

O segundo fator importante trata da pergunta referente à “percepção dos principais problemas ambientais nas cidades”. Os resultados foram esclarecedores, uma vez que, em primeiro lugar está “o aumento no volume de lixo” com 46%5.

Realizada em 2010 pelo Instituto Ethos e Instituto Akatu, uma segunda pesquisa acerca das questões ambientais e da sociedade brasileira, apresenta um dado que demonstra a capacidade que a educação tem de mudança ao comparar-se ao indicador de renda. Uma vez que compara escolaridade e renda para análise dos que conheciam o conceito de desenvolvimento sustentável, o dado é capaz de refutar, em princípio, a teoria “Enviromental Kuznets Curves” (EKC).

Gráfico 02. Compreensão do significado de sustentabilidade

Fonte: Elaboração do autor com base no Instituto Ethos e AKATU (2010)

79 Os estudos econométricos sobre a EKC, de maneira geral, “apontam que o pico da degradação ambiental tende a ocorrer quando a renda per capita fica entre US$ 5 mil e US$ 8 mil”. Após este nível o crescimento econômico e distribuição per capita “em vez de causar degradação, seria a solução para o meio ambiente” (ALVEZ, 2012, p 1). Contudo, ao observar as variáveis econômicas e educacionais em 2010, percebe-se que, de fato, há correlação, mas, a educação constitui fator mais importante que a renda. Esta varia 33% (entre os que sabem e não sabem), já a educação representa 42%.

Desta forma, as conclusões iniciais de Trigueiro (2012) e da UNESCO (2012) demonstram que a educação é a escolha que representa maior impacto sobre conhecimento ambiental, mais que a renda. Porém, as relações sociais que envolvem consumo e geração de resíduos não se encerram nestes fatores. Se por um lado, à consciência sobre conceitos é importante para o indivíduo, há outra vertente que observa um fenômeno mais subjetivo na relação homem natureza.

Guattari (1990) trabalha com o conceito de ecosofia, que busca observar as características cultivadas no seio social que não só é capaz de mudar seu comportamento com a natureza, tornando-se mais responsáveis, mas de uma redescoberta da significação da vida, de tal forma que o conceito de ética é resgatado. Porém, segundo Sen (1999), ao estudar as leis da economia, demonstra que este debate foi gradativamente abandonado e desvinculado da economia, com consequências sociais graves, como a perda do valor da individualidade e da identidade das relações de comunidade. Para o meio ambiente, a perda desta variável é a consolidação da dualidade homem-ambiente, Siqueira (2009) observa que o resgate da educação ética é fundamental para repensar valores para uma maior compreensão sobre crise ambiental urbana, como ressignificação da vida e compreensão do equilíbrio ambiental como condição intrínseca para a vida.

Por fim, vale retomar uma última questão acerca da variável sociocultural da problemática ambiental, especificamente, relacionada à geração de resíduos. Uma crítica à corresponsabilização da solução ou, a individualização da culpa. Segundo Leonard (2013) há uma lacuna e uma contradição ente comportamento e impacto. Não há dúvida que o consumo individual possui limites, porém, creditar que a solução virá apenas da mudança individual, desacompanhada de uma verdadeira mudança política sobre as indústrias e grandes geradores e, na própria lógica de governo, só permanecerá o “Behavior Gap Impact” (BIG);

80 “mesmo quando os consumidores agem com consciência ambiental, suas pegadas ecológicas tendem, no máximo, a ter uma redução muito ligeira. Ter falsas esperanças a respeito dos ganhos que as mudanças de comportamento a favor do meio ambiente poderiam trazer é comum, mas na realidade trata-se mais de um problema de formulação de políticas do que de comportamento do consumidor" (LEONARD, 2013, p 147).

Para exemplificar, Leonard (2013) traz os exemplos das famílias “lixo zero” que conseguem reduzir a geração de resíduos domésticos à apenas um saco ao ano. Tal atitude é benéfica e interessante, uma vez que reciclar reduz os resíduos enviados a aterros e incineradores, cria empregos para as usinas de reciclagem, o detalhe é;

“que o lixo que vêm dos domicílios americanos representa menos de 3% dos resíduos totais do país. Se focarmos o grosso de nossa atenção em reduzir o lixo de nossas cozinhas, perderemos o potencial muito maior de promover a redução de resíduos em nossas indústrias e negócios – onde ela é verdadeiramente necessária” (LEONARD, 2013, p 149).

Sendo assim, por um lado o consumo, o descarte e a falta de conhecimento individual de todo o processo pós-consumo é um fator que aumenta o desinteresse individual sobre o espaço que o cerca. Na medida em que, os resíduos estejam longe, a gestão estará eficiente (CEDER e CARVALHO, 2014). Esta dualidade aumenta na medida em que as ações individuais são pouco relevantes para a mudança do problema maior. Essa percepção está diretamente ligada à teoria “Olsoniana” (1999) sobre ação coletiva, em que, o indivíduo ao perceber sua irrelevância diante do grupo e resultados na resolução do problema, escolhe racionalmente não agir. O mesmo é observado por Lacerda (2011), o “mal coletivo”, em que a ação coletiva se dá quando os custos de agir são menores que permanecer sob a situação, sendo assim, a ação coletiva permanece um desafio.

Tais questões são de fundamental importância para compreender a variável sociocultural da multidimensionalidade do problema em torno dos resíduos sólidos.