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CAPÍTULO 2 – Da metrópole à Cidade Região Paulista

2.4 A dinâmica populacional da Cidade-Região Paulista

Ao longo do primeiro capítulo e também no decorrer deste, objetivou-se elevar a compreensão sobres as lógicas relacionadas à transformação nos ambientes metropolitanos e a formação de novas formas urbanas como a cidade-região. Mostrou-se que a morfologia urbana cidade-região é um “arranjo espacial” (HARVEY, 2013) inerente ao novo estágio de acumulação do capital, bem como demonstrou à ascendência de um novo fato urbano de caráter metropolitano (a cidade-região) no estado de São Paulo. Nesse sentido, o presente estudo preocupa-se em investigar se estas transformações têm reflexos também sobre as formas como a população se redistribui pelo espaço que, agora, se reorganiza com as mudanças nas lógicas de acumulação do capital.

Questiona-se, por exemplo, se o processo de desconcentração industrial e do emprego, favoreceu (e pode continuar favorecendo) a concentração e reconcentração da população. Ao considerar o caso brasileiro e, em específico o estado de São Paulo, observa-se que a reorganização do espaço produtivo nesta localidade, impulsionada pela reestruturação produtiva e por ações do estado, foi de fato acompanhada por significativas mudanças no processo de redistribuição espacial da população, sendo um dos exemplos o chamado (e discutível) crescimento das cidades de porte populacional médio115.

Sobre o crescimento desta categoria de cidades, torna-se necessário fazer algumas ressalvas. Neste contexto, o trabalho de Silva; Cunha e Ortega (2017) demonstrou que grande parte das cidades de porte populacional médio que apresentaram taxas de crescimento populacional acima da média do estado de São Paulo estavam localizadas no perímetro da CRP. Esta constatação suscita que o crescimento desta tipologia de município não ocorreu por uma mera desconcentração ou interiorização da população, mas era (e ainda é) um fato inerente a conformação de uma nova forma urbana. Na realidade, um dos pressupostos defendidos neste estudo é que a dita desconcentração populacional, evidenciada no estado de

115 Estudos como Sposito (2007; 2010; 2011), Araujo; Moura e Dias (2011), entre outros autores, debruçaram

São Paulo, não representou uma total desconcentração/interiorização, mas representou os movimentos de redistribuição espacial da população que estão relacionados à constituição da Cidade-Região de São Paulo116.

A despeito da emergência desta nova morfologia urbana e de suas relações com as transformações na dinâmica populacional, Limonad (2007, p. 147) afirma que, com as mudanças no processo de “acumulação, circulação e distribuição das atividades produtivas”, verificam-se, também, novos padrões de distribuição espacial da população. Uma destas mudanças, observadas por muitos autores (MATTOS, 2004; REIS FILHO, 2006), e que se perfaz por uma característica das metrópoles contemporâneas, é o crescimento das áreas perimetropolitanas117. Em relação às metrópoles brasileiras (como é o caso RMSP), desde a década de 1970 nota-se um expressivo crescimento das áreas periféricas de diversas regiões metropolitanas, o qual foi marcado principalmente pelo adensamento da população pobre nas bordas das RM’s. Para pesquisadores como Reis Filho (2006) e Lencioni (2006), este fenômeno denominado de periferização da população já era um prenúncio de conformação da Cidade-Região de São Paulo. Entretanto, pontua-se que o crescimento das áreas de borda das regiões metropolitanas na atualidade tem ganhado novas nuances, continuando a apresentar aumento populacional, mesmo em tempos de baixo crescimento vegetativo e declínio nos fluxos migratórios.

De fato, agora, o movimento centrífugo da população não engloba apenas indivíduos de baixa renda, mas, também, verifica-se que as áreas periféricas, na atualidade, têm sido local de residência de uma parcela abastada da população, principalmente com a difusão dos chamados “enclaves fortificados118” (CALDEIRA, 1997) pelas áreas periféricas

que, cada vez mais, fragmentam o tecido urbano. Além do crescimento das áreas perimetropolitanas, ao longo dos últimos anos observou-se que os aglomerados urbanos localizados ao redor da Região Metropolitana de São Paulo (núcleo principal da CRP), passaram a apresentar taxas geométricas de crescimento populacional superior à média regional (TABELA 4). São os casos, por exemplo, de regiões como a RMC, Sorocaba e Jundiaí. Na realidade, todos os aglomerados que compõem a CRP, com exceção da RMSP,

116 O trabalho de Silva; Cunha e Ortega (2017) objetivou analisar o papel das cidades de porte médio no processo

de interiorização. Os autores notaram que as maiores taxas de crescimento populacional e os fluxos migratórios mais expressivos ocorreram em direção às cidades médias localizadas em RMs e AUs (em síntese na Macrometrópole Paulista), o que levou os autores a relativizarem processo de desconcentração e interiorização no estado de São Paulo.

117 Este crescimento das áreas perimetropolitanas (ou periurbanas) muito se relaciona à ação do mercado de

terras, como se verá adiante.

118 Caldeira (1997, p. 155) definiu os enclaves fortificados como “espaços privatizados, fechados e monitorados

apresentaram nos períodos analisados uma taxa de crescimento superior à média regional. Por exemplo, entre 1991 e 2000, a RMC cresceu a 2.5 percentuais ao ano, e no período posterior apresentou uma taxa de crescimento de 1.8% a.a. Isto é, uma intensidade de acréscimo populacional superior à da CRP como um todo e, sobretudo, da região metropolitana de São Paulo.

TABELA 4 – População residente censitária, grau de urbanização, peso relativo da população e crescimento populacional. Regiões Metropolitanas e Aglomerados Urbanos da Cidade-Região

Paulista, 1991, 2000, 2010

(Cont...)

Fonte: IBGE (Censos Demográficos, 1991; 2000; 2010).

Destaca-se que as expressivas taxas de crescimento populacional de muitos destes aglomerados se relaciona à dinâmica migratória que, como se verá no próximo capítulo, tem manifestado mudanças ao longo das últimas décadas. Assim, se no passado, os fluxos migratórios de longa distância ditavam o conteúdo da migração; na atualidade, com a redução do volume da migração em geral e da migração interestadual em particular, os impactos e a importância de outras modalidades migratórias se tornam mais evidentes (CUNHA, 2011). Logo, os fluxos de curta e média distância (tais como os intrametropolitanos e inter- regionais), ainda que em termos relativo, passaram a ganhar maior destaque.

Um outro aspecto notável, além do caráter concentrador da cidade-região, é a distribuição desigual da população nesta porção territorial. De acordo com os dados do último censo demográfico (2010), aproximadamente 75% da população no estado de São Paulo residia em algum município da cidade-região, o que demonstra seu caráter concentrador; 1991 2000 2010 1991 2000 2010 1991/2000 2000/2010 1991/2000 2000/2010 1991/2000 2000/2010 RMSP 15.444.941 17.878.703 19.683.975 66,7 65,3 64,1 2.433.762 1.805.272 -66.065 -277.064 2.499.827 2.082.336 RMC 1.874.235 2.348.059 2.808.906 8,1 8,6 9,1 473.824 460.847 204.383 233.761 269.441 227.086 RMBS 1.220.249 1.476.820 1.664.136 5,3 5,4 5,4 256.571 187.316 100.899 51.810 155.672 135.506 RMVPLN 1.651.594 1.992.110 2.264.594 7,1 7,3 7,4 340.516 272.484 80.441 67.690 260.075 204.794 RMS 1.257.240 1.602.909 1.871.162 5,4 5,9 6,1 345.669 268.253 145.459 108.155 200.210 160.098 AUJ 467.670 580.131 698.724 2,0 2,1 2,3 112.461 118.593 43.960 56.495 68.501 62.098 AUP 981.437 1.180.570 1.332.507 4,2 4,3 4,3 199.133 151.937 69.500 54.350 129.633 97.587 URBR 257.601 326.336 379.969 1,1 1,2 1,2 68.735 53.633 31.749 24.951 36.986 28.682 CRP 23.154.967 27.385.638 30.703.973 23.154.967 27.385.638 30.703.973 4.345.133 3.411.492 663.656 377.816 3.681.477 3.033.676 Aglomerados População residente Distribuição relativa da população

Crescimento populacional

Total Migratório Vegetativo

1991/2000 2000/2010 1991/2000 2000/2010 1991/2000 2000/2010 1991 2000 2010 RMSP 1,6 1,0 0,0 -0,1 -2,7 -15,3 93,0 94,6 95,6 RMC 2,5 1,8 1,0 0,8 43,1 50,7 75,0 90,6 93,3 RMBS 2,1 1,2 0,8 0,3 39,3 27,7 87,9 99,1 99,5 RMVPLN 2,1 1,3 0,4 0,3 23,6 24,8 67,4 76,8 78,9 RMS 2,7 1,6 1,0 0,6 42,1 40,3 60,5 73,7 77,1 AUJ 2,4 1,9 0,8 0,8 39,1 47,6 78,4 85,4 89,8 AUP 2,1 1,2 0,7 0,4 34,9 35,8 75,5 86,3 89,7 URBR 2,7 1,5 1,1 0,7 46,2 46,5 54,7 65,4 73,5 CRP 1,90 1,16 2,38 1,21 15,27 11,07 74,5 84,4 87,6 Peso relativo da migração no crescimento Taxas médias anuais

Taxa de crescimento Migração líquida

todavia, 64% da população residente na CR estava concentrada na região metropolitana de São Paulo, refletindo o quão desigual é a distribuição da população na cidade-região.

Mesmo que timidamente a RMSP venha experimentando uma redução na concentração relativa de sua população, fruto do decréscimo de sua taxa de crescimento demográfico, para níveis abaixo da média regional, é preciso ressaltar que a RM de São Paulo não diminuiu o seu contingente populacional ao longo das últimas décadas e, mais que isso, os incrementos demográficos decenais são incomparáveis frente a qualquer área do país. Na verdade, o baixo ritmo de crescimento que vem caracterizando a RMSP nos últimos anos, vincula-se basicamente às mudanças na dinâmica populacional (principalmente migratória) do município de São Paulo, pois observa-senos municípios localizados no entorno da cidade de São Paulo um comportamento diferente, ou seja, de crescimento dos seus pesos relativos na cidade-região (TABELA 5).

Ao analisar a Tabela 5, verifica-se que, assim como a RMSP é caracterizada por um crescimento dos municípios periféricos superior ao município polo, configurando um típico padrão centrífugo de redistribuição centro-periferia, outros aglomerados da cidade- região também apresentaram o mesmo padrão de distribuição de suas populações, como é o caso da Região Metropolitana de Campinas119. Por exemplo, no decênio 2000/2010, enquanto o município polo da RMC cresceu a uma taxa de 1.1% a.a., as cidades localizadas ao seu redor apresentaram um valor superior a 2% a.a. Outro aspecto notável a partir da Tabela 5, diz respeito ao fato de que diversas RM’s e aglomerados da CRP apresentaram taxas de crescimento populacional acima da média regional e superiores a RMSP. Em outras palavras, os aglomerados considerados periféricos na cidade-região vêm crescendo mais que a principal região metropolitana da CR, o que sugere que o processo de redistribuição espacial da população partindo da metrópole paulistana em direção ao “interior’ de São Paulo, especialmente para o seu interior próximo, continua intenso.

119 Cunha (2006) e Dotta (2015) analisaram como a população da Região Metropolitana de Campinas vem se

TABELA 5 – População Residente, peso relativo da população e crescimento populacional, município sede e entorno. Regiões Metropolitanas e Aglomerados Urbanos da Cidade-Região Paulista, 1991, 2000 e 2010

Fonte: IBGE (Censos Demográficos 1991; 2000; 2010).

1991/2000 2000/2010 1991/2000 2000/2010 1991/2000 2000/2010 1991/2000 2000/2010 1991/2000 2000/2010 1991/2000 2000/2010 RMSP 15.444.941 17.878.703 19.683.975 66,7 65,3 64,1 2.433.762 1.805.272 -66.065 -277.064 2.499.827 2.082.336 1,6 1,0 0,0 -0,1 -2,7 -15,3 São Paulo 9.646.185 10.434.252 11.253.503 41,7 38,1 36,7 788.067 819.251 -616.564 -303.582 1.404.631 1.122.833 0,9 0,8 -0,7 -0,3 -78,2 -37,1 Demais Municípios da RMSP 5.798.756 7.444.451 8.430.472 25,0 27,2 27,5 1.645.695 986.021 550.499 26.518 1.095.196 959.503 2,8 1,3 0,8 0,0 33,5 2,7 RMC 1.874.235 2.348.059 2.808.906 8,1 8,6 9,1 473.824 460.847 204.383 233.761 269.441 227.086 2,5 1,8 1,0 0,8 43,1 50,7 Campinas 847.595 969.396 1.080.113 3,7 3,5 3,5 121.801 110.717 15.342 28.637 106.459 82.080 1,5 1,1 0,2 0,3 12,6 25,9 Demais Municípios da RMC 1.026.640 1.378.663 1.728.793 4,4 5,0 5,6 352.023 350.130 189.041 205.124 162.982 145.006 3,3 2,3 1,5 1,2 53,7 58,6 RMBS 1.220.249 1.476.820 1.664.136 5,3 5,4 5,4 256.571 187.316 100.899 51.810 155.672 135.506 2,1 1,2 0,8 0,3 39,3 27,7 Santos 428.923 417.983 419.400 1,9 1,5 1,4 -10.940 1.417 -33.996 -12.612 23.056 14.029 -0,3 0,0 -0,9 -0,3 310,7 -890,0 Demais Municípios da RMBS 791.326 1.058.837 1.244.736 3,4 3,9 4,1 267.511 185.899 134.895 64.422 132.616 121.477 3,3 1,6 1,4 0,5 50,4 34,7 RMVPLN 1.651.594 1.992.110 2.264.594 7,1 7,3 7,4 340.516 272.484 80.441 67.690 260.075 204.794 2,1 1,3 0,4 0,3 23,6 24,8 São José dos Campos 442.370 539.313 629.921 1,9 2,0 2,1 96.943 90.608 21.734 28.241 75.209 62.367 2,2 1,6 0,4 0,4 22,4 31,2 Demais Municípios da RMVPLN 1.209.224 1.452.797 1.634.673 5,2 5,3 5,3 243.573 181.876 58.707 39.449 184.866 142.427 2,1 1,2 0,4 0,2 24,1 21,7 RMS 1.257.240 1.602.909 1.871.162 5,4 5,9 6,1 345.669 268.253 145.459 108.155 200.210 160.098 2,7 1,6 1,0 0,6 42,1 40,3 Sorocaba 379.006 493.468 586.625 1,6 1,8 1,9 114.462 93.157 56.545 46.424 57.917 46.733 3,0 1,7 1,3 0,8 49,4 49,8 Demais Municípios da RMS 878.234 1.109.441 1.284.537 3,8 4,1 4,2 231.207 175.096 88.914 61.731 142.293 113.365 2,6 1,5 0,9 0,5 38,5 35,3 AUJ 467.670 580.131 698.724 2,0 2,1 2,3 112.461 118.593 43.960 56.495 68.501 62.098 2,4 1,9 0,8 0,8 39,1 47,6 Jundiaí 289.269 323.397 370.126 1,2 1,2 1,2 34.128 46.729 297 19.121 33.831 27.608 1,2 1,4 0,0 0,5 0,9 40,9 Demais Municípios da AUJ 178.401 256.734 328.598 0,8 0,9 1,1 78.333 71.864 43.663 37.374 34.670 34.490 4,1 2,5 1,9 1,1 55,7 52,0 AUP 981.437 1.180.570 1.332.507 4,2 4,3 4,3 199.133 151.937 69.500 54.350 129.633 97.587 2,1 1,2 0,7 0,4 34,9 35,8 Piracicaba 283.833 329.158 364.571 1,2 1,2 1,2 45.325 35.413 10.369 7.929 34.956 27.484 1,7 1,0 0,4 0,2 22,9 22,4 Demais Municípios da AUP 697.604 851.412 967.936 3,0 3,1 3,2 153.808 116.524 59.131 46.421 94.677 70.103 2,2 1,3 0,8 0,5 38,4 39,8 URBR 257.601 326.336 379.969 1,1 1,2 1,2 68.735 53.633 31.749 24.951 36.986 28.682 2,7 1,5 1,1 0,7 46,2 46,5 Bragança Paulista 108.980 125.031 146.744 0,5 0,5 0,5 16.051 21.713 843 10.717 15.208 10.996 1,5 1,6 0,1 0,7 5,3 49,4 Demais Municípios da RMBS 148.621 201.305 233.225 0,6 0,7 0,8 52.684 31.920 30.906 14.234 21.778 17.686 3,4 1,5 1,7 0,6 58,7 44,6 CRP 23.154.967 27.385.638 30.703.973 23.154.967 27.385.638 30.703.973 4.345.133 3.411.492 663.656 377.816 3.681.477 3.033.676 1,90 1,16 2,38 1,21 15,27 11,07

Taxa de crescimento Migração líquida

Peso relativo da migração no crescimento 1991 2000 2010 1991 2000 2010

Aglomerações

População residente Distribuição relativa da população Crescimento populacional Taxas médias anuais

O crescimento populacional da Cidade-Região Paulista, assim como seus vetores de expansão, pode ser evidenciado através daFIGURA 11. A partir destes mapas, pode-se constatar que os municípios que registraram as maiores taxas de crescimento populacional nos dois períodos analisados foram aqueles localizados ao longo dos principais eixos viários da CRP (Eixo Anhanguera-Bandeirantes, Castelo Branco e Rodovia Presidente Dutra). Também é possível observar um vetor de expansão e crescimento populacional no sentido noroeste da CR, onde está localizada a Aglomeração Urbana de Jundiaí e a Região Metropolitana de Campinas. Outro fato notável no conjunto de mapas apresentado na FIGURA 11, é a significativa redução do crescimento populacional ao longo dos dois decênios considerados, com grande parte dos municípios pertencentes à CRP, crescendo a taxas inferiores a 1,7% a.a. nos anos 2000. Este fenômeno não se justifica apenas pela continuidade do declínio do número médio de filhos por mulher, mas também significativa redução nos fluxos migratórios.

FIGURA 11 – Taxa geométricas de crescimento populacional por município. Cidade-Região Paulista, 1991/2000 e 2000/2010

Fonte: IBGE (Censos Demográficos 1991; 2000; 2010).

A FIGURA 11 permite observar não apenas a reprodução do padrão de crescimento populacional centro-periferia em muitos dos aglomerados, mas também a configuração de uma clara contiguidade socioespacial deste crescimento nas áreas limítrofes dos aglomerados urbanos, como é caso, por exemplo, do que se observa no eixo que liga a

RMSP às aglomerações de Jundiaí e Campinas. É preciso pontuar que este processo de crescimento populacional dos municípios e das regiões que conformam a cidade-região, não reflete apenas a dinâmica de reestruturação dos arranjos produtivos, mas também se relacionam à dinâmica do mercado de terras120, que atua, principalmente, na escala do espaço metropolitano (condicionando a chamada mobilidade residencial), mas também no espaço regional, como será visto no capítulo 3. Na realidade, na lógica da estruturação da metrópole contemporânea, têm-se novas maneiras de reprodução do espaço urbano, tais como movimentos de “extensão/expansão/dispersão” do tecido metropolitano que redefinem as relações centro-periferia (CARLOS, 2013, p. 35).

Através da continua expansão do mercado de terras, para além das áreas centrais das regiões metropolitanas, novas áreas vão sendo incorporadas às metrópoles e à cidade- região. Ao adentrarem na lógica urbana-metropolitana da CRP, através do uso da terra, estas áreas também passam a fazer parte de um espaço de fluxos, por suas possibilidades de se tornaremlocal de moradia ou de trabalho para uma população que cada vez mais se espraia pelo tecido metropolitano. Para Carlos (2013), estes movimentos de expansão e dispersão do tecido metropolitano caracterizam-se pela valorização e desvalorização de certas áreas da metrópole que não são lineares temporalmente, mas são contínuos espacialmente. Nas palavras da autora:

[...] o que se nota é um movimento de redefinição de centralidades na medida em que se expande através da constituição de novos centros de produção e consumo nas antigas franjas da metrópole. No centro como na periferia, o processo envolve um movimento de valorização (de novas áreas), desvalorização (das áreas centrais da metrópole, das antigas áreas industriais) e revalorização (de antigas áreas deterioradas ou com outros usos e funções). Esse movimento de valorização, desvalorização-revalorização das áreas da metrópole se realiza como movimento da produção/reprodução do espaço urbano da metrópole em dois momentos históricos distintos da acumulação capitalista, porém não lineares temporalmente e contínuos espacialmente (CARLOS, 2013, p. 38).

Cabe salientar, no entanto, que a dinâmica de crescimento e expansão do tecido urbano-metropolitano possui uma lógica distinta da lógica de estruturação da cidade-região.

120 De fato, este trabalho não tem a pretensão, e por esta razão não realiza uma total discussão sobre a produção

social do espaço urbano e suas relações com os agentes modeladores deste espaço. Portanto, não adenstra a teoria da renda da terra e suas relações com a produção do solo urbano. Todavia, a presente tese assume que há um “mercado de terras” atuando na produção do espaço urbano, produzindo localizações e centralidades, influindo na distribuição dos grupos sociais e sendo fruto de interesses diversos. Neste contexto, sobre a produção mercantilista das metrópoles, Lencioni (2015, p. 154) ressalta que “a metrópole em seus fragmentos é cada vez mais produzida para ser mercantilizada (LÉFEBVRE, 1976, p. 236)”. O que menos importa é o uso, ou seja, produzir habitação ou imóveis de escritórios não tem como objetivo o seu valor de uso, de servir de mo- radia ou de escritório. A finalidade principal é a produção do imóvel em si, mirando seu valor de mercado. O feito principal é a troca, a realização da mercadoria, sobrepondo-se ao intuito do uso.

Se a estruturação das áreas metropolitanas e sua expansão em muito se relacionam à ação dos agentes modeladores do espaço urbano121 (mas sem desconsiderar também a desconcentração da atividade econômica), a estruturação da cidade-região tende, pelo menos em um primeiro momento, a se relacionar às dinâmicas dos setores produtivos e econômicos. Todavia, é nesta expansão do tecido metropolitano e de rearranjo dos setores produtivos que a metrópole contemporânea se conforma, com lógicas próprias da escala metropolitana e da escala regional, mas que se complementam em uma dinâmica que é urbano-regional.

Este processo de dispersão do tecido metropolitano e de expansão do mercado de terras, além de poder ser evidenciado pelas taxas de crescimento populacional, também pode ser demonstrado pelas taxas de crescimento dos domicílios particulares permanentes por município122 (FIGURA 12). Através desta figura, percebe-se que quase todos os aglomerados urbanos da CRP registraram um padrão de crescimento de domicílios que se assemelha ao modelo de redistribuição espacial da população do tipo centro-periferia. Com exceção da RMVPLN, em todas as outras regiões (especialmente na RMSP e RMC), nota-se que, assim como a população, o número de domicílios nos municípios periféricos cresceu a taxas muito maiores do que a respectiva cidade polo. Na verdade, mesmo que a taxa de crescimento dos domicílios tenha reduzido no decênio 2000/2010, verifica-se que este padrão centrífugo de crescimento ainda permanece. Sublinha-se que, muito provavelmente, este constante crescimento das bordas metropolitanas, por vezes, relaciona-se à procura por moradia no âmbito das regiões metropolitanas, uma vez que, como se sabe, as áreas centrais das RM’s são caracterizadas pelo alto preço do solo urbano, além de uma saturação do potencial construtivo.

121 Para Corrêa (1995) os agentes modeladores do espaço urbano são: os proprietários dos meios de produção

(sobretudo os grandes industriais); os proprietários fundiários; os promotores imobiliários; o Estado e os grupos sociais excluídos.

122 O crescimento dos domicílios em qualquer área das RM’s estudadas não se deve apenas aos movimentos de

redistribuição espacial da população, mas também devem ser considerados à luz das transformações dos arranjos domésticos que, certamente, também influenciaram a demanda por domicílios particulares permanentes.

FIGURA 12 – Taxageométrica de crescimento dos domicílios por município. Cidade-Região, 1991/2000 e 2000/2010

Fonte: IBGE (Censos Demográficos 1991; 2000; 2010).

Em síntese, o que se observa é que, mesmo com a redução dos fluxos migratórios de mais longa distância - fatores centrais de crescimento das regiões metropolitanas no Brasil em décadas passadas – estas continuam a crescer e expandir. Esta constatação levou Cunha (2018a) a denominar este fenômeno de crescimento dos municípios periféricos através do aumento da mobilidade residencial, como “potencial endógeno de crescimento”. Ou seja, mesmo em tempos de baixo crescimento populacional e de migração, as áreas metropolitanas continuam a crescer devido ao constante movimento de redistribuição interna da população propiciado não apenas pelos grandes contingentes populacional existente (e sua reprodução ao longo do tempo), mas também pelos contínuo processo de valorização do solo urbano que, via de regra, atua como elemento restritivo para o assentamento na cidade de uma parcela significativa da população; a isso dever-se-ia agregar a tendência da periferização da população de alta renda que ganha força sobretudo a partir dos anos 1990 em todas as RMs do país (CUNHA, 2018a). Neste sentido, com relação à influência da migração no processo de redistribuição espacial da população da cidade-região, o GRÁFICO 3 demonstra o impacto da migração e do crescimento vegetativoem cada uma das aglomerações que constituem a CRP.

GRÁFICO 3 – Peso relativo do crescimento vegetativo e da migração no incremento populacional por aglomerados urbanos. Regiões Metropolitanas e Aglomerados Urbanos da Cidade-Região Paulista,

1991/2000 e 2000/2010

Fonte: IBGE (Censos Demográficos 1991; 2000; 2010).

Percebe-se, através deste gráfico, que o crescimento vegetativo era a variável demográfica com maior participação no crescimento populacional da cidade-região de São Paulo. Nos dois períodos analisados, o crescimento vegetativo contribuía com mais de 80% de todo acréscimo populacional registrado na CRP, todavia, mesmo que esta componente demográfica seja a que mais influenciava no crescimento populacional da CRP e de seus aglomerados, percebe-se uma significativa heterogeneidade no papel desta componente nas várias regiões da CR. Assim, nota-se que em algumas regiões, tais como a RMC, AUJ e URB, o componente vegetativo compartilha sua importância com a migração, que chegou a responder por mais de mais de 40% do acréscimo populacional no ano de 2010. Na realidade, com exceção da RMSP, em todos outros aglomerados os movimentos migratórios responderam por mais de 30% do crescimento populacional. O que de fato ocorre é que a RMSP, nas últimas décadas, vem apresentando um saldo migratório negativo e, em função do seu grande peso relativo na CRP, acaba impactando o comportamento mediano de todo o conjunto. Entretanto, mesmo apresentando perdas migratórias líquidas, a Região Metropolitana de São Paulo continua sendo a área do país que mais recebe imigrantes. De fato, entre entradas e saídas, foram quase dois milhões de pessoas que circularam pela RMSP no período 2005/2010, de acordo com os dados do último censo demográfico.

Por último, é necessário ressaltar que, devido ao fato da cidade-região possuir uma dimensão multiescalar, ou seja, ser caracterizada por fluxos que vão do global para o local, torna necessário analisar o impacto da migração, principalmente nas escalas

intrametropolitana e intrarregional, pois estas escalas se relacionam a continua expansão da população no contexto da cidade-região. Neste sentido, analisar a migração através de múltiplos recortes escalares, pode clarificar os processos inerentes à formação de determinadas espacialidades, já que as escalas em que estes movimentos ocorrem possuem distintos condicionantes. E através desta perspectiva que os movimentos populacionais serão analisados no capítulo três, ou seja, através de dois recortes escalares: o intrametropolitano e Intra-CRP.

CAPÍTULO 3 – A lógica