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Como observado no diagrama ao final da primeira parte, surge a necessidade de se compreender o significado conceitual de Estado, governo e políticas públicas uma vez que se considera este agente como o principal indutor de mudanças rumo ao desenvolvimento territorial sustentável.

O aprofundamento dos conceitos serve para a compreensão dos constrangimentos institucionais, bem como, uma avaliação condizente com a realidade sobre o planejamento e, seu processo contingente, que marca como principal característica das relações envolvendo Estado e políticas públicas (MARQUES, 1997).

Outra característica, de fundamental importância, é o processo de governar, especificamente na América Latina (DEUBEL, 2009, OSZLAK e O`DONNELL, 1981), a partir de uma análise teórica de médio alcance, isto é, distancia-se de macro teorias deterministas e aproxima-se de uma análise de escala menor (ARRETCHE, 2007). Esse processo, de aproximação, ressalta a importância do estudo de caso e das características endógenas como de fundamental importância para os resultados finais, mesma conclusão a que chegam os teóricos sobre a crise urbana e seus efeitos circunscritos na cidade.

O debate acerca do processo de governar, especificamente em democracias recentes, como no caso do Brasil ganha destaque a partir da década de 1970 (HOCHMAN et. al, 2007), quando o envolvimento do governo no direcionamento das

55 políticas econômicas de estabilização internas causou interesse científico sobre os padrões dos processos decisórios. Mais recentemente, esse interesse se volta especificamente para as organizações sobre a burocracia, eficiência e transparência no planejamento e nas decisões, trazendo para os estudos de casos ferramentas que ajudem a desvendar a “caixa preta do processo decisório” (ARRETCHE, 2007), numa perspectiva que valoriza as instituições e os constrangimentos internos para atingir uma decisão.

O conceito de governança, já adiantado por Mantovaneli Jr e Sampaio (2010), será observado segundo sua influência para o planejamento e execução de políticas públicas. Este conceito, pode, a fim de se tornar aplicável aos estudos urbanos metropolitanos, adaptar-se à sua variável conhecida como governança metropolitana (ALBUQUERQUE e ALMEIDA, 2013; FRANÇA e FURTADO, 2013; RIBEIRO, 2004; LACERDA, 2012; RAMALHO, 2012; FREY, 2012; ROLNIK e SOMEKH, 2011; ANDRADE, 2010; KLINK, 2009; ALBUQUERQUE, 2007).

A construção inicial da prática, sobre os caminhos da sustentabilidade, tem como base principal a organização dos processos de governo, sendo as políticas públicas a ferramenta de mudança. A complexa teia que compõe os processos decisórios, pode ser mais bem trabalhada, a partir da governança e, em seguida, compreendida a escala da metrópole, por representar o espaço que condensa a crise e, onde, há urgência pela intervenção.

Exatamente por aprofundar a discussão sobre o espaço metropolitano, agregado dos processos de políticas públicas e governo, chega-se à conclusão que, a governança metropolitana é a abordagem que pode ser utilizada para identificar os desafios à sustentabilidade política e administrativa na construção do desenvolvimento territorial sustentável.

6.1 O Processo de Governar a partir da Governança

A concepção de governança, introduzida no debate sobre desenvolvimento territorial sustentável, por Mantovaneli Jr e Sampaio (2010), demonstrou que na busca pelas dimensões da sustentabilidade, deve-se a priori destacar os fatores que servem como pilares, isto é, o governo, as políticas públicas e a dinâmica do processo na realidade.

56 A governança, a priori, busca levantar formas de compreender o fenômeno quando este envolve uma “nova partilha de poder”, ou “new organizational and power sharing forms and modalities are contempleted or programmed” (HOFFMANN, 2013, p 3).

Como observado, a partir das reformas de governo, da abertura ao processo participativo e novos canais institucionalizados, aos fatores de autonomia relativa, as diversas formas de articulação entre Estado-mercado-sociedade, toda a América Latina e, em especial, o Brasil vive um processo que modificou as estruturas de organização de divisão de poder. Surgem novas visões e modelos de planejamento, além de destacar as políticas ligadas ao território e seus atores. O conceito de governança, Segundo Ilyn (2013, p 3), “well suited to embody the shift from a model of asymmetrical top-down government to na alternative vision based on reciprocal partnership intended to chieve political order”. Isso significa que esta proposta metodológica de estudo das ações governamentais torna-se eficiente pois consegue captar a mudança entre um modelo centralizado de decisões que partem do governo central e são acatadas pelos governos locais, para um modelo no qual a escala local ganha margem de flexibilidade para planejar seus próprios sistemas de governo e, para além dessa flexibilidade de planejar localmente surge dois outros fatores: o primeiro trata da colaboração entre sociedade local e o desenho das políticas públicas (participam de inúmeras maneiras chegando a mudar pontos da política pública) e, o segundo ponto diz respeito a ação das outras escalas do governo como colaboradores, ora financiando a política local, ora fornecendo insumos técnicos para o planejamento local, respeitando a autonomia local.

Sendo assim, este modelo é capaz de captar mudanças recentes no estilo de gestão de democracias recentes, como o caso do Brasil, que passou por um sistema de descentralização a partir da constituição de 1988.

Segundo Hoffmann-Martinot (2013) as principais mudanças ocorrem devido ao aumento no número de grupos sociais e políticos e formas de representação, com demandas próprias, em que o Estado se organiza em suas múltiplas escalas para criar espaços de reconhecimento. Esta seria, segundo os autores que tratam da governança, a característica principal da democracia. A possibilidade da inserção dos grupos sociais no processo de gestão, por meio de canais institucionais formais, que se obtivesse, como consequência prática, uma gradual mudança no cotidiano dos “cidadãos”.

As agências multilaterais, como o Banco Mundial, se apropriaram do termo governança e criaram a interpretação, “boa governança” ou, good governance, como

57 explica Ilyin (2013, p 3), “The world Bank and international media were quick to pick up the term and use it in a variety of ways. Together with its derived term, good governance”. Atualmente o conceito, que é bastante abrangente como será observado, serve como indicador da qualidade da gestão, servindo como insumo para financiamentos internacionais e comparações entre países e estados.

Da mesma forma que esses fatores levaram o termo a ganhar visibilidade, contribuiu, também, para tornar-se um “umbrella concept”, amplo e abrangente. Hoje é possível trabalhar com conceitos como governança metropolitana, governança colaborativa, governança ambiental, governança territorial e governança democrática que variam conforme a área de estudo e, aplicabilidade do conceito. Entretanto, uma questão torna-se comum a todas as variações: o grau de atuação das instituições democráticas, ou seja, espaços criados para dar voz e inserir .

Frey (2013) analisa a governança, a partir da administração pública, como a capacidade de superar a gestão compartimentada por áreas, valorizando formas de cooperação, tanto entre setores, como entre agentes (entende-se agentes desde grupos sociais, indivíduos, até municípios, como no caso de áreas metropolitanas). Deve ocorrer, em paralelo, o incentivo a participação social do cidadão na prestação do serviço público, medido pela capacidade de mobilização e, organização da sociedade, para atuar de forma participativa e contínua na vida política da cidade.

Ao analisar o significado do conceito aplicado ao contexto de políticas públicas, Marques (2013, p 8) expõe que;

“Public policies are based on the connections between several actors, within institutional environments and crossing organizational boundaries. These interactions involve conflicts, interests ideas and inequalities of political resources”.

Essa visão consegue tanto retomar a multiplicidade de atores envolvidos no processo a partir de uma lógica institucional, mas que, não se limita as fronteiras formais institucionais. Portanto dá uma compreensão mais prática a ideia de associar governança e políticas públicas bem como da realidade de seus processos.

No caso do Brasil, os processos que tiveram início nos municípios a partir da descentralização, pós-regime militar, trouxe questões bastante peculiares para as dinâmicas de gestão das cidades, desde a questão da descentralização das responsabilidades, até as macro reformas de gestão. Baseado nessas mudanças

58 especificas do Brasil, Marques (2013) define governança a partir da relação dinâmica entre três variáveis.

A primeira foi o processo de redemocratização dos Estados nacionais. Este processo tem como resultado a entrada de novos atores, mudanças de valores e reordenamento do poder. No Brasil, por meio da Constituição Federal de 1988, o país criou a possibilidade legal da participação de novos atores em espaços institucionalizados de gestão e participação direta.

O segundo fator, vai além da participação, inclui a possibilidade de fiscalização de todo o processo. Entendida como accountability, o processo pelos quais os agentes públicos devem promover a transparência e prestação de contas das atividades realizadas. Segundo Espinosa (2007), em contraste com os cenários do passado, de opacidade, patrimonialismo, discricionariedade, os avanços nas formas de accountability tornam a gestão mais moderna, acessível e transparente, cria-se desta forma, um ambiente para possíveis avanços.

O terceiro fator é o processo de reforma do Estado desenvolvido durante o governo de Fernando Henrique iniciado em 1995. Tal processo interpretava governança como “financial and administrative conditions that a government has to transform into reality the decisions it makes” (BRESSER, 1997 apud MARQUES, 2013, p 11). O processo de reforma, baseou-se principalmente, numa reforma administrativa que redesenhou as fronteiras estatal, definindo áreas especificas para ação e buscando lhe dar a capacidade de agir. Esta ideia, justificou, por exemplo, processos de privatizações durante o período;

“The proposal included a redrawing of State boundaries, defining

exclusive areas for state action and others which would be either publicized (in the sense of becoming public but not state-owned) or privatized. The reform managed to approve several legislations,but was not successful when it came to implementation, according to its own formulator” (MARQUES, 2013, p 11).

O resultado desse processo interferiu diretamente na dinâmica do Estado e, nas formas de planejar as políticas públicas. Desde a relação com os atores privados até mesmo nos processos de definição da agenda.

Portanto, governança pode ser compreendida como a relação dinâmica entre a participação (instituições criadas, eficiência da participação, grau de participação), accountability (transparência dos processos, prestação de contas, forma de fiscalizar as

59 ações e exigir respostas) e, por último, a relação da ação estatal e da permeabilidade por atores privados na definição de agendas.

A variável política, é constatada de forma transversal e de maneira setorial uma vez que os constrangimentos políticos se manifestam de maneira complexa, como a relação entre partidos e interesses políticos.

É importante observar que esses fatores ocorrem em momentos diferentes (descentralização, transparência e reforma), mas eles são fatores institucionais importantes para compreender como o governo desempenha suas atividades. A governança, deste modo, levanta questões político-administrativas capazes de decifrar o significado local de sustentabilidade política e sustentabilidade administrativa.

A qualidade das instituições, pode, também, ser observada pela qualidade da permeabilidade que possui, ou seja, à quem é possível a participação e, como ocorre essa permeabilidade, haja vista, os grupos de interesse que se formam. Uma vez que instituições de baixa qualidade são úteis à formação do “the king of the hill”4

(MELVILLE, 2013, p 6) é possível que instituições permaneçam precárias em favor do uso político.

Volta-se, neste momento, para a hipótese central desta dissertação: Em regiões metropolitanas, espaços onde a crise ambiental urbana se manifesta em sua maior intensidade, a busca pelo desenvolvimento territorial sustentável, deve estar baseada, portanto, no melhoramento das capacidades de governança. Esta é a base para que se consiga tanto sustentabilidade administrativa, como sustentabilidade política.

Resta compreender o debate acerca da metrópole e porque esta escala espacial merece especial importância teórica e prática no estudo das políticas públicas.