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A Dinâmica Migrações-Segurança

No documento Seminário IDN Jovem [V] (páginas 160-163)

No quadro teórico-conceptual, a relação migrações segurança é usualmente anali- sada sob duas principais perspetivas: a perspetiva dos estudos securitários e a perspetiva dos estudos migratórios, fazendo desta temática “contestada”, “complexa” e “multiface- tada” (Huysmans e Squire, 2009, p. 3). É ainda comum a referência ao fenómeno como “nexo migrações-segurança”, retratado por Faist (2002) e outros especialistas.

Os ataques terroristas do 11 de setembro constituem um importante marco no desenvolvimento recente do “nexo migração-segurança” (Faist, 2002): imprimiram sobre a folha das migrações a equivalência entre as questões securitárias e o terrorismo numa conjuntura que prenuncia o crescimento dos fluxos migratórios (Adamson, 2006; Faist, 2003). Adamson (2006, p. 195) relata-nos que “Desde os ataques terroristas do 11 de setembro, as questões relacionadas com a migração e a segurança são cada vez mais vistas através da lente do terrorismo internacional”, sobretudo a Ocidente, nos EUA e na Europa. “The end of the Cold War has widened the political space for actors in the public sphere to focus on diffuse and hard-to-grasp security threats that do not emanate from sovereign states but from non-state actors, involving issues such as crime, drugs, migration. International migration has served as a convenient reference point for unspe- cific fears” (Faist, 2002, p. 5).

O enorme fluxo de migrantes, possibilitado pelo elevado desenvolvimento tecnoló- gico e multiplicação das interdependências económicas, acompanhados da difusão de ameaças transnacionais e a necessidade económica de abertura a mão-de-obra e investi- mento estrangeiro foram ampliando a importância e complexidade das migrações. Con- frontado com este quadro, a sua ação política divide-se em duas principais vertentes: controlar o trânsito sobre as suas fronteiras e condicionar a concessão de cidadania ou estatuto legal semelhante (Adamson, 2006, p. 180).

Foi o crescimento de fenómenos como a multiplicação de conflitos, catástrofes cli- máticas, doenças e outras ameaças de natureza inter e transnacionais que, com uma fre- quência cada vez maior, se abatem sobre múltiplas regiões pelo globo, foram condicio-

nando à adoção de uma perspetiva securitária dos fenómenos migratórios, no que se chama o processo de “securitização da migração” (Faist, 2003; Adamson, 2006; Huys- mans e Squire, 2009; Koser, 2015).

O carácter amplo e difuso do conceito de “segurança” e a multiplicidade de manifes- tações que tomam as “migrações” atribuem uma grande abrangência e complexidade ao produto do seu inter-relacionamento. Se problemas de (in)segurança conseguem despo- letar movimentos migratórios, também é verdade que movimentos migratórios despole- tam questões securitárias, quer para os indivíduos envolvidos, quer para os Estados de trânsito, quer ainda para a estabilidade internacional. De forma ainda mais intrincada, a própria migração pode ter efeitos positivos sobre a segurança de um Estado, quando esta promova a homogeneidade cultural para conservação da identidade nacional, quando se procure resolver crises demográficas ou quando a sua capacidade em termos de intelligence

saia reforçada com a necessidade de monitorização da população em sede de políticas de securitização instigadas por fenómenos migratórios.

No âmbito da imigração ilegal, permeia o crime organizado, consubstanciado nas atividades de tráfico humano, de droga e de armas, contrabando, práticas violentas e outros tipos de atos ilícitos violadores da ordem, da autoridade, da segurança individual e de Estado (Adamson, 2006, p. 193; Faist, 2002; IOM e UN, 2018, p. 3; Wiener, 1992, pp. 109-110). Estes atores “Utiliza[m] canais migratórios e comunidades de imigrantes para mobilizar transnacionalmente e, por vezes, empreg[am] violência política que desafia os interesses de segurança de Estado” (Adamson, 2006, p. 191), fenómeno que, apesar de ter relevância atual, não é novo.

A penetração de fronteiras por grandes contingentes de refugiados, a potencial infil- tração de indivíduos pertencentes a redes terroristas e a suscetibilidade da agenda política nacional a interesses estrangeiros por via de lobbying e da pressão provocada por diásporas

constituem três situações de desafio à capacidade de controlo de Estado: sobre o seu território, sobre a sua população e sobre a sua autodeterminação no plano político e, por conseguinte, à sua “capacidade de manter soberania (…) pondo em questão a própria base da sua segurança” (Adamson, 2006, p. 175). Além do mais, a um nível basilar, o crescimento do número de migrantes, o desafio da multiculturalidade, a proliferação de redes transnacionais e a globalização económica constituem fenómenos que “(…) desa- fiam a noção de estado territorial como uma entidade determinada com um território e populações claramente demarcados” (Adamson, 2006, p. 175), características soberanas e considerações-base da conceção tradicional de segurança, perspetiva de acordo com a qual determinados fenómenos migratórios constituem “ameaças ontológicas às frontei- ras dos Estados soberanos” (Adamson, 2006, p. 175), efetivamente “ameaças existen- ciais” (Faist, 2002, p. 9). A proliferação e carácter difuso de ameaças transnacionais aco- plada com o crescimento dos fluxos migratórios determinam o reforço das capacidades de controlo do Estado sobre o seu território e população, condições-base da sua sobera- nia. Num contexto de aumento das interdependências e de grande mobilidade territorial de pessoas, fatores produtivos e capitais em que a erosão das fronteiras é aparência, erguem-se barreiras que remetem para os princípios do paradigma vestefaliano e reforço

da soberania, numa lógica paradoxal: “A globalização pode ser sobre deitar abaixo fron- teiras económicas, como enfatizam os globalistas, mas também criou mais trabalho de policiamento de fronteiras para o Estado. Ao mesmo tempo que a globalização se trata de mobilidade e de acesso territorial, os estados estão a tentar seletivamente reforçar controlos de fronteiras” (Andreas apud Adamson, 2006, p. 178)

Estes desafios também colocam ainda em questão outros componentes da segurança nacional, designadamente a “identidade nacional unitária” (Adamson, 2006, p. 175). Por outro lado, com a globalização da geoeconomia e da geofinança, a sustentabilidade eco- nómica dos Estados vê no crescimento do lucro e dos mercados fatores de grande peso na satisfação de necessidades e, consequentemente, na aceitação ou recusa da imigração, sobrepondo-se, inclusive, por vezes, a fatores culturais e identitários, também estes com- ponentes securitários (Adamson, 2006, p. 182). Nestes casos, as forças de mercado “(…) desafia[m as] funções tradicionais de estado” (Adamson, 2006, p. 182) provocando ten- sões na realização das várias vertentes securitárias, sejam a segurança económica, do Estado social, identitária, cultural e inclusive territorial ou física.

Ademais, considerada a natureza transnacional de grande parte do volume migrató- rio, os mecanismos de gestão e controlo terão que ser organizados ao nível supranacional, por via da cooperação internacional, que pode implicar “abdica[ção] seletiv[a] de dimen- sões da sua autonomia por forma a aumentar a sua capacidade de controlar as suas fron- teiras (…)” (Adamson, 2006, p. 180), reforçando a sua capacidade e, simultaneamente, condicionando a sua soberania.

A gestão política da migração implica, nesse sentido, um esforço delicado na gestão da abertura e/ou encerramento das suas fronteiras, procurando o “(…) balanço entre o controlo fronteiriço e a recolha de informação, por um lado, e facilitando os benefícios de manter fronteiras relativamente abertas, por outro, (…)” (Adamson, 2006, p. 196). Por isso, é necessária uma abordagem analítica que não ignore demasiado os medos das populações e dos atores e que, ao mesmo tempo, não olhe para toda e qualquer ansiedade acerca de imigrantes como justificação para a exclusão (Wiener, 1992, p. 104).

Economia

A deslocação internacional de grandes contingentes de refugiados sobrecarrega a capacidade, em termos de previdência e recursos, dos Estados de trânsito e destino (Ada- mson, 2006; Wiener, 1992).

Nas geografias e setores particularmente afetados por escassez criam-se condições para o aparecimento de “conflitos sobre recursos” (Adamson, 2006, p. 176). Aquelas podem “exacerba[r] assuntos de insegurança alimentar” (IOM e UN, 2018, p. 3), em particular nos países da geografia da fome, “(…) ocupando ilegalmente prédios públicos ou privadas, apropriando-se do gado, consumindo escassa água, produzindo lixo e des- florestando os locais de passagem, podendo considerar-se uma verdadeira ‘ameaça eco- lógica’ e ‘gerar ressentimento local’” (Wiener, 1992, p. 114).

Se é verdade que a receção de grandes grupos de migrantes impõe avultados custos para o Estado e constrangem a sua função de previdência, podendo desencadear medo

de tipo económico junto da população (Wiener, 1992, p. 114), também é um facto que as remessas enviadas pelos emigrantes aos seus familiares e amigos no país de origem cons- tituem uma importante fonte do rendimento nacional (Adamson, 2006, p. 187; Wiener, 1992, pp. 95-96), uma fonte financeira mais estável e abundante2 que outros tipos de

transferências de capital estrangeiro (Adamson, 2006, pp. 187-188).

A segurança económica exigirá medidas políticas tão variadas consoante as condi- ções económicas do país particular. A abertura à imigração pode agudizar a circunstância de um país já particularmente afetado pelo desemprego, agravando o risco securitário no domínio económico. As pressões económicas, sociais e políticas têm, então, de ser geri- das por via da policy e do debate público, por forma a corresponder às expectativas dos

seus cidadãos de “(…) serem providenciados com bom trabalho e salários crescentes ou os governos perdem poder” (Salmon e Imber, 2008, p. 138).

Outras geografias encontram-se, por outro lado, extremamente dependentes da mão-de-obra providenciada pelas entradas de imigrantes. Nestes casos, a realização da segurança económica depende de uma política migratória recetiva, essencial ao bom desempenho económico (Adamson, 2006, pp. 169-170).

A relação entre migração e segurança económica, à luz da perspetiva de Estado, é analisada sob duas vertentes: manter fora das fronteiras população indesejada, permi- tindo entrar apenas a população pretendida. A preponderância do interesse económico, indispensável à realização da segurança, atribui grande importância ao fator migratório nos quadros laborais e de competitividade económica. Nesse sentido, alguns Estados desenvolvem políticas migratórias de incentivo à imigração de população estrangeira alta- mente especializada para capacitação científica e tecnológica, determinada pela adoção de medidas políticas como o visa H-1B americano ou Green Card alemão, e os vistos gerais

destinados a estudantes. A insegurança migratória neste caso é mais óbvia no país de origem, em particular nos menos desenvolvidos, que sofre com o fenómeno de brain drain, ou seja, de saída de mão-de-obra altamente especializada (Adamson, 2006, p. 187;

Hirschman, 2004, p. 1).

Recentemente, em face da evidência dos contágios económicos facilitados pelas interdependências e por razões de aprofundamentos dos processos sociais de globaliza- ção, tem sucedido nos EUA uma tendência adversa à imigração, conduzindo à implemen- tação de políticas intolerantes que têm prejudicado a concessão de vistos para estudantes, levando alguns autores a questionarem-se sobre a “(…) habilidade dos Estados Unidos de manter a liderança na ciência e tecnologia caso essas restrições continuem” (Adamson, 2006, pp. 186-187).

No documento Seminário IDN Jovem [V] (páginas 160-163)