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IV 25 DE ABRIL: de nacional a internacional

6.5. A direita civil

Relativamente à direita civil, no caso de La Crónica temos de esperar pelo período eleitoral para a constituinte, até lhe encontrarmos referências explícitas. Mesmo aí e no geral, é claramente passada a ideia de existir uma quase unanimidade socialista. Por exemplo, em abril de 1975 escrevia-se o seguinte: “Doce partidos iniciarán mañana aqui (em Portugal) la campaña electoral (…) que deberá institucionalizar un socialismo a la portuguesa”, mas, de entre esses, “solo el derechista CDS (…) se abstiene de proponer alguna solución socialista, y opta por una economia social de mercado”274.

Uma vez definido o Partido do Centro Democrático e Social (CDS) como representante da direita civil, este partido será tratado como uma espécie de enteado do processo eleitoral. A seis dias das eleições, um artigo sobre o desenrolar da campanha, considerá-lo-á “el ‘tapado’ de la campaña”, transmitindo a ideia de não ser ser um movimento de massas: “insistirá en su linea que lo alejó de las calles y plazas portuguesas”275. A 24 de abril, os centristas serão considerados “quienes, tras colaborar abiertamente com Caetano, se quejan ahora de la falta de libertad”276.

Enquistar a direita civil e, assim, diminuir o peso e dimensão deste grupo, fica claro quando o PPD é posto ao centro e apenas o pequeno CDS (e finalmente também o PPM) à direita. Numa nota sobre a posição da igreja relativamente às eleições, refere-se também o PPD, sem o considerar de direita mas apenas não marxista: “La prohibición de votar marxista (aos católicos) excluyó solo dos partidos que son los únicos que no se reclaman de la ideologia: El centrista PPD (…) y el CDS de derecha”277.

273 Numa entrevista à revista “Caretas” (nº512, 3 de fevereiro de 1977), já depois de destituído, o ex-presidente Velasco Alvarado viria a fazer acusações internas

relacionadas com os acontecimentos de 5 de fevereiro:

Lo del 5 de febrero fue hecho con el propósito de sacarme. El día anterior al 5 de febrero hubo sesión de gabinete y allí los cité al presidente del Comando Conjunto, que era Vargas, y al jefe de la Segunda Región. Y delante de todos los ministros se les dio la orden. La orden era que al día siguiente, al amanecer, el cuartel tal está tomado, está recuperado. Ahora, el cómo era cuestión de ellos. Después se les pidió que tomaran las medidas de seguridad correspondientes. Según dijeron después, ellos revisaron los planes. Pero lo cierto es que no tomaron medidas .

274 “Portugal: Inician campña electoral”. In: La Crónica, ed. 2 de abril de 1975. 275 “Elecciones en la reta final”. In: La Crónica, ed. De 19 de abril de 1975.

276 “El Pueblo estuvo contra la asonada de marzo”. In: “La Crónica”, ed. 24 de abril de 1975. 277 “Iglesia se suma al cambio social”. In: “La Crónica”, ed. 19 de abril de 1975.

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A única voz dissonante nesta visão de minimizar a direita civil, é a do colunista Rodolfo Gershman. No seu ímpeto de defender a participação da esquerda militar no processo pós-eleitoral, considera que os militares estarão atentos se, da falta de cultura política dos portugueses, resultar um “triunfo de los partidos más reaccionarios, cuyo espectro en este caso abarca desde los socialdemócratas del Partido Socialista y del Partido Popular Democrático a la (sic) netamente derechista Centro Democrático Social”278.

De resto, o jornal admite a existência de mais “derechistas” além dos apoiantes do CDS, mas considerando-os “oportunistas” e infiltrados: “El CDS, por último, recibirá los votos de todos los derechistas, aunque los más lúcidos de entre ellos quizá opte por fachadas más socializantes y no tan desprestigiantes”279. Ou seja, aceitando que outros eleitores de direita possam ter dispersado o voto fora do único partido considerado desta área, o jornal prepara-se para anunciar uma estrondosa vitória eleitoral da esquerda, na qual englobou quase todas as forças partidárias, colocando a fronteira cinzenta num PPD considerado centrista, que poderá depois considerar num ou no outro campo, conforme a conveniência. E é precisamente isso que acontece, quando informa entusiasticamente o resultado das eleições: “Pueblo y Fuerza Armada avanzan rumo al socialismo”280. Não obstante o anúncio estrondoso deste resultado, o jornal insiste na existência duma direita infiltrada na esquerda:

En las ciudades donde la controversia política es mucho mayor, la burguesía y la clase media en general no han votado por los partidos reaccionarios. Y no lo han hecho porque, a un año de la caída del fascismo, le era más conveniente disfrazarse de progresistas y intentar defender sus intereses a través de organizaciones que se dicen socialistas281.

Trata-se duma linha de pensamento que já fora abordada na edição de 24 de abril. Referindo-se aos resultados da investigação ao 11 de março, diz-se:

Un partido que se presenta a las elecciones parece directamente implicado, si no en el golpe, al menos en la preparación de ese clima favorable. Se trata de la social-democracia (PPD), uno de cuyos dirigentes más destacados, Pinto Balsemão, incluyó en la revista de su dirección, “Expresso”, unas declaraciones de Spínola consideradas golpistas282.

A conclusão deixa claro ser no PPD e até no PS que se refugiam esses referidos setores da direita. Primeiro, refere-se “la amenazante social-democracia, bajo cuya bandera se han replegado los sectores más dinámicos

278 Guershman, Rodolfo. “Portugal: el porqué de las elecciones”. In. La Crónica, 26 de abril de 1975. 279 “Hoy se resuelve la incognita”.In: La Crónica, ed 25 de abril de 1975.

280 “Pueblo y Fuerza Armada avanzan rumo aol socialismo”. In: La Crónica, ed 26 de abril de 1975. 281 “Portugal: cuarteles y calles por el socialismo”. In: La Crónica, ed. 29 de abril de 1974. 282 “El pueblo estuvo contra la asonada de marzo”. In: In: La Crónica, ed. 24 de abril de 1974

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de la derecha”. Depois, considera que a direita recorre a “disfraces democráticos y socialistas para intentar detener el proceso iniciado el 25 de abril”.

Com este preâmbulo, o PPD vai variar entre esquerda e direita, ao sabor da conveniência. Quando se quer mostrar uma votação esmagadora pelo socialismo, o partido de Sá Carneiro está desse lado, quando se quer alertar para os riscos da direita, passa a ser infiltrado. Comentando os resultados das eleições para a constituinte, afirma-se os seguinte:

Ahora bien, ¿son realmente socialistas los socialdemócratas del PPD? En el norte de Portugal, donde lo caciquismo (versión portuguesa del gamonalismo) impone todavía su ley, los curas anatemizaban desde el pulpito a los ‘pérfidos ateos’ induciendo a sus feligreses a votar por el ‘Partido Popular de Dios’

Socialdemócratas o portavoces de la divinidad, lo cierto es que el PPD se ha convertido en el refugio de los sectores más lúcidos de la derecha conscientes de que hoy por hoy una solución abiertamente derechista es imposible en Portugal283.

A perspetiva que La Crónica tem da direita civil, está bem explicita no já citado artigo onde fala do inquérito ao 11 de Março:

Con intención política o sin ella, la investigación demuestra palpablemente que la derecha portuguesa (e internacional) utiliza todos los medios, desde el golpe cruento hasta la provocación, pasando incluso por el recurso eventual a disfraces democráticos y socialistas, para intentar detener el proceso iniciado el 25 de abril284.

Tal como a direita militar, a civil é vista como golpista e capaz de todas as astúcias para tomar o poder e acabar com o processo revolucionário. Neste afã, temos uma espécie de triângulo conspirador e contra- revolucionário, formado pela direita civil (assumida ou infiltrada noutros partidos), a direita militar e, como vimos antes, a extrema-esquerda.

Mas, nesta separação de águas entre esquerda e direita, o jornal tem avanços e recuos na linha com que demarca uns e outros. Por exemplo, considerando que todos os partidos, exceto o CDS, se intitulam marxistas mas nem todos comunistas, conclui poder concretizar-se em Portugal “el viejo sueño de la izquierda dogmática de crear un socialismo pluralista en el que coexistan y compitan distintas formulaciones ideológicas bajo el denominador comum de socialismo”.

283 “Portugal: Cuarteles y calles por el socialismo”. In: La Crónica, ed. 27 de abril de 1975 284 “El pueblo estuvo contra la asonada de marzo”. In: In: La Crónica, ed. 24 de abril de 1974

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Podemos então perceber que, na sua definição de direita, La Crónica separa os partidos enquanto instituições, das pessoas que deles participam. Neste caso, vai considerar que o PPD e o PS, não sendo partidos ideologicamente de direita, têm no seu seio “oportunistas” infiltrados para levar a cabo uma contra-revolução. Para entender esta posição, temos uma vez mais de nos situar no contexto peruano da época. Como vimos, o governo de Velasco estava por então numa linha descendente que levaria ao seu fim a 29 de agosto de 1975. Nesse momento, nenhum dos integrantes do regime se atrevia a colocar em causa o seu projeto revolucionário, mas as diferentes tendências acusavam-se mutuamente de infiltrações, fossem comunistas, fossem apristas, fossem até fascistas. Por outro lado, vivia-se o rescaldo dos sangrentos protestos do 5 de Fevereiro, que o jornal se esforçou para mostrar que resultavam dum plano bem orquestrado por amplos setores da oposição.

Ao mesmo tempo, dentro das disputas internas entre tendências do regime, a referência a infiltrados contra- revolucionários eram constantes. Hector Bejar, um ex-guerrilheiro marxista formado em Cuba e entretanto convertido ao GRFA, escreveu um livro com o significativo título “La Revolución en la Trampa” (BEJAR, 1976) onde escreveu o seguinte: “nos momentos cruciais, difíceis, perigosos e tensos, era possível distinguir os revolucionários dos oportunistas, aqueles que tinham aderido ao processo porque viam nele uma oportunidade positiva para o país, daqueles que ingressaram só para procurar o bem-estar pessoal285” (p.91).

Mas esta acusão de existirem contra-revolucionáriuos direitstas infiltrados não provinha apenas da esquerda, também a direita fazia essa acusação, mas aos comunistas. Guillermo Thornedike (1976), o director de La Crónica, conta como foi chamado a reunir-se com o chefe da Oficina Central de Informaciones, então chefiada pelo General Eduardo Segura Gutierrez, sendo advertido nestes termos:

‘Temos de ser conscientes de qual é a ordem dentro da nossa Revolução que nós fazemos e dirigimos pelo bem do Peru, desse mesmo Peru que temos de defender com as nossas vidas e não como o querem manipular esses miseráveis porque você já sabe, Sr. Thornedike, você nãoée um ignorante, você é um homem culto e sensível, a você não lhe escapa como nos querem manipular os comunistas’286 (pp.48-49)

Este clima de suspicácia interna, de mútuas acusações de infiltração anti-revolucionária, foi confirmado pelo próprio Velasco Alvarado na sua já referida última entrevista, à revista “Caretas”. Quando lhe perguntam pelo pior defeito da revolução, a resposta é contundente a este nível:

285 “en los momentos cruciales, difíciles, peligrosos y tensos, era posible distinguir a revolucionários de oportunistas, aquellos que se habían plegado al proceso porque

veían en él una posibilidad positiva para el país de los que ingresaron solo para buscar el bienestar personal”. (Tradução minha)

286 “Tenemos que ser conscientes del orden dentro de nuestra Revolución que nosotros la hacemos y la manejamos por el bien del Perú, de ese Perú que tenemos que

defender con nuestras vidas y no como quieren manipularlo esos miserables porque ya usted lo sabe, señor Thornedike, usted no es un ignorante, usted es un hombre culto y sensible, a usted no se le escapará cómo quieren manipularnos los comunistas”. (Tradução minha)

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El peor defecto de la revolución… Bueno, tenía muchos defectos. Porque yo actuaba con gente que era enemiga de la revolución. Había belaundistas, apristas, comunistas. Teníamos opositores por todos lados, inclusive ya está usted viendo, viejo, que mis ministros me traicionaron. ¿O no? Me traicionaron porque me sacaron, traicionándome. Eso fue una traición287.

Fica assim claro que, nas suas abordagens à direita portuguesa, La Crónica vai aproveitar a situação portuguesa para confirmar as mesmas acusações feitas no Peru, neste caso acusando os partidos ditos socialistas e pró-revolucionários de estarem infiltrados pela direita mais recalcitrante e reacionária.

O período revolucionário português servirá, assim, como uma prova da existência dum modelo conspirativo de direita, com o objetivo parar as revoluções a partir de dentro.

Devemos observar que La Crónica parece assumir a existência duma direita civil em Portugal apenas quando se dão as eleições para a constituinte, até aí havia apenas o antigo regime. Como vimos, a ideia duma direita militar começou a formar-se lenta e gradualmente com a evolução do percurso de Spínola, atingindo o auge no 11 de Março. Este atraso na aceitação da existência duma direita (civil ou militar) em Portugal, deverá relacionar-se com a dificuldade de aceitar a existência na sociedade civil portuguesa de quem não fosse progressista e revolucionário, depois de tantos anos de “ditadura fascista”. Contudo, chegados às eleições para a constituinte, era impossível desconhecer a sua existência, enquistadando-a no CDS ou então nos “infiltrados” que aderiam oportunisticamente ao PS e ao PPD, usando assim, como vimos, a revolução portuguesa para confirmar alertas na peruana.

Quanto à embaixada, cuja comunicação era direta ao governo e confidencial, não tinha problemas com a divulgação das suas mensagens e com o impacto que pudessem ter na opinião pública. Não será por acaso que o embaixador começa a referir a direita civil muito antes de La Crónica. A primeira alusão surge numa nota reservada de 2 de maio de 1974:

En lo que respecta al Gobierno Provisorio que el programa anuncia, hay dos tendencias que podrían prevalecer para la constitución de dicho gobierno: la de escoger personalidades representativas de las diferentes corrientes políticas que no (sic) podían manifestarse con el gobierno anterior, tales sobretudo (sic) del Movimiento Socialista y Comunista; o lade (sic) invitar a personalidades independientes, sin que necesariamente tengan cariz político determinado. Al respecto, el programa adopta un criterio mixto. Pero me parece dudoso que el abanico de las corrientes políticas representadas resulta resulta a la postre muy amplio, o sea, que se piense englobar a personalidades con marcada tendencia derechista.

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Por outro lado, como vimos noutra ocasião, enquanto La Crónica denuncia tendências dentro do PS que seriam infiltrações de direita anti-revolucionária, o embaixador encontra naturalidade neste facto, explicando o crescimento rápido deste partido como consequência da união entre “núcleos ligados por princípios generales comunes, pero nitidamente diferenciados en algunos pormenores programáticos”. Por isso, referindio-se ao primeiro congresso dos socialistas, conclui sem dramatização política: “va a ser un esfuerzo de síntesis, en el sentido de definir cual es la tendencia dominante, pero en el entendido de que está en juego el interés del país en su integridad288”.

Alguma dramatização por parte da embaixada, apenas em citações que não comprometem a sua opinião, nomeadamente do Boletim do MFA: “Las fuerzas conservadoras, y sobre todo los medios más reaccionarios, como los fascistas desalojados del poder (…) no se conforman con la nueva orden democrática y comienzan a levantar la cabeza, según lo afirma el editorial de la Comisión del programa de Movimiento de las Fuerzas Armadas”289.

Não devemos pôr de lado uma relação entre este posicionamento e uma tendência pró-conservadora do embaixador, tanto mais que já aqui a detetamos, quando louvou claramente as palavras de regresso à ordem de Spínola e uma declaração de Galvão de Melo290. Mas a clara diferença semiótica entre o discurso do diplomata e o de La Crónica, mostra bem a separação entre o discurso confidencial apenas para circulação interna, representado no primeiro, e o discurso público com tendência propagandística, representado por esta última. Mostra também o que temos vindo a detetar: Perante o público, a revolução portuguesa foi colocada dentro dum molde que servia de sustentação à peruana, mesmo quando o Governo tinha informação interna que não confirmava essas conclusões.