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II. IDENTIFICAÇÃO DUMA REVOLUÇÃO

3.3. Isolados na frente regional

Outro fator que contribuiu para a queda de Velasco foi o progressivo isolamento regional. Em março de 2017, entrevistei Rafael Roncagliolo, ex-ministro dos negócios estrangeiros (2011-2013) que na época do GRFA era

206 “Velasco dijo que el movimiento había sido instigado desde afuera, pero no profundizó en su idea. Luego los diarios sostenerían que la asonada había sido

provocada por la CIA . (…) tanto el presidente como el ministro del Interior, coincidieron en detectar la mano del APRA y de la ‘ultraizquierda’, sus dos enemigos locales a los que frecuentemente recurrían cuando hablaban de conjuras”. (Tradução minha)

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um jovem jornalista, apoiante do Governo no jornal Expreso, sendo várias vezes chamado a aconselhar ministros de Velasco em questões de estratégia e comunicação:

Uma parte do problema foi a perda dos apoios regionais. O governo de Velasco tem algumas analogias na América Latina, coisa que se costuma ignorar, costuma-se vê-lo como uma experiência isolada. Mas nesses tempos surge também o governo de Torres na Bolívia, que era um governo amigo, o governo peronista na Argentina, o governo de Allende, que leva a toda uma nova relação entre Chile e Peru. Tínhamos Torrijos no Panamá (1968), Rodriguez Lara no Equador (1972), todos eram progressistas. O Peru não estava isolado, o Peru começa a estar isolado quando se dá o golpe no Chile (…). Depois todos estes governos vão caindo: Na Argentina o golpe de Videla (1976), na Bolívia Banzer (1971), no Equador cai Rodriguez Lara (1976)… então o Peru fica isolado e parte do argumento do golpe contra Velasco é que o país estava isolado e ameaçado. Então passa-se duma fase em que havia alguns apoios importantes, a um momento de total isolamento.

No capítulo 2.8 (Política externa), vimos como, a partir de 1973, no GRFA começa a gerar-se a ideia de haver uma estratégia da CIA para fazer cair todos os governos progressistas da América Latina, e na verdade todos estavam a ser substituídos na sequência de golpes de Estado. Vejamos o que nos diz António Zapata (2018) sobre conspirações regionais, nesse tempo vistos pelo Governo como ameaçantes para o regime:

Pouco dias antes (de 24 de março de 1974), numa sessão do conselho de ministros, tinha-se falado duma reunião ocorrida na tomada de posse do presidente brasileiro Ernesto Geisel, à qual assistiram os presidentes do Chile, Bolívia e Uruguai. O estranho é que Velasco não tinha sido convidado (…). Para os militares peruanos, isto revelava uma trama conspirativa que supostamente estaria por detrás desse encontro: o Brasil queria uma saída para o Pacífico através da Bolívia e promovia que o Chile cedesse um corredor que passasse por Arica (…). Velasco e os seus ministros temiam a formação duma aliança de ditaduras militares de direita, unidas pela sua comum hostilidade ao reformismo do governo peruano207 (p.186).

Como vimos, em 1974 já era pública a participação da CIA na queda de Allende. A sequência de governos progressistas que iam sido substituídos por ditaduras de direita, alguns depois de mortes misteriosamente acidentais dos respectivos presidentes, gerava uma sensação de cerco em Lima. Como já referi, quando se dá o 5 de Fevereiro, Velasco afirmou aos seus ministros que tudo tinha sido urdido fora e, logo de seguida, os

207 “Pocos días anges, en sesión del gabinete, los ministros peruanos habían discutido acerca de una reunión con motivo de la toma de mando del presidente Ernesto

Geisel de Brasil, a la que asistieron los mandatarios de Chile, Bolivia y Uruguay. Lo extraño de la situación es que Velasco no había sido invitado y aparentemente ningún otro presidente (…). Para los militares peruanos quedaba desvelada la trama conspirativa que presuntamente estaba derás de ese encuentro: Brasil quería una salida al Pacífico a través de Bolivia y promovia que Chile concediera un corredor que pasara por Arica (…). Velasco y sus ministros temieron la formación de una alianza de dictaduras militares de derecha unidas por su común hostilidad al carácter reformista del gobierno peruano” (tradução minha)

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jornais, fortemente condicionados pelo governo, acusaram a CIA de ter estado por detrás (ZAPATA, 2018, p.202).

É muito importante percebermos que, depois duma fase inical em que sentiam ao seu redor um grande respaldo de governos com ideias políticas similares, em 1974 os militares peruanos viviam uma psicose de isolamento. Como veremos, a expetativa gerada pela revolução portuguesa no Peru, a forma como foi encarada e utilizada, explica-se também por este ambiente.

3.4.Conclusão

Enquanto os militares tomavam medidas ao encontro da expetativa urbano-burguesa, aprovaram também outras que esta classe via como uma ameaça: A lei da indústria previa a criação de “comunidades industriales” constituídas pelos próprios trabalhadores com o objectivo de que detivessem até 49% da propriedade, capitalizados pelos próprios lucros das empresas. A expropriação da imprensa foi um claro tiro nesta classe e a lei da propriedade social (maio de 1974) cria-lhe o pânico duma economia coletivizada. A isto soma-se um natural preconceito de classe contra um governo que se dizia revolucionário, por muito que algumas medidas fossem do seu agrado.

Uma vez anulada a irmã e concorrente burguesia rural, satisfeito o ímpeto nacionalista e criado um tampão à entrada do grande capital estrangeiro, as reformas que interessavam à burguesia urbana estavam feitas e a deriva revolucionária era já e apenas uma ameaça. As ruas começam então a agitar-se e, ao mesmo tempo, acentuam-se divisões internas entre “liberais reformistas” e “radicais socialistas”.

Simultaneamente, um-por-um iam caindo os governos geográfica e politicamente próximos da revolução peruana: Allende em 1973, Torres Gonzales na Bolivia em 1971, Rodriguez Lara no Equador já vacilava e cairia um ano depois de Velasco, para não falar no gigante brasileiro, nas mãos da direita militar desde 1964. Quando em Portugal se dá o 25 de Abril, para além das disputas internas, é também com os interesses da burguesia urbana que os “radicais socialistas” terão de enfrentar-se. Veremos de seguida como usarão a revolução portuguesa num esforço para legitimarem a continuidade da sua própria revolução.

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II PARTE – A REVOLUÇÃO PORTUGUESA NA EUROPA E NO MUNDO DO SEU

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