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IV 25 DE ABRIL: de nacional a internacional

7.1. Surpresa

Quando chegam as primeiras notícias de que estava a ocorrer um golpe em Portugal, a primeira reação de La Crónica é de surpresa. Aliás, esta é uma atitude mais ou menos comum em todo o mundo. Cerca de um mês antes o exército tinha feito a tentativa das Caldas mas uma rápida reação das forças leais ao Governo convenceu de que o regime estava de pedra e cal. No capítulo IV explorei e fundamentei este tema, por isso não vou desenvolvê-lo aqui.

La Crónica fala da nova situação em Portugal no próprio dia 25, o que se explica porque nesse tempo tinha uma edição vespertina e também pela diferença de seis horas no fuso horário. O destaque é grande, com direito a meia primeira página e uma interior inteira. O título da primeira representa bem a atitude exclamativa: “Tanques en la calle: Temen Estalle Lucha. Se Extiende Sublevación en Portugal”. O título da interior é

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semelhante. “Se extiende Sublevación Militar en Portugal. Tanques salen a la Calle y Ocupan Posiciones. Temen Estalle la Lucha”.

Como também vimos no capítulo anterior, nesta primeira fase o jornal evita classificar o movimento, referindo- se aos seus estrategas e operacionais com palavras como “insurrectos”, “sublevados” ou “amotinados”. Esta página é um listado de telexes das agências noticiosas, com pouca intervenção editorial. Já depois de metade duma extensa lista de notas informativas, nota-se a preocupação de procurar identificar que tipo de golpe é, uma vez mais com pouca edição e citando comunicados do próprio movimento: “Los insurrectos ‘desencadenaron una serie de acciones para liberar el país del regímen que desde hace tanto tiempo la controla’, anunció esta mañana la emissora controlada por los sublevados”.

Depois, as atenções voltam-se para Spínola, já desde fevereiro a referência na contestação ao regime: “Se desconocia por el momento en la capital la posición del alto oficial português ante la sublevación militar iniciada de madrugada”. E aqui estabelece-se a primeira possível ligação ao golpe das Caldas: “De Spínola fue destituído de se cargo de Jefe Adjunto del estado Mayor el 14 de marzo passado. Dos días después estalló un movimento militar que fue rápidamente sufocado”. Na sequência desta referencia à Revolta das Caldas, a nota informativa seguinte já se refere ao 25 de Abril dizendo que “Una nueva sublevación militar se produjo esta mañana en Lisboa”, e “Según los primeiros indícios se trata de un movimiento semejante al que se registró en Caldas de Rainha el 16 de marzo pasado, cuando una columna militar marchó sobre Lisboa”.

No primeiro dia da revolução portuguesa, a atitude é então de surpresa e revela um grande desconhecimento sobre as suas características. Não se procura explicar os acontecimentos, adotando una postura simplesmente informativa mas, com apoio nos telexes das agências, já se começam a estabelecer os primeiros marcos referenciadores do movimento, usando para isso o comunicado onde o MFA promete “liberar el país del regime” e, sobretudo, procurando estender algumas pontes com as posições conhecidas de Spínola e com o golpe das Caldas.

A primeira página da edição de 26 de abril continua na mesma linha, mas já procurando encontrar alguns fatores de definição: “Fuerza Armada de Portugal Derrocó Gbno Colonialista”. No subtítulo diz-se terem-se sublevado para “derrocar al gobierno colonialista que mantuvo el poder durante 30 anos”; neste caso a atitude geral ainda é de surpresa, mas já se procura criar elementos identitários, não tanto identificando os “sublevados”, mas procurando entender o seu posicionamento com base numa antítese ao Governo que derrubaram, identificado como “colonialista”.

Na página interior continua-se na mesma linha:

 “Junta Militar Preside el General Spínola: Fuerza Armada de Portugal Derrocó Gbno. Colonialista”

169  “Seis muertos hay en Lisboa”

Nesta atitude geral de surpresa, há um título particularmente exclamativo: “Más Vieja Dictadura del Mundo Se Desplotó en Golpe de 12 Hs.” Esta notícia faz uma espécie de ponte entre a fase de surpresa e a de explicação. Por um lado revela surpresa pelo facto de um regime aparentemente tão consolidado, cair tão fácilmente; mas, pelo outro, avança com as primeiras explicações, relacionando as causas da revolta militar com a situação da guerra colonial, uma análise repescada da informação sobre a tentativa das Caldas e que a adesão de Spínola ajudou a consolidar:

La crisis final del régimen – debida sobre todo a la larga guerra colonial en África surgió en julio pasado cuando se formó el llamado “Movimiento de los Capitanes” que tras aparecer como algo reivindicativo tradujo pronto sus realidades políticas al salir a la luz un libro del General Spínola.

Passada a surpresa inicial, as tentativas de explicação da revolução portuguesa começam a surgir timidamente já no próprio dia 26 de abril. Surgem então dois embriões explicativos centrados em dois vectores, como veremos, explorados mais adiante, sobretudo o segundo: A queda duma velha ditadura, e uma postura contestatária à guerra colonial.

Esta posição coincide com as conclusões de Medeiros Ferreira: “O que impressionou primeiro a comunidade internacional foi o facto de ter sido derrubada a ditadura cinquentenária que mantinha uma guerra colonial há mais de dez anos em África” (FERREIRA, 2004, p.143).

Temos então que, mal chegados ao dia 26, já temos de passar à fase seguinte, a de “explicação”.