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A disciplina de Língua Portuguesa como Segunda Língua no PEW

Capítulo 3: Educação Escolar Wajãpi

3.1.2 Programa de Educação Wajãpi

3.1.2.1 A disciplina de Língua Portuguesa como Segunda Língua no PEW

No currículo dos cursos de formação, português é ensinado como segunda língua (LP2). O currículo de LP2, embora oficialmente definidor da disciplina a ser ministrada no Magistério, serve até hoje como referencial para o ensino de português para a formação de agentes de saúde e pesquisadores. O objetivo compartilhado pelo Iepé é dar ênfase no desenvolvimento das habilidades orais a fim de atender as necessidades mais básicas dos alunos: a comunicação com não-índios, seja no Território Wajãpi, em seu entorno ou nas cidades.

Os cursos de formação, embora determinantes na aquisição da segunda língua oral, são apenas uma das estratégias utilizadas pelos Wajãpi para a aquisição do português, já que a aprendizagem informal dessa língua se dá o tempo todo a partir do contato com os diferentes interlocutores não-índios que os Wajãpi se comunicam, tanto na Terra Indígena Wajãpi quanto nas cidades que frequentam. Os graus de letramento variam muito mais de indivíduo para indivíduo do que a fluência oral. Isso ocorre porque a exposição aos eventos de letramento, fora do ambiente escolar pode ser mínima em alunos que não desempenham alguma função burocrática57. Mesmo assim, é possível perceber diferenças, em relação ao letramento, entre as primeiras turmas de jovens, iniciadas nos anos de 1992 e

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Participação nas várias funções (diretores, secretários, estagiários) das associações que representam o povo wajãpi, por exemplo. Conferir Capítulo 1.

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1998, e as turmas que começaram a frequentar os cursos de formação mais recentemente.

Como em todo processo de alfabetização, algumas atividades acometiam os Wajãpi de grande frustração, levando-os a se dirigirem a mim repetidas vezes a fim de garantirem uma produção escrita eficaz. Isso foi observado enquanto eles faziam cópias simples da lousa para o caderno e não sabiam como posicionar o caderno, como dividir o conteúdo disciplinar, em qual página do caderno escrever (por exemplo, era comum eles escreverem na página à direita e quando ela estivesse completa, eles escreverem na página à esquerda), como transportar o que estava na lousa para a página do caderno, quando mudar de linha, quando não mudar de linha, quando era parágrafo ou não, quando era preciso deixar espaço, quanto espaço deixar, o que fazer com o resto da palavra quando erravam uma letra apenas, como corrigir no caderno um exercício que fora corrigido no quadro, quando alterar cores diferentes de canetas etc.

Além do ensino das habilidades orais, sempre coube à disciplina de LP2 dar continuidade à alfabetização dos alunos, que por diversos motivos, apresentavam diferentes graus de alfabetismo. Minha compreensão de alfabetismo está de acordo com Rojo:

Usamos até aqui o conceito de alfabetismo para designar o conjunto de competências e habilidades ou de capacidades envolvidas nos atos de leitura ou escrita dos indivíduos, conjunto esse que se diferencia e particulariza de um para outro indivíduo, de acordo com sua história de práticas sociais, e que pode, como vimos, ser medido e definido por níveis de desenvolvimento de leitura e escrita. (ROJO, 2009, p. 97).

Os participantes dos primeiros cursos de formação oferecidos pelo Iepé não foram, anteriormente, alunos de outros professores Wajãpi e frequentaram a escola de forma bastante intermitente. Muitos alunos chegavam aos cursos de formação desconhecendo as técnicas da escrita. Como o domínio da alfabetização era crucial para o desenvolvimento das demais disciplinas, recaía

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sobre as aulas de português a exigência do ensino desses aspectos técnicos da aquisição do código escrito.

O principal diferencial das aulas de LP2 no contexto indígena e, especificamente no contexto Wajãpi, diz respeito às diferenças, já ressaltadas anteriormente, entre os dois sistemas de conhecimento que entram em contato durante o ensino: o conhecimento wajãpi e o conhecimento científico, privilegiado na escola. Os conteúdos e métodos estabelecidos em livros didáticos de português como língua estrangeira (para alunos não-índios) foram construídos para um público letrado, que, em sua grande maioria, compartilha do conhecimento transmitido pela escola, o qual, nesses materiais, é muitas vezes admitido como um conhecimento universal. A compreensão, por parte do professor e do aluno, de que não há conhecimento verdadeiro, mas conhecimento legitimado pelos grupos de poder, torna menos opressor, por exemplo, o ensino de informações aparentemente banais, e presentes em todos os livros de ensino de línguas estrangeiras, como as formas de polidez ou os termos de parentesco utilizados pelos brasileiros ou o sistema decimal ou ainda a divisão do tempo em horas, dias, semanas, meses, anos etc.

No começo de minha experiência, percebi que seria inviável seguir métodos ou livros propostos para o ensino de português como segunda língua em contexto não-indígena. Como os saberes indígenas ainda são pouquíssimo conhecidos, pois muito pouco foi divulgado em língua portuguesa, uma das formas possíveis de acessar esse conhecimento é fomentando a discussão comparativa entre os dois “modos de” em jogo no ensino. Categorizações e classificações são construídas com base na cultura e culturas tão diferentes levam a categorizações distintas. Gallois (2005) apresenta um exemplo de tradução cultural efetivado pelos professores wajãpi a respeito da tradução, para a língua wajãpi, das palavras “portugueses” e “tupinambá” em uma atividade de escrita de um texto, na língua materna do grupo, explicando a chegada dos portugueses ao Brasil para explicar a comemoração dos 500 anos. A categoria “portugueses” não remete

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necessariamente aos ancestrais dos brasileiros, o que inviabiliza sua tradução como karaikõ “os não-índios que moram no Brasil”. A categoria “tupinambá” pode ser acolhida por diferentes categorias nativas, a depender do que se quer enfatizar da relação entre os Wajãpi e os Tupinambá:

As categorias disponíveis na língua para se referir a grupos com os quais os Wajãpi querem marcar algum tipo de distância, num gradiente que vai de aliados, parceiros comerciais e categorias de inimigos: janeanã, panary, apãgwerã, mojutapurukwerã. Mas nenhum desses termos foi julgado adequado, inicialmente, pois os tradutores consideraram que se tratando de índios do passado, seriam então equivalentes aos seus próprios ancestrais, taimigwerã. No curso seguinte, essa tradução foi também descartada. Voltaram às tentativas anteriores, intermediadas por conversas com os mais velhos que assistiam aos cursos. Estes, quando entenderam que os Tupinambá praticavam canibalismo, julgaram que se tratava, então, de apãgwerã, ex-inimigos; mas os jovens, que queriam ao contrário evidenciar que os povos extintos tinham, como os Wajãpi de hoje, sofrido os impactos da ocupação de suas terras pelos karaikõ, preferiam janeanãkõ, aliados. Como tantos outros, esse debate não resultava em nenhuma decisão. Os professores preferiram concluir seus textos cada um do seu jeito, afirmando que seria impossível decidir. (GALLOIS, 2005, p.119).

Menos contundentes do que os exemplos de tradução cultural trazidos por Gallois em seu artigo, mas com o intuito de ilustrar que os percalços do encontro de formas distintas de conhecimento também ocorrem nas aulas de LP2, recorro a algumas dificuldades enfrentadas por mim, durante as minhas aulas, que dizem respeito justamente a princípios diferentes de categorização: a documentação do tempo na sociedade brasileira/ocidental e na sociedade wajãpi e os termos de parentesco.

Em algum momento do curso de português como segunda língua é preciso abordar calendário e divisões de tempo, sejam os dias da semana, os meses do ano, as semanas do mês, as horas do dia ou as estações do ano. Esse conteúdo para um aluno ocidental seria dado de uma forma completamente diferente daquela a ser dada a um povo que documenta o ciclo dos acontecimentos da natureza a partir de marcadores "naturais", tais como o canto da cigarra marcando

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o início do verão ou o canto de determinado sapo marcando o início da chuva ou, ainda, a época do açaí como meio do inverno. Esse conteúdo precisaria ser abordado concentrando-se praticamente em um "ensino" da concepção de mundo do homem letrado ocidental, baseado, no caso do calendário, em um sistema decimal. Aliás, o sistema decimal pode ser tomado como um dos exemplos de conteúdo que se move entre as disciplinas, pois como ele está por trás de um modo letrado de documentação, ele não é exclusivo das aulas de matemática. Gallois (2001), em artigo que trata das reivindicações dos Wajãpi para uma escola diferenciada, argumenta, em relação ao ensino da matemática que:

As aulas e materiais produzidos [nos cursos de formação] visaram, portanto, possibilitar aos Waiãpi compreender, para depois aplicar, os diferentes usos da matemática na vida do “branco”, selecionando-se em particular os usos que eles também desejam dominar: uso do dinheiro, cálculo de preços, contabilidade de despesas, livro-caixa, etc. Ou seja, mais do que nos esforçarmos para explicar a “origem” da matemática [...] nos concentramos em questões mais instrumentais, que nos permitem excluir, como já explicamos no caso do português, tentativas equivocadas de adaptação do sistema de contagem existente em sua cultura para o nosso sistema e vice-versa. (GALLOIS, 2001, p.34).

O que eu pretendo salientar, com esses exemplos, é que não se trata de ensinar um vocabulário novo ao aluno, como seria para um falante nativo de alemão, por exemplo, mas sim de ensinar como o tempo é documentado por grupos que se utilizam predominantemente da escrita para a transmissão de seus conhecimentos. Vejamos, por exemplo, o que dois professores Wajãpi dizem sobre a comparação entre os calendários, elaborada durante os primeiros cursos de formação de professores wajãpi, durante as aulas com Dominique Gallois. Essas falas indicam a percepção desses professores sobre os modos distintos de documentação:

O calendário dos brancos parece um quadrado cheio de números. Os brancos só mudam os números. O calendário dos Wajãpi é redondo e só com palavras, com nomes de animais e de frutas marcando o tempo, por exemplo: o tempo da bacaba e o tempo do açaí. (CTI, 1999, p.14).

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Nós falamos assim: “Esse mês é de chuva”. Os brancos são diferentes, eles dão nome para os meses de janeiro, fevereiro, etc. É com esses nomes que eles marcam quando vai chegar o verão. Para nós é diferente. Nós só marcamos na cabeça, ou sabemos pelo rio. Quando o rio abaixa é porque está começando o verão. (CTI, 1999, p.15).

Um outro exemplo pertinente diz respeito ao ensino de termos de parentesco, tais como sobrinha, parente, tio etc. Ao utilizarmos esses termos na aula de língua portuguesa, é preciso ter muito cuidado para que os alunos não traduzam seus termos pelos nossos e vice-versa, pois a tradução, embora possível, é complexa. Para os Wajãpi, por exemplo, os filhos do irmão do pai são considerados como irmãos, pois são pessoas com quem eles não poderiam se casar; os filhos da irmã do pai são pessoas com quem eles podem se casar, portanto, não se configuram como irmãos58. A tradução dos termos que designam essas relações não pode ser de acordo com a nossa terminologia de parentesco, pois se traduzirmos tais termos por “primo” ou “prima” ocorrerá um mal-entendido cultural. A tradução descuidada já causou muito aborrecimento aos Wajãpi, pois eles foram julgados pelo nosso padrão cultural e não pelo deles.

Gorete Neto (2005) também chama a atenção para o aspecto cultural no ensino de LP2, ao mencionar suas tentativas de ensinar as maneiras de fazer empréstimos de objetos, prática que na tradição dos Tapirapé é bastante diferente da nossa:

A oralidade era uma coisa que me preocupava muito e eu não via meios de fazê-los falar. Assim é que, certo dia, inventei um exercício de pedir coisas emprestadas. Só que não tem esse costume na aldeia, já que parece que tudo é de todo mundo. Achei que o exercício ficou um pouco artificial, mas pensei que eles deveriam saber que no costume dos não-índios deve-se pedir emprestado e não pegar sem falar. Nem sempre eu trabalhava/me

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O casamento preferencial entre os Wajãpi é entre “primos cruzados”. Conferir GALLOIS (s.d.). Disponível em www.institutoiepe.org.br Acessado em 19/10/2009.

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preocupava em ensinar estes detalhes da cultura não-índia... não sabia como fazê-los entender estas nuances. (GORETE NETO, 2005, p.50).

Um recurso bastante produtivo para as aulas de LP2 que ministrei no contexto em questão foi utilizar a realidade e o cotidiano, enfim, o dia-a-dia wajãpi, como exemplos para as atividades pedagógicas. O meu envolvimento ao longo dos anos com a docência para os Wajãpi contribuiu enormemente para o meu conhecimento sobre o cotidiano das aldeias; sobre a vivência deles na cidade, em suas associações indígenas ou na casa do índio; sobre suas questões políticas com órgãos governamentais; sobre suas relações com os moradores do entorno da Terra Indígena e com os profissionais que atuavam nas aldeias e sobre a elaboração de seus projetos. Acredito que trazer a percepção dessa realidade para a sala de aula de LP2 foi a metodologia mais eficiente porque, além de isso possibilitar a contextualização dos usos da língua portuguesa, a “vida real” utilizada como exemplo na sala de aula possibilitou muitas discussões, em língua portuguesa, que foram úteis para os alunos fora da sala de aula, sendo também uma oportunidade de ensinar as convenções pragmáticas do português que iam surgindo durante essas discussões.

Especificamente em relação à formação dos agentes de saúde, é preciso acrescentar que o ensino de LP2 esteve, em alguns momentos, próximo ao ensino de línguas para propósitos específicos. Os agentes de saúde, ao iniciarem sua formação básica e específica em saúde, começam, concomitantemente, a trabalhar nos postos de saúde de suas aldeias, portanto, a necessidade real imediata era dar conta desse contexto de uso visto que, nem sempre, os não- índios estavam atentos para suas dificuldades linguísticas (e culturais). O trabalho dos agentes de saúde ocorre junto aos profissionais não-índios que, em sua maioria, são técnicos em enfermagem, sem formação específica para o trabalho junto às populações indígenas. Ainda que esses profissionais não tivessem uma formação específica, e alguns não tinham nem mesmo paciência com as

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diferenças culturais - o que muitas vezes desembocou em problemas concretos para o desenvolvimento do sistema de saúde das aldeias - eram pessoas que estavam o tempo todo em contato com os Wajãpi, ensinando informalmente o português. Isso foi bastante positivo para as minhas aulas, por possibilitar um contato intenso dos Wajãpi com a variedade local do português. Por eu não ser falante dessa variedade, nem sempre conseguia dar conta de contemplar, em minhas aulas, o falar amapaense e regional.

Quanto ao trabalho com leitura e produção de textos cada uma das quatro turmas com as quais trabalhei receberam enfoques diferentes. Quando comecei a trabalhar com os alunos do Magistério I, eles já estavam bastante familiarizados com a transmissão de conhecimento escolar e com atividades de leitura e escrita. Em 1998, quando comecei a dar aulas de LP2 para os agentes de saúde a situação foi um pouco diferente. Como já mencionei, alguns alunos tinham sido alunos de professores das escolas das aldeias (portanto, escolas estaduais, sob responsabilidade do Núcleo de Educação Indígena) e outros foram alunos de missionários. A permanência e frequência nessas aulas era extremamente desigual e irregular de aluno para aluno. Alguns tinham tido menos de dez aulas ao ingressarem na formação de agentes de saúde. Alguns eram bilíngues, outros compreendiam muito pouco o português. Alguns tinham sido alfabetizados, outros conheciam muito pouco os alfabetos do português e wajãpi e quase nada sobre grafia e ortografia da língua portuguesa. A segunda turma de Magistério já tinha um outro perfil. Todos os alunos foram alfabetizados pelos professores da primeira turma em língua wajãpi. Eles foram a primeira geração de Wajãpi alfabetizados em língua wajãpi na escola de suas aldeias, por professores wajãpi. O conhecimento deles da língua portuguesa, embora bastante heterogêneo, era muito maior do que o conhecimento dos agentes de saúde no início de sua formação. O próprio contato com falantes de português já se dava de outra forma. Os alunos da turma de pesquisadores eram muito parecidos com os alunos do Magistério II. Essa formação ainda contava com alunos com alguma experiência nas atividades do Conselho das Aldeias Wajãpi - Apina.

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Seguindo as recomendações para o ensino de português apresentadas no Referencial Curricular Nacional para as Escolas Indígenas (1998), utilizei diversos tipos de textos (ou gêneros, de acordo com as recomendações para o ensino de português como língua materna da escola regular do não-índio) em minhas aulas, priorizando os mais próximos dos alunos, tais como atas de reunião, cartas e ofícios enviados ou recebidos por órgãos locais, bulas de remédios, cartazes expostos nas aldeias, folders de associações indígenas, manuais de motores de popa, receitas, reportagens de jornais etc. As diferenças culturais, e não somente as diferenças inerentes aos modos de transmissão de conhecimento, faziam das aulas de leitura uma espécie de boneca russa em que ao ser respondida uma pergunta sobre alguma incompreensão cultural relativa ao texto em questão, logo outra pergunta surgia a partir da primeira, formando uma rede de explicações ramificadas por diversas áreas do conhecimento. Ao mesmo tempo que estimulante, essa característica do trabalho com textos também era exaustiva, principalmente para os alunos que algumas vezes largavam seus cadernos e saíam no meio da aula, aborrecidos por não terem entendido o tema da leitura. Minha intenção era dar continuidade ao ensino de leitura, introduzindo textos literários. Infelizmente, antes de interromper meu trabalho com os Wajãpi, trabalhei apenas com alguns poucos textos literários e com um pequeno “texto de ficção”, criado por mim e que tinha também como objetivo ensinar habilidades orais a partir dos diálogos entre os personagens dos textos. Ainda que essa experiência tenha sido curta, o uso de textos literários demonstrou ser um recurso bastante eficiente para ensinar características do modo de conhecimento letrado, tais como noções de autoria, ficção, criatividade, unificação linguística, leitor etc. Um outro ponto fundamental no ensino de LP2 para os Wajãpi diz respeito aos modos de pensamento narrativo e lógico-científico, como definidos por Bruner (2002) e apresentados no Capítulo 2. Tradicionalmente, o discurso narrativo é o modo, por excelência, de explicação dos eventos e de transmissão do conhecimento desse povo. Como demonstrado por Gallois (1994), e como será também apontado no capítulo de análise do corpus em questão, a distinção entre

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mito e história, presente no conhecimento letrado, não é distintiva para o conhecimento wajãpi. Por outro lado, o pensamento lógico-científico é um modo tradicional de transmissão de conhecimento em sociedades letradas.

No Capítulo 2, procurei demonstrar que o pensamento lógico-científico nasce em uma sociedade letrada e, ao mesmo tempo, é constitutivo de um modo letrado de elaboração e transmissão do conhecimento. Ainda neste capítulo, vimos que a forma escolar de socialização está assentada, basicamente, na transmissão pela escrita. Dessas observações pode-se constatar que a escola é o espaço social privilegiado para o uso do pensamento lógico-científico. A experiência docente de Ferreira Netto com a primeira turma de professores wajãpi demonstrou que o raciocínio dedutivo, próprio do pensamento discursivo (ou lógico-científico), fundamental para atividades de categorização, poderia vir a ser um objeto explícito de ensino, assim como técnicas de leitura e contagem:

Assim, se considerarmos, semelhantemente a essas práticas mecânicas de leitura e de contagem, as técnicas de depreensão de critérios de categorização como um fenômeno passível de treino para o seu completo domínio – traço fundamental do raciocínio dedutivo que se procurou transmitir-lhes –, é possível induzir que apenas a instalação de um processo educacional metódico voltado para esse propósito, dentre outros, garantiria a manutenção e o