• Nenhum resultado encontrado

IV 25 DE ABRIL: de nacional a internacional

6.3. A esquerda civil

Se La Crónica, muito centrada nos militares, só a partir de Setembro começa fazer referência a uma esquerda civil, a embaixada do Peru em Lisboa descobre-a mais cedo, inserindo-a desde o início nos jogos de poder. Num ofício de 2 de maio de 1974 sobre a constituição do I Governo provisório, conclui-se que uma das hipóteses era “escoger personajes representativas de las diferentes corrientes políticas, que no podían manifestarse en el gobierno anterior, tales sobre todo del movimiento Socialista u Comunista”.

Quanto a La Crónica, já vimos ser clara a colagem à “esquerda militar” portuguesa, mas relativamente à “civil” irá manter constantes desconfianças, sugerindo não poucas vezes que atua em conluio com a direita, para prejudicar a revolução. Este posicionamento e esta desconfiança começam nas primeiras referências aos movimentos de esquerda, datadas de Setembro de 1974:

La Decisión del movimiento de las Fuerzas Armadas, de ocupar militarmente las instalaciones del Partido Nacionalista Portugués, en la ciudad de Oporto, la semana pasada, fue acompañada por la clausura temporaria de un semanario conservador y una multa de 200 dólares a otro semanario, pero de izquierda. Simultáneamente con estas medidas – que apuntaban a fracturar tanto la integración de un bloque ultraconservador, como los excesos ‘infantiles’ de un sector de la izquierda…252 (sublinhados meus).

A 14 de março de 1975, um editorial sobre o golpe de dia 11, não poupará a extrema-esquerda:

los problemas del gobierno portugués no se originaban solo en los grupos derechistas desplazados del poder político, aunque aún no del poder económico, sino que grupos ultraizquierdistas se sumaban a las campañas destinadas a crear un clima de zozobra y anarquía que facilitase un golpe contrarrevolucionario253.

Dias depois, La Crónica noticiará a proibição ao MRPP de participar nas eleições para a constituinte, aceitando acriticamente que “Fuentes vinculadas al MFA estiman que el MRPP está infiltrado por la CIA254”.

Num artigo de 23 de março, o colunista Hernando Aguirre Gamio vai no mesmo sentido. Apoiando a radicalização do MFA subsequente ao 11 de março, afirma ter “golpeado de pronto a diestra y siniestra

252 “Temen en Portugal golpe de derecha”. In: La Crónica, ed. 25 de setembro de 1974. 253 “Portugal: Desestabilización frustrada”. In: La Crónica, ed 14 de março de 1975 254 “Portugal: Suspenden a 3 partidos políticos”. In: La Crónica, ed, 19 de março de 1975.

141

alcanzando no solo los ‘putshistas’ del 11 de marzo sino también a sus inspiradores políticos y a los provocadores ‘ultraizquierdistas’”255.

Duma maneira geral, a visão dos partidos de esquerda é desfavorável, numa perspetiva que deposita a esperança revolucionária na “esquerda militar”. Por exemplo, um editorial de 10 de abril comenta: “Sin duda la prolongada suspensión de toda la actividad política contestataria legal (durante a ditadura), ha contribuido a la a veces confusa explosión de partidos, grupos y grupúsculos que, fieles a la tradición, atomizan a la izquierda hasta hacerla casi inviable”256.

Quando saiu o relatório do MFA sobre o 11 de Março, La Crónica destacará a acção da direita, mas também um apoio aos golpistas por parte do lado da extrema-esquerda:

En este programa preparatorio (…) se inscribió el boicot izquierdista al congreso del CDS (derechista) en la ciudad de Oporto. Boicote ampliamente aprovechado por la plana mayor de la reacción europea para solidarizarse con quienes, tras colaborar abiertamente con Caetano, se quejan ahora de falta de libertad.

Luego vinieron los sucesos de Setubal, en donde perdió la vida un militante de la social-democracia (PPD). Una ola de clamores contra la ‘violencia de la izquierda’ se propagó por el país en los días que mediaron entre los incidentes de Setubal y el frustrado golpe del 11 de marzo, contribuyendo a crear una histeria reaccionaria favorable al golpe257.

Esta desconfiança vai na mesma linha que era seguida no Peru. Na edição de 25 de setembro de 1974, o mesmo Fernando Aguirre Gamio tinha defendido o seguinte sobre a política interna: “En los círculos de la ultra o seudoizquierda se viene cuestionando la intervención del SINAMOS en la organización de los campesinos. Se le achaca tendencias paternalistas y manipuladoras”258. Recordemos que o SINAMOS era uma organização criada pelo GRFA para doutrinar, organizar e mobilizar as massas a seu favor. Este comentário mostra bem as desconfiança do Governo peruano relativamente a partidos considerados como de extrema-esquerda.

Em Portugal, o jornal procura contudo estabelecer uma separação entre a esquerda mais extremista e o PCP, tido como um partido que pode conter os excessos das massas. Num artigo sobre a situação em Espanha, e referindo-se ao Partido Comunista Espanhol, o colunista Juan Ruiz afirma:

El radicalismo de ciertos sectores de la izquierda atenta contra los propósitos del PCE de crear un frente amplio democrático dentro de una lucha no violenta. Para los sectores más radicales la única vía es la lucha armada. El conflicto entre ambos no es solo estratégico, sino que parte de la concepción

255 “La problemática portuguesa”. In: La Crónica, ed 23 de março de 1975.

256 “Portugal: Los riesgos de una revolución”. Editorial in: La Crónica, ed. 10 de abril de 1975. 257 “El pueblo estuvo contra la asonada de marzo”. In: La Crónica, ed. 24 de abril de 1975. 258 “Los Campesinos se Organizan”. In: La Crónica, ed. 25 de setembro de 1975.

142

misma sobre la política. Un frente amplio propugnado por los comunistas significa que ante un eventual acceso al poder el partido Comunista podrá jugar el mismo papel que el P.C. portugués, garantizar la estabilidad de un nuevo gobierno a través de la contención de los impulsos revolucionarios o anarquistas de las masas259.

No dia 24 de abril de 1975, quando noticiam o resultado da investigação ao 11 de Março, sublinham ter sido uma conspiração entre a direita assumida, a direita infiltrada e a extrema-esquerda, realçando, contudo, ser o PCP “el único que sale incólume a la investigación”260.

Esta perspectiva abonatória do papel dos comunistas, aliados de Moscovo, parece decalcada do Peru, onde o respectivo Partido Comunista apoiava implicitamente o GRFA, ao mesmo que outras esquerdas mais extremistas o combatiam (ZAPATA, 2018, pp. 120-123). Particularmente intensa foi a contestação dum sector chamado de “Nueva Izquierda”, para os militares sinónimo de “ultraizquierda”, muito centrada em torno do pensamento de Anibal Quijano, que não considerava revolucionário o governo de Velasco, mas apenas um modernizador na via dum capitalismo ainda por concretizar no Peru (QUIJANO OBREGÓN, 1971).

Segundo Quijano, as esquerdas deveriam colocar-se em oposição ao governo militar porque era fruto da reorganização do sistema capitalista de produção. E como a experiência não teria êxito, as esquerdas fortalecer-se-iam politicamente não se deixando seduzir pelos cantos de sereia dos partidários de Velasco261 (ZAPATA, 2018, p.119)

Temos, assim, a visão de que, dentro da esquerda, os comunistas pró-soviéticos se poderiam converter, tal como no Peru, num fator de estabilização negociada, capaz de fazer frente ao impacto das restantes esquerdas mais extremistas. A geminação do Peru a Portugal fica óbvia.

Não obstante esta benevolência frente ao PCP, o afã de La Crónica está no apoio à “esquerda militar”, e nesse sentido o jornal colocará as Forças Armadas como fiel da balança entre as querelas dos partidos da esquerda mais institucionalizada, o PCP e o PS, apresentados como fonte de divisões dentro da revolução, ao ponto de afetarem a unidade dos militares.

A propósito do caso da unicidade/pluralismo sindical, fala-se duma cisão entre oficiáis do MFA, acusando-se que “la división en las filas militares ocurrió a raíz de un enfrentamiento entre socialistas y comunistas sobre una propuesta de crear una sola confederación del trabajo que controle a todos los sindicatos del país”.

É de referir que, noticiando o resultado das eleições de 25 de abril de 1975, o jornal falará duma vitória socialista, dando nos títulos um enfase ao conceito e não ao partido. Isso acontece na edição de 26, tanto na

259 “Si cae España”. In: La Crónica, ed. 11 de novembro de 1974.

260 “El pueblo estuvo contra la asonada de marzo”. In: La Crónica, ed. 24 de abril de 1975.

261 “Según Quijano, las izquierdas debían situarse en la oposición al gobierno militar porque era fruto de la reorganización del sistema capitalista de producción. Y como

el experimento no tendría éxito, las izquierdas se fortalecerían políticamente a condición de no dejarse seducir por los cantos de sirena de los partidarios de Velasco”. (Tradução minha)

143

primeira página, “El Pueblo Votó por el Socialismo”, como nas interiores, “Portugueses apoyan vía al socialismo”. Noutra nota, de dia 27, outro título idêntico: “Portugal: Cuarteles y calles por el socialismo”. No desenvolvimento desta notícia, volta-se à ideia unitária duma ampla esquerda civil: “los únicos partidos abiertamente reaccionários que se apresentaban a la convocatória (el CDS y el PPM) no han conseguido reunir ni el diez por ciento de votos”.

A embaixada, porém, enviará ao Governo uma análise mais lúcida que contraria o optimismo de La Crónica, provavelmente porque era destinada a consumo interno do Governo e não ao conhecimento público. Numa nota onde avalia o resultado das eleições diz-se:

conviene considerar que el triunfo del partido socialista representa para Portugal el apoyo futuro del socialismo europeo occidental, particularmente en razón del prestigio europeo de su líder Mario Soares. Finalmente, conviene tener en cuanta (sic) que la opción socialista portuguesa fortalecida a nivel popular viene despejar muchas incógnitas y conjeturas maniobradas desde el exterior de que Portugal marchaba indefectiblemente hacía una opción comunista de línea moscovita262.

As formas como a embaixada e o jornal tratam as tensões internas dentro do Partido Socialista, também são muito distintas. Num oficio datado de 12 de dezembro de 1974, o embaixador envia informação sobre as expetativas para o congresso deste partido que começaria no dia seguinte:

Es evidente que el rápido crecimiento de este Partido Político se ha hecho, en parte, en función de núcleos ligados por principios generales comunes, pero nítidamente diferenciados en algunos pormenores programáticos.

Por declaraciones públicas formuladas por algunos de los representantes de aquella organización política, se puede deducir que tratan de disminuir el significado de tales diferencias, explicándolas por la circunstancia de que muchos de sus adherentes han llegado a importantes situaciones políticas e intelectuales, sin que fuese preciso ue hubiesen tendencias actuantes en bloque. Se puede deducir de esto, que el trabajo del Congreso a que me estoy refiriendo va a ser un esfuerzo de síntesis, en el sentido de definir cual es la tendencia dominante, pero en el entendido de que está en juego el interés del País en su integridad.

Onde o embaixador vê naturais pontos de vista diferentes dentro duma mesma força partidária, e que tenderão a uma síntese, La Crónica, pelo contrário, vê uma esquerda infiltrada pela direita. Para fundamentar esta conclusão, temos de avançar até aos dias seguintes às eleições para a Constituinte, quando o jornal comenta os resultados como uma grande vitória do socialismo, mas lança um alerta de que o Partido Socialista está infiltrado:

144

En las ciudades donde la controversia política es mucho mayor, la burguesía y la clase media en general no han votado por los partidos reaccionarios. Y no lo han hecho porque, a un año de la caída del fascismo, le era más conveniente disfrazarse de progresistas y intentar defender sus intereses a través de organizaciones que se dicen socialistas263.

Na sequência deste parágrafo, conclui-se que a direita recorre a “disfraces democráticos y socialistas para intentar detener el proceso iniciado el 25 de abril”.

Em síntese, dentro da lógica anti-partidária existente no regime peruano, também em Portugal os próprios partidos de esquerda, apesar de alguma benevolência, são apresentados como divisionistas e incapazes de pôr o interesse nacional à frente das suas querelas. Além disso, as divisões no seio das próprias Forças Armadas não são encaradas intrinsecamente, mas como uma mera consequência das disputas entre os partidos de esquerda.

Esta linha de pensamento está bem clara numa análise às eleições de abril de 1975: “Los oficiales revolucionarios del MFA (…) saben (…) que el pueblo está con ellos. En la madrugada del 25 de abril nadie gritó en Lisboa una consigna partidaria. Fue una gran explosión de alegría y de solidaridad con el MFA”264. No entanto, como já verificamos e verificaremos noutras situações, há uma clara diferença entre os pontos de vista enviados pela embaixada e os publicados por La Crónica. Na base desta divergência estará uma diferença de fundo: Enquanto o embaixador procura objectivar informação confidencial para o governo, mesmo que aqui e ali influenciado pela sua subjectividade, La Crónica é o órgão de comunicação oficial do regime e cumpre uma função próxima da propaganda, a que não é alheia a necessidade de usar a ascendente revolução portuguesa para legitimar a peruana, esta, como vimos, já em curva descendente.